Resumo

A pandemia COVID-19 é uma crise de saúde global que já tem causado impactos devastadores na economia mundial - tanto diretamente quanto como consequência das medidas necessárias para conter a propagação da doença. Esses impactos são sentidos no setor agroalimentar. Embora o suprimento de alimentos se tenha mantido em bom funcionamento até a presente data, em muitos países, as medidas adotadas para conter a propagação do vírus estão começando a perturbar o fornecimento de produtos agroalimentares aos mercados e consumidores, domestica e internacionalmente. O setor passa por uma mudança significativa em sua composição e - para algumas “commodities” - no nível de demanda. Quão prejudiciais serão esses impactos para a segurança alimentar, a nutrição e para a subsistência de agricultores, pescadores e outros que trabalham na cadeia de fornecimento de alimentos, dependerá em grande parte das respostas políticas a curto, médio e longo prazo. No curto prazo, os governos devem gerenciar múltiplas demandas – respondendo à crise da saúde, gerenciando as consequências do choque para a economia e garantindo o bom funcionamento do sistema alimentar. Embora a pandemia represente alguns sérios desafios para o sistema alimentar no curto prazo, também serve como oportunidade para acelerar as transformações no setor agroalimentar e aumentar sua resiliência diante de uma série de desafios, incluindo as mudanças climáticas.

 Existe alimento suficiente em nível global, mas a COVID-19 causa perturbações de oferta e demanda de maneira complexa

Atualmente não há razão para a crise da saúde se transformar em uma crise global de alimentos. O suprimento de alimentos básicos é grande, as perspectivas de produção são favoráveis e os estoques de cereais devem atingir o terceiro nível mais alto já registrado1. Além disso, a maioria dos países designou o setor agrícola e agroalimentar como essencial e isento de fechamento de negócios e de restrições sobre movimento. Para muitos países, os impactos diretos da pandemia na agricultura primária devem ser limitados, pois a doença não afeta os recursos naturais dos quais a produção depende. Em países mais pobres, entretanto, o vírus representa uma séria ameaça à segurança alimentar e aos meios de subsistência, já que seus sistemas de produção agrícola exigem mais mão-de-obra e dispõem de menos capacidade de resistir a um grave choque macroeconômico.

Como alimentos atendem a uma necessidade básica, o nível de sua demanda deverá ser menos afetado do que o de outros bens e serviços. Houve, entretanto, uma grande reconfiguração da demanda, devido ao colapso na demanda por parte dos restaurantes, hotéis e serviços de bufê, ao fechamento de mercados a céu aberto e a um aumento na demanda de supermercados. Há sinais de que as empresas da cadeia alimentar já estão se adaptando às mudanças na demanda, com a reorganização das linhas de produção e aumento de capacidade de gerenciar estoques maiores; migração de serviços para plataformas online e de entrega domiciliar; e contratação de pessoal temporário. Exceto nos países mais pobres2, os maiores desafios para o setor resultam das medidas necessárias para conter a propagação da COVID-19; dos ajustes necessários no setor para cumprir essas medidas (que podem levar a aumentos de custos); e da necessidade de encontrar mercados alternativos para os produtos afetados à medida que as pessoas mudam seus hábitos de consumo em resposta à COVID-19.

 Como as perturbações se manifestam ao longo do sistema alimentar?

 Impactos sobre produção e renda agrícolas

Os limites à mobilidade das pessoas por fronteiras e as medidas de confinamento estão contribuindo para a escassez de mão-de-obra nos setores agrícolas de diversos países, especialmente aqueles caracterizados por períodos de pico de demanda sazonal de mão-de-obra ou produção intensiva de mão-de-obra. Como exemplo, as proibições de viagens recém-implementadas na União Europeia, bem como o fechamento do espaço Schengen, reduziram significativamente a força de trabalho disponível para o setor de frutas e legumes em vários países europeus3 4. Com a iminência da temporada de colheita no hemisfério norte, a escassez de mão-de-obra poderia levar a perdas na produção e escassez no mercado. Em muitos países, isso se soma a dificuldades já existentes no fornecimento de mão-de-obra sazonal.

Por outro lado, perturbações ao escoamento da produção estão gerando acúmulo de excedentes em alguns casos, sobrecarregando as instalações de armazenamento e, no caso de altamente perecíveis, aumentando perdas de alimentos. Para alguns produtos, as perturbações no lado da oferta são agravadas por reduções no lado da demanda (são afetados, em especial, os alimentos tipicamente consumidos fora de casa e itens de luxo - veja abaixo). Em conjunto, esses efeitos afetam a renda das fazendas. As perdas de renda das famílias que trabalham no setor agrícola podem ser agravadas, ainda, pela redução da renda extra-agrícola.

