Resumo

A pandemia do coronavírus (COVID-19) destaca a necessidade por uma abordagem mais compreensiva e integrada para a saúde humana. Fortalecer a saúde ambiental por meio de melhor qualidade do ar, disponibilidade de água, saneamento e gestão de resíduos, unido a esforços de resguardar a biodiversidade, irá reduzir a vulnerabilidade das comunidades a pandemias e, portanto, melhorar o bem estar geral e a resiliência das sociedades. A exposição a poluição aumenta o risco de doenças cardiovasculares, respiratórias e relacionadas ao desenvolvimento, assim como o risco de morte prematura, tornando os indivíduos mais vulneráveis à COVID-19. Acesso à água de qualidade e a proteção da biodiversidade são chaves para combater a propagação de pandemias, enquanto uma gestão de resíduos eficaz é essencial para minimizar os impactos secundários na saúde e no meio ambiente.

1. A crise da COVID-19 demonstrou claramente que sociedades precisam fortalecer sua resiliência a pandemias e outras emergências. Os países estão se concentrando, no curto prazo, em apoiar os sistemas de saúde e endereçar os imediatos impactos econômicos da crise. Entretanto, no médio a longo prazo, aumentar a saúde ambiental das sociedades – i.e. aspectos da saúde e bem-estar humano que são determinados por fatores ambientais – é uma componente chave da recuperação econômica e das medidas de estímulo que os governos estão discutindo hoje. Limitar a exposição de pessoas a agentes físicos, químicos e biológicos perigosos presentes no ar, água, solo, alimentos e outros canais ambientais irá reduzir a vulnerabilidade à futuras pandemias, aumentar saúde e bem-estar e fornecer um importante complemento aos sistemas de saúde pública.

Limitar a exposição de pessoas à poluição do ar e da água irá reduzir a vulnerabilidade à futuras pandemias e contribuir para a melhora da saúde e bem-estar

2. Muito dos atuais desafios ambientais são responsáveis por afetar negativamente a saúde e subsistência de indivíduos e comunidades em todos os países, da OCDE ou não, com grupos vulneráveis como os idosos e os segmentos mais pobres da sociedade sendo mais impactados. Aumentar a qualidade do ar reduz a incidência de doenças cardiovasculares e respiratórias que aumentam a vulnerabilidade de indivíduos e comunidades à pandemias como a da COVID-19, além de gerar benefícios mais amplos para a saúde pública, bem estar e resiliência. Melhor acesso à água limpa e saneamento podem reduzir a transmissão de doenças infecciosas. Endereçar de forma efetiva a geração, gestão e reciclagem de lixo minimiza os riscos ambientais e de saúde decorrentes do manuseio inadequado de resíduos contaminados. Impedir e reverter perdas de biodiversidade protege as pessoas da transmissão de patógenos.

3. Enquanto a crise ainda está se desenrolando ao redor do mundo, e continuará a evoluir por um tempo, evidências empíricas sobre a conexão entre desafios ambientais e a COVID-19 ainda estão surgindo. Entretanto, uma melhor compreensão do papel da saúde ambiental como um componente crucial das prioridades gerais da saúde irá ajudar a fornecer informações para a construção de políticas de resposta na recuperação da pandemia atual e preparação para futuros choques similares. Essa compreensão também irá gerar benefícios significativos em termos de melhorias gerais na saúde de comunidades e o aumento da resiliência de sociedades.

 Aumentando a qualidade do ar pelo bem-estar e resiliência

4. A poluição do ar é o maior risco ambiental do mundo, representado por uma estimativa de 4.2 milhões de mortes prematuras por ano decorrentes de poluição externa do ar e 3.8 milhões de mortes prematuras por ano decorrentes de “poluição interna do ar”. É estimado que 9 a cada 10 pessoas respiram ar contaminado por altos níveis de poluentes (OMS, 2020[1]). A exposição à poluição do ar está associada a uma série de resultados adversos de saúde no curto e longo prazo, como o maior risco de doenças cardiovasculares, respiratórias e de desenvolvimento, assim como o um maior risco geral de mortalidade (OMS, 218[2]). Aumentar a qualidade do ar pode ajudar a aumentar a resiliência contra doenças respiratórias agudas, assim como gerar benefícios sociais mais amplos.