A pandemia COVID-19 tem potencial de impactar, igualmente, a disponibilidade dos principais insumos intermediários para os agricultores. No momento, parece não haver escassez nas regiões produtoras de países desenvolvidos, embora os agricultores possam enfrentar dificuldades extras no fornecimento de insumos devido a restrições adicionais à circulação de pessoas e bens5. Na República Popular da China (doravante “China”), por exemplo, a produção de pesticidas diminuiu acentuadamente e só foi retomada gradualmente, passado o surto que levou ao fechamento de fábricas. A baixa disponibilidade e/ou o aumento do preço de insumos, tais como pesticidas, podem pesar na produtividade e na produção agrícola em 2020 e 2021, particularmente nos países em desenvolvimento6.Fechar as fronteiras ou desacelerar o movimento transfronteiriço de sementes pode prejudicar as cadeias de suprimento de sementes e a pontualidade de entrega de sementes, com impactos negativos sobre a agricultura, produção de ração animal e alimentos das próximas safras.

 Alteração do perfil da demanda do consumidor

Espera-se que a maioria das principais economias entre em recessão como resultado da pandemia de COVID-19, e a OCDE estimou que, para cada mês em que são mantidas as medidas de contenção necessárias, a queda na produção equivale a um declínio no crescimento anual do PIB de até dois pontos percentuais7.Nos países desenvolvidos, o choque macroeconômico sobre a demanda dos consumidores e o emprego reduzirá apenas ligeiramente a demanda geral de alimentos, mas espera-se que ocorra um impacto mais forte na demanda por produtos “premium'' de maior valor e por aqueles que envolvem serviços adicionais. Ocorre, ainda, que a queda do preço do petróleo – causada pela previsão de queda de PIB devido à COVID-19 e por uma guerra de preços no setor8 – resulta na queda da demanda por biocombustíveis.

O colapso no consumo de alimentos fora do domicílio terá um impacto particularmente grande nos países desenvolvidos. O fechamento de restaurantes e prestadores de serviços de alimentação em escolas, hotéis e serviços de bufê encolheu o mercado de algumas “commodities” – como exemplo, batatas para batatas fritas, frutos do mar e laticínios - com algumas dessas perdas compensadas pelo aumento da demanda dos supermercados9. A demanda também parece ser afetada na medida em que consumidores abrem mão de itens de maior valor em prol de alimentos básicos e prontos para o consumo, fáceis de armazenar. Também houve um forte aumento no comércio eletrônico.

Essa mudança significativa na composição - e, para algumas “commodities”, no nível - da demanda exercerá pressão sobre toda a cadeia de valor. Os fabricantes estão ajustando a produção e a distribuição como, por exemplo, para deixar de produzir itens a granel destinados ao mercado de serviços de alimentação para fabricar pacotes menores para uso doméstico. Alguns, entretanto, terão dificuldades em manter seus negócios viáveis. É igualmente necessário adaptar e diversificar os canais de distribuição de alimentos (como supermercados ou serviços de entrega direta a domicílio, em vez de mercados a céu aberto, restaurantes e prestadoras de serviço de bufê). O desafio é particularmente maior para agricultores especializados e de pequena escala, uma vez que dependem mais das vendas a mercados a céu aberto, restaurantes e serviços de bufê e podem penar para identificar novos pontos de venda e compradores.

Essas mudanças no perfil da demanda resultam diretamente das medidas de contenção à doença. Algumas dessas mudanças têm o potencial de reformular os hábitos alimentares e o comportamento do consumidor a longo prazo, principalmente se as medidas de confinamento forem duradouras. A incerteza associada à evolução do consumo após a pandemia provavelmente afetará as decisões de investimento de algumas empresas, o que também poderia afetar o desenvolvimento futuro das cadeias alimentícias. Para alguns, no entanto, essas mudanças podem significar novas oportunidades de negócios.

 Perturbações nas cadeias de suprimento de alimentos

Medidas adotadas para impedir ou retardar a disseminação da COVID-19 também prejudicam o funcionamento das cadeias de suprimento de alimentos. Os impactos no trabalho são especialmente preocupantes. O setor de alimentos ficará vulnerável aos impactos negativos sobre a força de trabalho da propagação da COVID-19 (trabalhadores doentes ou em isolamento) e enfrentará custos adicionais de produção e distribuição como resultado das medidas de saúde e segurança introduzidas para reduzir a exposição de sua força de trabalho. Embora os mecanismos de transmissão do vírus não sejam totalmente conhecidos, dois mecanismos claros são: (i) trabalhadores em estreita proximidade; e (ii) exposição a superfícies contaminadas. O gerenciamento desses riscos exigirá mudanças imediatas na maneira como os alimentos são processados e distribuídos. Muitas dessas mudanças já estão em andamento, mas podem ser difíceis de implementar no curto prazo devido a desafios relacionados ao suprimento de máscaras e equipamentos de proteção para os trabalhadores.

Os mercados de produtos perecíveis provavelmente serão mais afetados do que os de cereais e alimentos preparados. Condições de trabalho envolvendo proximidade física nas instalações de embalagem e processamento colocam a força de trabalho em risco de contrair COVID-19. A necessidade de atender aos requisitos de distanciamento social, por exemplo, na embalagem e classificação de frutas e legumes10e no processamento de produtos animais, além do absenteísmo, está aumentando os custos e reduzindo a capacidade de produção, mesmo com o aumento da demanda dos consumidores nos supermercados. A força de trabalho disponível sofreu redução devido às taxas de infecção e absenteísmo e em resposta a medidas de confinamento, mesmo em setores críticos. Além de comprometer a oferta, as infecções nas instalações de processamento levaram, por sua vez, a reduções de demanda no nível das fazendas.

O confinamento e as restrições à circulação de pessoas também afetam a realização de verificações cruciais de segurança, qualidade e para certificação, inclusive aquelas necessárias para facilitar o comércio, como inspeções físicas de mercadorias para garantir a conformidade com os requisitos sanitários e fitossanitários (SPS). Além desses procedimentos, verificações adicionais podem ser exigidas em resposta a novos parâmetros de biossegurança para o setor, implementados em resposta ao COVID 19. Em alguns casos, o relaxamento das normas para atender às necessidades alimentares domésticas põe em dúvida o objetivo de tais medidas em termos de saúde e segurança contra a proteção das indústrias domésticas.

Medidas para conter a disseminação da COVID-19 estão causando atrasos e interrupções nos serviços de transporte e logística. O fechamento de fronteiras e procedimentos adicionais de verificação e controle levaram a congestionamentos e atrasos, afetando o trânsito de produtos perecíveis. Por exemplo, os requisitos de distanciamento social reduziram o número de inspetores de importação e exportação nas fronteiras, aumentando o tempo necessário para o desembaraço aduaneiro11.

A queda abrupta de atividade das companhias aéreas e o aumento do preço de fretes aéreos internacionais, decorrentes de menores volumes de comércio e da falta de voos comerciais para passageiros, estão causando problemas significativos para a exportação de produtos alimentares perecíveis de maior valor, incluindo frutos do mar, frutas e legumes12. Há relatos de que, após aa proibições de viagens, os custos de frete aéreo aumentaram cerca de 30% entre a China e a América do Norte e mais de 60% em algumas rotas importantes entre a Europa e a América do Norte13. Os prazos de entrega também aumentaram14.

Os fechamentos de portos também apresentam um problema quando o produto precisa ser desviado de um porto para outro ou mesmo para um o país importador diferente. Na época em que a pandemia eclodiu, um grande número de contêineres ficaram retidos na China, o que levou a sua escassez e consequente elevação de preços (por vezes considerável). Isto repercutiu sobre o preço da carga, inclusive para produtos alimentícios, e o volume de tráfego. Em março, por exemplo, trabalhadores portuários em Shenzhen, China, o quarto maior do mundo em volume de contêineres, relataram que os negócios caíram em 50 a 75% desde o início do surto de COVID-1915. Desviar cargas pode gerar exigências de documentação adicional para liberação de carga nas fronteiras.

As restrições de transporte e as medidas de quarentena provavelmente impedirão também o acesso aos insumos necessários ao setor alimentar. Há, por exemplo, relatos de que interrupções na produção de fertilizantes por alguns fornecedores – causadas por falta de mão-de-obra – criaram dificuldades para os fabricantes de CO2 e, por extensão, para a indústria de alimentos. O CO2 é usado para diferentes aplicações alimentares (congelamento, gaseificação de bebidas, controle de atmosfera para alimentos como carnes embaladas, permitindo prolongar prazos de consumo). Isso representa um desafio para as indústrias de alimentos, especialmente as que produzem bebidas gaseificadas e os grandes grupos produtores de laticínios16.