Aumentar a qualidade do ar pode ajudar a aumentar a resiliência contra doenças respiratórias agudas, assim como gerar benefícios sociais mais amplos.

 A poluição do ar pode aumentar a susceptibilidade a doenças respiratórias agudas

5. Pessoas sofrendo de condições prévias ligadas a poluição do ar são mais vulneráveis aos efeitos do SARS-CoV-21. Danos a saúde resultantes de exposição de longo prazo a poluição do ar podem diminuir a capacidade do corpo de combater infecções respiratórias. Embora a compreensão de epidemiologia da COVID-19 ainda esteja se desenvolvendo, um estudo de Harvard2 conduzido nos Estados Unidos identificou uma grande sobreposição entre as causas de morte de pacientes com COVID-19 e doenças ligadas a exposição de longo prazo a uma matéria particulada fina (PM2.5)3. A pesquisa encontrou que uma pessoa vivendo por décadas em estados dos EUA com altos níveis de matéria particulada fina tem 15% a mais de chance de morrer por COVID-19 que alguém numa região com uma unidade a menos de poluição com matéria particulada fina (Wu et al., 2020[3]). Esses resultados são consistentes com descobertas de que a exposição à poluição do ar aumentava dramaticamente o risco de morte durante o surto da Síndrome respiratória aguda grave (SARS) em 2003, que foi causada por outro tipo de coronavírus (Cui, 2003[4]). Entretanto, evidências empíricas sobre a conexão entre concentrações de poluição no ar e impactos da COVID-19 ainda são escassas na maioria dos países, devido à natureza emergente da crise e a ausência de dados granulares suficientes sobre casos e taxas de mortalidade da COVID-19.

6. A exposição à uma grande forma de poluição do ar, a matéria particulada fina (PM2.5), é particularmente prejudicial, porque ela penetra profundamente nos pulmões e correntes sanguíneas, causando doenças cardíacas e respiratórias, além de mortes prematuras. Apesar de algum progresso nos países da OCDE desde 2011, a exposição à PM2.5 continua alta. A exposição média da população à PM2.5 em 2 de cada 3 países da OCDE excede a diretriz da OMS de 10 μg/m3, um valor que ainda está associado a níveis altos de risco (Figura 1). A porcentagem da população que excede as diretrizes da OMS é significativa em muitos países da OCDE (Figura 2).

 
Figura 1. Exposição da população à poluição do ar excede à diretriz da OMS em muitos países
Média da população exposta a matéria particulada fina (PM2.5) micrograma por metro cúbico, 2017 | Guia da OMS sobre qualidade do ar

Nota: O gráfico mostra PM2.5 no ambiente (externo). Em alguns países, a poluição residencial (interna) é um fator importante (e.g. pela queima de biomassa para aquecimento ou para cozinhar). Dados sobre outros países do mundo e sobre a exposição de PM2.5 residencial estão disponíveis no OECD.Stat. Fonte: OECD (2020) Environment at a Glance: Air quality, using estimates from Global Burden of Disease.

 
Figure 2. Uma porcentagem significativa da população está exposta à poluição do ar

Nota: O gráfico mostra PM2.5 ambiente (externa). Em alguns países, a poluição residencial (interna) é um fator importante (e.g. pela queima de biomassa para aquecimento ou para cozinhar). Dados sobre outros países do mundo e sobre a exposição de PM2.5 residencial estão disponíveis no OECD.Stat.

Fonte: OECD (2020) Environment at a Glance: Air quality, using estimates from Global Burden of Disease.

7. Globalmente, na ausência de melhores políticas, projeta-se que a exposição à PM2.5 ambiente levará a um número estimado de 6 a 9 milhões de mortes prematuras por ano em 2060. Nos países da OCDE, os custos de bem estar relacionados a morte prematura decorrente da poluição por PM2.5 equivalem à uma média de 3% do PIB. Na ausência de uma ação política forte, projeta-se que os custos anuais de bem estar relacionados a mortes prematuras mais que dobrem nos países da OCDE e aumentem em dez vezes nas economias não pertencentes a OCDE até 2060 (OECD, 2016[5]).

8. Embora as medidas adotadas em resposta a pandemia da COVID-19 tenham causado uma melhora substancial na qualidade do ar externo em muitas partes do mundo, salvando vidas como resultado, esses efeitos positivos provavelmente serão apenas temporários. A medida que as economias comecem a se recuperar da pandemia, a retomada de viagens aéreas, movimentação de pessoas dentro e entre cidades e dos níveis de produção nas fábricas irá trazer um aumento na poluição do ar externo (ainda que permaneça incerto se algumas das mudanças comportamentais relacionadas a viagens que foram induzidas pela pandemia irão persistir). Ao mesmo tempo, medidas de confinamento podem resultar no aumento da exposição a poluição interna. Isso é particularmente relevante em países em desenvolvimento, onde muitas pessoas ainda dependem de combustíveis poluentes para fogões e aquecimento (Bannerji, 2020[6]). Além disso, a poluição interna do ar é um problema em edifícios e pequenas lojas sem sistemas de ventilação (ou com sistemas ruins). A circulação de pessoas em prédios com ventilação ruim, incluindo hospitais, também pode facilitar a propagação da COVID-19 e outros vírus (Xu, 2020[7]).

 Uma boa qualidade do ar gera amplos benefícios a sociedade

9. Evidências disponíveis indicam que os esforços para melhorar a qualidade do ar levam a rápidas melhorias na saúde, as quais foram rapidamente notadas apenas uma semana após redução à exposição (Schraufnagel et al., 2019[8]). Por exemplo, reduções na poluição do ar antecedentes aos Jogos Olímpicos de Beijing resultaram em residentes com biomarcadores mais baixos de inflamação e recém nascidos com peso maior. Quando os níveis de poluição recuperaram as taxas anteriores, esses indicadores deterioram (Mu, 2019[9]). Essa experiência destaca a importância da existência de regulamentações da qualidade do ar durante choques como o da COVID-10, apesar de pressões que possam emergir para relaxar tais regulamentações à luz das melhoras temporárias na qualidade do ar ou pressões para reduzir os custos associados de conformidade com essas regulamentações.

10. Uma boa qualidade do ar não apenas tem o mérito de potencialmente reduzir a vulnerabilidade de indivíduos e comunidades a pandemias similares a da COVID-19, mas também de gerar benefícios mais amplos a saúde pública, bem estar e resiliência. A redução da poluição do ar diminui os danos a plantações, florestas, ecologia e edifícios. Também existe um potencial de fortalecer os esforços de combate à mudança climática, considerando que a poluição do ar e as mudanças climáticas estão intimamente relacionadas. As principais causas de emissão de gás estufa (combustão de gases para uso na eletricidade, indústria e transporte) também são grandes fontes de poluição do ar. Por sua vez, poluentes do ar contribuem para o aquecimento da atmosfera4. Além disso, existem benefícios econômicos significativos da melhoria na qualidade do ar como resultado de menos doenças relacionadas à poluição do ar. Isso significa menos dinheiro gasto em tratamentos médicos e um impacto reduzido na produtividade, já que há menos absenteísmo causado por doenças. Demonstrou-se que os benefícios econômicos de um ar mais limpo superam os custos em pelo menos 30 para 1 no caso dos EUA, podendo alcançar até 14 para 1 no caso da Europa sob uma regulamentação mais rígida (Amann, 2017[10]) (Sullivan, 2018[11]).