A pandemia COVID-19 pode ter implicações a curto e longo prazo no que se refere a perda e desperdício de alimentos. As perdas na cadeia de suprimentos podem aumentar no curto prazo, devido a gargalos logísticos e a uma contração da demanda por produtos perecíveis que são normalmente consumidos fora de casa (leite, ovos e peixe fresco, por exemplo). O desperdício do lado do consumidor pode sofrer aumento devido à acumulação e compra de pânico, embora a maioria dessas compras tenha sido de itens de longa vida, como farinha e macarrão. Em contrapartida, serão eliminados os desperdícios que resultam da necessidade de os restaurantes oferecerem aos clientes um leque de opções em seus cardápios. A longo prazo, o setor de alimentos pode identificar melhores maneiras de gerenciar inventários, e os consumidores, por sua vez, podem reavaliar seus hábitos de compra e consumo, com a redução de desperdício em mente.

 Cadeias de suprimento fortes e flexíveis - da fazenda ao garfo – são essenciais para manter o funcionamento do sistema alimentar: o que formuladores de políticas públicas podem fazer?

Levar comida para onde é necessário exigirá cadeias de suprimentos fortes e flexíveis que possam responder a mudanças no perfil da demanda do consumidor e promover ajustes em resposta a restrições de oferta decorrentes de medidas implementadas em resposta à COVID-19. Embora existam muitas incertezas e a situação esteja em evolução, a experiência com crises passadas (principalmente a crise dos preços dos alimentos de 2007-8) fornece lições sobre algumas ações que os governos podem adotar para mitigar os impactos da COVID-19 no sistema alimentar.

 Manter mercados internacionais agrícolas e de produtos alimentares abertos, transparentes e previsíveis

A pandemia COVID-19 não causou até o presente um choque no fornecimento de grãos básicos. No entanto, vários grandes exportadores restringiram as exportações, enquanto alguns países que dependem da importação de grãos para alimentar suas populações aumentaram as compras para garantir estoques suficientes enquanto a pandemia se estender.

  • Garantir a transparência do mercado fornecendo informações de mercado tempestivas. Uma lição da crise dos preços dos alimentos em 2007-8 é a importância da transparência e do compartilhamento de informações. Isso pode atenuar as compras de pânico e gerar confiança nos mercados. Também pode melhorar a confiança entre os países, incentivando soluções cooperativas. Os países também podem se beneficiar da aprendizagem entre pares para identificar quais abordagens de políticas públicas estão se mostrando eficazes (Quadro 1).

  • Fornecer comunicação clara e transparente em âmbito doméstico. Vários governos instauraram medidas para deter a acumulação e as compras de pânico, garantindo a liberação de informações tempestivas sobre a disponibilidade e segurança dos estoques de alimentos.

  • Evitar restrições comerciais. As restrições às exportações aumentam a instabilidade nos mercados globais e minam a oferta, principalmente em países mais expostos a flutuações de preços. Análises conduzidas pela OCDE evidenciam que restrições à exportação e a quebra do comércio internacional representam uma ameaça significativa à segurança alimentar ao reduzira disponibilidade de alimentos, o que pode resultar em aumento significativo da subnutrição em caso de crise econômica17.

  • Manter os mercados doméstico, regional e internacional abertos. Mercados domésticos em bom funcionamento, cooperação regional e um sistema comercial internacional aberto são todos importantes para conectar produtores a oportunidades de mercado e ajudar os alimentos a chegarem onde são necessários. Fronteiras abertas e mercados internos bem conectados podem evitar interrupções no fornecimento. Essas condições são especialmente importantes para países importadores líquidos de alimentos.

 
Quadro 1. O Sistema de Informações para Mercados Agrícolas

O Sistema de Informações para Mercado Agrícola (AMIS, em inglês) é uma plataforma interinstitucional para aumentar a transparência do mercado de alimentos e ampliar as políticas voltadas para a segurança alimentar. Foi lançado em 2011 pelos Ministros da Agricultura do G20, após a alta global dos preços dos alimentos em 2007-08 e 2010. Reunindo os principais países do comércio de “commodities” agrícolas, o AMIS avalia o suprimento global de alimentos (com foco em trigo, milho, arroz e soja) e fornece uma plataforma para coordenar a ação política em tempos de incerteza no mercado.

O valor do AMIS foi testado quando a seca atingiu o sul da Europa e América do Norte no verão de 2012. As análises fornecidas pelo AMIS e as discussões entre seus membros ajudaram a aumentar a transparência sobre intenções e ações de políticas públicas, e atenuaram as preocupações com um eventual retorno a situação de volatilidade dos preços. Os preços subiram para níveis recordes (nominais), mas os mercados tiveram desempenho eficiente sem os níveis de volatilidade observados em 2007 e 2010. O AMIS desempenhou um papel valioso ao ajudar a persuadir os formuladores de políticas e participantes do mercado a evitar os erros – especialmente ações de políticas contraproducentes - que agravaram os aumentos de preços de 2007-08.

 Minimizar os custos para o comércio evitáveis decorrentes de medidas de prevenção de contágio da COVID-19

Novas medidas não-tarifárias (medidas SPS e TBT) que já estão sendo implementadas podem ter impactos perturbadores nas cadeias globais de valor de alimentos. Embora essas medidas possam ser necessárias para gerenciar riscos sanitários, elas também podem aumentar significativamente os custos para os exportadores de alimentos, principalmente se os requisitos diferirem entre os mercados. Portanto, é necessário reduzir custos desnecessários associados a essas medidas, com o objetivo de manter alimentos seguros e acessíveis em nível mundial. De fato, alguns membros da OMC notificaram que estão implementando medidas para facilitar o comércio, por exemplo, pela rápida tramitação de documentos em meio eletrônico.

  • Garantir que as medidas SPS e TBT implementadas em resposta aos riscos associadas à COVID-19 sejam baseadas na ciência, transparentes, não discriminatórias e não perturbem desnecessariamente o comércio nem aumentem desnecessariamente seus custos. A necessidade de tais medidas também deve ser reavaliada à medida que evidências sobre o risco se tornam disponíveis.

  • Garantir o compartilhamento das melhores práticas e, na medida do possível, a harmonização de medidas entre os países para facilitar os processos na fronteira. Estratégias regionais coordenadas que permitem flexibilidade dentro dos marcos regulatórios existentes e constroem confiança entre os parceiros comerciais podem ajudar a garantir que os alimentos possam mover-se para onde são necessários.

 Lidar com entraves laborais na cadeia de suprimento de alimentos

  • Designar trabalhadores do setor de alimentos como essenciais. Além de trabalhadores agrícolas e nas empresas do setor alimentício, a designação deve incluir provedores públicos e privados de serviços críticos para o setor, como inspetores de segurança alimentar.

  • Flexibilizar requisitos regulatórios (não relacionados à saúde e segurança) para os agricultores acederem a mão de obra sazonal por meio de programas de migração.

  • Buscar oportunidades para facilitar o acesso dos agricultores a força de trabalho alternativa, atraindo, inclusive, trabalhadores demitidos em outros setores (de serviços ou “gig economy”, por exemplo). Estudantes também podem ser capazes de preencher algumas lacunas.

  • Adotar medidas para garantir a saúde e a segurança dos trabalhadores, uma vez que as condições de trabalho nos campos e nas instalações de embalagem e processamento os colocam em risco agravado de contração da COVID-19.

 Garantir condições de higiene e segurança alimentar ao longo de toda a cadeia de alimentos

  • Estabelecer regras de biossegurança apropriadas para o setor e coletar e comunicar as evidências científicas sobre práticas de biossegurança o mais rápido possível.

  • Aplicar regulamentos estritos na gestão do abate, manuseio, venda, preparação e consumo humano de carne de animais selvagens.

 Facilitar o movimento de produtos alimentares – inclusive por canais alternativos

  • Melhorar a facilitação do comércio e a logística. Facilitar a circulação de produtos perecíveis através das fronteiras reduziria a perda de alimentos e resíduos relacionados às dificuldades de manuseio, ao mesmo tempo que facilitar as verificações nas fronteiras poderia facilitar o acesso a insumos agrícolas essenciais, como pesticidas e medicamentos veterinários. As ferramentas digitais podem facilitar os procedimentos de fronteira, por exemplo, pelo uso de cópias eletrônicas de certificados sanitários e fitossanitários.

  • Explorar maneiras de manter as ligações de transporte, na medida do possível, para facilitar o movimento de produtos alimentares e assegurar o acesso dos agricultores aos mercados de insumos e produtos.

  • Cooperar com partes interessadas privadas para identificar e resolver gargalos nas cadeias de suprimento de alimentos.

  • Trabalhar com o setor privado para encontrar canais alternativos de suprimento para lidar com eventuais excedentes (ou potencial perda e desperdício de alimentos) resultantes do fechamento de restaurantes, escolas, hotéis e serviços de bufê. A medida beneficiaria tanto os consumidores quanto os pequenos agricultores, com maior probabilidade de depender de vendas a esses estabelecimentos e compradores.

  • Onde apropriado, demonstrar flexibilidade em relação aos requisitos regulatórios (requisitos de embalagem e rotulagem, por exemplo), a fim de facilitar o movimento de produtos alimentares para pontos de venda alternativos.

 Assegurar que as necessidades alimentares e nutricionais de populações vulneráveis sejam atendidas – agora e no futuro

Espera-se que a maioria das economias importantes entre em recessão como resultado de medidas de combate à propagação da COVID-19, e consideráveis perdas de emprego já ocorreram. O impacto pode ser significativo para populações em situação de insegurança alimentar tanto nos países em desenvolvimento quanto nos países desenvolvidos.

Nos países desenvolvidos, alguns grupos, como idosos, famílias em que membros sofrem de doenças crônicas e famílias mais pobres, podem ser particularmente vulneráveis à escassez de alimentos a curto prazo, como resultado do fechamento dos programas de alimentação escolar; fechamento ou aumento da demanda de bancos de alimentos; e compra de pânico que reduzam suprimentos essenciais e opções de baixo custo nos supermercados. É essencial garantir as necessidades de segurança alimentar e nutrição das populações vulneráveis, inclusive garantindo o acesso a redes apropriadas de segurança social. Muitos países implementaram rapidamente políticas de resposta nessa área, principalmente expandindo o financiamento de programas preexistentes de assistência alimentar e, em alguns casos, implementando novas medidas. Os governos também estão trabalhando com organizações não-governamentais para permitir o fornecimento de alimentos de emergência por meio de bancos de alimentos. Os governos podem coordenar-se com as partes interessadas privadas para restaurar e comunicar a confiança nas cadeias de alimentos locais.

Nos países em desenvolvimento, particularmente aqueles já afetados por conflitos ou crises humanitárias, é provável que a COVID-19 tenha impactos muito mais graves nos meios de subsistência e na segurança alimentar. A experiência com o vírus Ébola evidencia como os meios de subsistência podem ser dizimados, uma vez que o medo de contágio e as restrições à movimentação impediram alguns agricultores de produzir, impactando tanto os produtos agrícolas alimentares quanto os não alimentares, interrompendo as cadeias de suprimentos agrícolas e causando escassez aguda de mão-de-obra agrícola na região. O surto de Ébola também deteriorou o poder de compra das famílias mais vulneráveis e, consequentemente, dificultou seu acesso a alimentos18. Para os países em desenvolvimento – onde os sistemas alimentares exigem mais mão-de-obra, muitos agricultores são compradores líquidos de alimentos básicos, as cadeias de suprimentos são menos desenvolvidas e onde um choque macroeconômico ameaça mergulhar um grande número de pessoas na pobreza – pode haver necessidade de assistência internacional.

Além disso, os efeitos da COVID-19 ocorrem no contexto de uma emergência climática. Choques de oferta associados a eventos climáticos extremos, combinados com choques de demanda em uma economia deprimida, podem gerar tensões relacionadas a segurança alimentar.

  • Atender às necessidades imediatas das populações vulneráveis, por meio de assistência alimentar de emergência ou transferências direcionadas, por exemplo.

  • Desenvolver ainda mais os sistemas de proteção social. As transferências em dinheiro – tanto pagamentos condicionais, pelo uso de sistemas como redes de segurança adaptativas, quanto transferências incondicionais – respondem de modo mais eficiente e eficaz às preocupações com segurança alimentar do que intervenções no mercado, incluindo aquelas operadas por sistemas de distribuição pública.

  • Explorar soluções globais cooperativas para atender às necessidades dos países mais pobres e garantir que a COVID-19 não resulte em uma crise alimentar nesses países.

 Olhando para o futuro, a crise da COVID-19 poder ser uma oportunidade para incrementar a resiliência, a sustentabilidade e a produtividade no setor agroalimentar

À luz da pandemia COVID-19, garantir que o sistema alimentar seja mais sustentável e resiliente se tornou uma prioridade ainda mais urgente. A pandemia representa uma oportunidade de aprender mais sobre pontos de estrangulamento e vulnerabilidades no sistema alimentar, a fim de identificar os investimentos e reformas necessários que fortaleceriam ainda mais a resiliência do setor a uma série de futuros choques e desafios. Será crucial envolver as partes interessadas no processo de compreensão de todos os impactos da pandemia em vários grupos da população e as lições a serem aprendidas. Em particular, será importante examinar o atual “kit de ferramentas” de resiliência no sistema alimentar, com o objetivo de identificar quais medidas se mostraram mais eficazes e quais novas medidas podem ser necessárias para responder a choques no sistema como um todo. Será particularmente importante identificar quais fatores permitem que algumas empresas de alimentos e agricultura adaptem seus modelos de negócios com rapidez suficiente para evitar as consequências mais negativas.

As lições da pandemia COVID-19 devem ser integradas em respostas mais amplas aos desafios que o sistema alimentar global enfrenta. Esses desafios incluem: (i) a corrente emergência das mudanças climáticas e a necessidade de o sistema alimentar ser resiliente a uma série de eventos climáticos extremos; (ii) a necessidade de garantir crescimento sustentável da produtividade para alimentar uma população mundial em crescimento em face das mudanças climáticas, reduzindo simultaneamente as emissões de gases de efeito estufa do setor; (iii) preservação da biodiversidade, face às mudanças no uso da terra relacionadas à agricultura, o gerenciamento de novas variedades e os riscos de doenças associadas a monoculturas; e (iv) uma variedade de doenças animais e vegetais, incluindo aquelas que afetam diretamente a saúde humana, transmitidas por alimentos (como na crise da BSE), transmitidas entre humanos (como nos coronavírus zoonóticos) e induzindo resistência antimicrobiana humana (quando os antimicrobianos são aplicados de maneira inadequada no setor pecuário), bem como aquelas que afetam a segurança alimentar, reduzindo a produção animal e agrícola (como a febre suína africana e a lagarta-do-cartucho-do-milho).

 Aprender com a crise em preparo a futuros choques

Trabalhar com partes interessadas e organizações internacionais para identificar pontos fracos, pontos de estrangulamento e vulnerabilidades na agricultura e nos sistemas alimentares, e serviços críticos que precisam ser fortalecidos para aumentar o preparo para lidar com riscos sistêmicos e identificar oportunidades para fortalecer as redes entre as partes interessadas públicas e privadas para realizar esses investimentos.

Acelerar investimentos e reformas que fortaleceriam ainda mais a resiliência do sistema alimentar a uma série de riscos, por exemplo:

Investir em sistemas de dados nos níveis local, nacional e global, para que informações em tempo real possam colocadas à disposição para os tomadores de decisão e gerar confiança no suprimento em momentos de crise.

Investir em esforços nacionais e internacionais para incrementar arranjos em matéria de biossegurança e melhorar a capacidade dos países de gerenciar riscos sanitários e fitossanitários emergentes.

Fortalecer as estratégias de comunicação do governo para aumentar a confiança do consumidor na segurança e confiabilidade do sistema agroalimentar.

 Apoiar a transição para um setor agroalimentar mais resiliente

Garantir que as medidas de apoio para alívio temporário aos agricultores e outras partes interessadas do sistema alimentar sejam consistentes com políticas socioeconômicas mais amplas, alcancem grupos socioeconômicos vulneráveis e contenham estratégias de saída claras.

Considerar oportunidades mais amplas para redirecionar o apoio ao setor agrícola de maneira a prover bens claramente públicos, especialmente no que diz respeito à mitigação das mudanças climáticas e à melhoria dos resultados ambientais.

Manter e desenvolver as medidas positivas de facilitação do comércio que foram tomadas para reduzir distorções na fronteira, para reforçar o papel que os mercados globais podem desempenhar para garantir a segurança e o fornecimento estável de alimentos.

Continuar os esforços para criar e manter mecanismos para garantir a transparência e o diálogo sobre políticas voltadas para sistemas alimentares, como o AMIS, para gerar confiança nos mercados e cooperação.

Ao avançar, considerar como a adoção de uma abordagem integrada pode ajudar a assegurar a resiliência do sistema alimentar global. Com mais resiliência, o sistema alimentar estará mais apto a cumprir o triplo desafio: fornecer alimentos seguros e acessíveis para uma crescente população mundial, meios de subsistência para as muitas pessoas envolvidas no setor alimentar ao redor do mundo (incluindo a maioria da população mundial em situação de pobreza que mora nas áreas rurais), ao passo que se garante a sustentabilidade ambiental diante de desafios ambientais complexos e de uma emergência climática.

 Conclusão

Existe hoje uma oportunidade de não apenas responder efetivamente à crise atual, mas reverter o apoio distorcivo, ineficiente e prejudicial ao meio ambiente, liberando recursos financeiros para investimentos em um sistema alimentar mais produtivo, sustentável e resiliente, capaz de enfrentar novos desafios. Em conjunto com reformas regulatórias, é possível construir um ambiente propício para todo o sistema alimentar que atenda exigências ligadas aos limites de disponibilidade de recursos naturais, um clima em mudança, a demanda do mercado, desenvolvimentos tecnológicos e riscos catastróficos de "baixa probabilidade e alto impacto". O choque inesperado da COVID-19 ressalta a necessidade de uma mudança das políticas de “tudo como de hábito” para um pacote de políticas mais voltadas para o futuro e que invista na produtividade, sustentabilidade e resiliência do sistema alimentar global.

 
Forthcoming Policy Briefs

This is the first in a series of Policy Briefs on issues related to COVID-19 and food and agriculture. Look out for other Policy Briefs in this series that will look more deeply into specific issues. Forthcoming Briefs include:

  • COVID-19 and the food system

  • Impacts on specific supply chains (e.g.seeds, fruit and vegetables)

  • Transparency

A framework paper,COVID-19 and International Trade: Issues and Actions, is also available, along with in-depth Policy Briefs on specific sectors and issues.

Other Policy Briefs on wider issues are available on oecd.org/coronavirus.

Observações

1.

AMIS Market Monitor, April 2020.

2.

Nos países mais pobres, uma alta incidência de doenças entre agricultores e trabalhadores rurais pode ter efeitos substanciais na própria produção agrícola, levando até mesmo ao abandono de terras.

3.

Informações fornecidas pelos delegados do Esquema de Frutas e Hortaliças da OCDE, incluindo Áustria, Bélgica, França, Irlanda, Itália, Quênia, Polônia e Suíça, bem como a Associação Europeia de Frutas e Legumes Frescos (Freshfel Europe, Organização Observadora no Esquema de Frutas e Hortaliças da OCDE).

4.

OECD Scheme for the Application of International Standards for Fruit and Vegetables, Preliminary Report: Evaluation of the Impact of the Coronavirus (COVID-19) on Fruit and Vegetables Trade, 31 de março de 2020, TAD/CA/FVS/WD(2020)1.

5.

Farm Policy News, 6 April 2020 https://farmpolicynews.illinois.edu/2020/04/covid-19-impacting-food-purchasing-dynamics-as-ag-labor-concerns-persist/.

6.

Schmidhuber, Pound and Qiao (2020), COVID-19: Channels of Transmission to Food and Agriculture, FAO, Roma. https://doi.org/10.4060/ca8430en.

7.

Evaluating the Initial Impact of COVID-19 Containment Measures on Economic Activity (14 de abril de 2020), https://www.oecd.org/coronavirus/policy-responses/evaluating-the-initial-impact-of-covid-19-containment-measures-on-economic-activity/.

8.

Farm Policy News, 30 de março de 2020 https://farmpolicynews.illinois.edu/2020/03/covid-19-and-oil-prices-taking-toll-on-ethanol-plants/.

9.

Alguns países vêm tentando manter em funcionamento programas de merenda escolar, especialmente para alunos em situação vulnerável, por canais alternativos de distribuição.

10.

OECD Scheme for the Application of International Standards for Fruit and Vegetables, Preliminary Report: Evaluation of the Impact of the Coronavirus (Covid-19) on Fruit and Vegetables Trade, 31 de março de 2020, TAD/CA/FVS/WD(2020)1.

11.

OECD Scheme for the Application of International Standards for Fruit and Vegetables, Preliminary Report: Evaluation of the Impact of the Coronavirus (Covid-19) on Fruit and Vegetables Trade, 31 de março de 2020, TAD/CA/FVS/WD(2020)1.

12.

OECD Scheme for the Application of International Standards for Fruit and Vegetables, Preliminary Report: Evaluation of the Impact of the Coronavirus (COVID-19) on Fruit and Vegetables Trade, 31 de março de 2020, TAD/CA/FVS/WD(2020)1; Schmidhuber, Pound e Qiao (2020), COVID-19: Channels of Transmission to Food and Agriculture, FAO, Roma, https://doi.org/10.4060/ca8430en.

13.

Curran, E. (2020), “Urgent Demand for Medical Equipment is Making Air Cargo Fees “Absolutely Crazy””, Bloomberg, https://www.bloomberg.com/news/articles/2020-03-30/-absolutely-crazy-air-cargo-fees-highlight-supply-chain-squeeze (acessado em 6 de abril de 2020).

14.

COVID-19 and International Trade: Issues and Actions, https://read.oecd-ilibrary.org/view/?ref=128_128542- 3ijg8kfswh&title=COVID-19-and-international-trade-issues-and-actions.

15.

Financial Times, 18 de março de 2020, https://www.ft.com/content/1071ae50-6394-11ea-b3f3-fe4680ea68b5.

16.

OECD Scheme for the Application of International Standards for Fruit and Vegetables, Preliminary Report: Evaluation of the Impact of the Coronavirus (Covid-19) on Fruit and Vegetables Trade, 31 de março de 2020, TAD/CA/FVS/WD(2020)1.

17.

OECD (2017), Building Food Security and Managing Risk in Southeast Asia, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/9789264272392-en.

18.

http://www.fao.org/news/story/en/item/270716/icode/; FAO (2020), Anticipating the Impacts of COVID-19 in Humanitarian and Food Crisis Contexts, Roma, https://doi.org/10.4060/ca8464en.

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