11. À medida que as atividades econômicas forem se recuperando, os setores de transporte e indústria irão continuar a ter um papel crucial nos esforços para melhorar a qualidade do ar e aumentar a saúde ambiental e a resiliência. No setor do transporte, a pandemia pode desencadear uma série de efeitos, incluindo mudanças comportamentais – por exemplo mais trabalho remoto e videoconferências e mudanças em modelos de negócios – que podem, por sua vez, se traduzir em redução de emissões provenientes do transporte. Por outro lado, pode haver uma redução no uso de transporte público motivada por medo de contágio, aumentando a dependência de carros usados por apenas uma pessoa, o que pode elevar drasticamente as emissões. Pacotes de estímulo devem encorajar o uso de uma frota de veículos menos poluentes e evitar a continuidade do atual padrão de uso de carros privados com baixa ocupação. No caso do setor industrial, as prioridades imediatas com certeza serão recomeçar e revitalizar a produção e os empregos em face do grande choque de demanda que foi experienciado em todo o mundo. Ao mesmo tempo, existe um reconhecimento de que uma produção mais limpa fornece benefícios econômicos tanto para empresas como para a comunidade e que considerações mais amplas de sustentabilidade são essenciais para a saúde futura da indústria. Pacotes de estímulo e de recuperação fornecem uma oportunidade para reforçar a necessidade de uma produção mais limpa e continuadas reduções nas emissões de poluentes do ar.

 
O que as políticas podem fazer
  • Continuar a aplicação de regulamentações existentes sobre poluição do ar durante e depois da crise da COVID-19.

  • Desenvolver estratégias abrangentes para alcançar objetivos de qualidade do ar, por meio de uma melhor integração do planejamento de uso do território, de políticas ambientais e de transporte, da implementação de instrumentos econômicos para endereçar a poluição por fontes estacionárias e móveis e da melhora na coleta e qualidade de dados nas redes de monitoramento.

  • Canalizar medidas de apoio financeiro para os fornecedores de transporte público, para que possam aumentar a capacidade e qualidade (com foco na redução de aglomerações e promoção de instalações mais limpas).

  • Encorajar empresas a continuar o desenvolvimento de métodos de produção mais limpos, particularmente em respeito a emissões de poluentes do ar, além de reforçar o uso de instrumentos econômicos e regulatórios para apoiar tais desenvolvimentos.

  • Comunicar com clareza a necessidade de garantir uma ventilação adequada e uma boa qualidade do ar durante o confinamento, especialmente em áreas caminhando para o inverno e naquelas dependentes de queima de madeira. Após a crise da COVID-19, apoiar a difusão de sistemas de aquecimento e de cozimento mais sustentáveis para melhorar a resiliência na possibilidade de futuras epidemias.

 Melhorar o acesso a água limpa e saneamento e garantindo sustentabilidade financeira das concessionárias

12. A propagação do SARS-CoV-2 está intimamente relacionada a água e saneamento. Uma das recomendações chave para prevenção da transmissão do vírus e ajudar as pessoas a se manterem saudáveis é lavar as mãos regularmente, o que pode ser particularmente desafiador em muitos países em desenvolvimento5. Uma parcela significativa da população global atualmente não tem acesso à água e serviços de saneamento que apoiem a saúde e higiene. Mais, a crise de saúde e crise econômica consequente podem reduzir a habilidade de muitas concessionárias de água fornecerem serviços essenciais por conta de pressões orçamentárias. Os resíduos de água também podem fornecer informações úteis sobre a incidência do vírus dentro de comunidades. Pesquisas sugerem que a busca pelo SARS-CoV-2 em estações de tratamento de água pode ter uma papel importante no acompanhamento da evolução da pandemia e até na detecção antecipada de surtos (KWR, 2020[12]).

Lavar as mãos é uma ação chave para prevenir a transmissão do vírus. No entanto, muitas pessoas em países em desenvolvimento não têm acesso a serviços de água e saneamento.

 O acesso à água limpa e serviços de saneamento são chaves para a saúde pública e para a redução na transmissão de doenças infecciosas

13. Globalmente, um número estimado de 2.2 bilhões de pessoas não tem acesso a serviços seguros de água potável e 4.2 bilhões não tem serviços seguros de saneamento disponíveis (OMS e UNICEF, 2009[13]). Para países em desenvolvimento, melhorar o acesso a esses serviços deve ser a principal prioridade, com um olhar particular para as mulheres, que são frequentemente responsáveis pela coleta de água e sofrem mais com o acesso inadequado a saneamento6. Enquanto uma vasta maioria dos lares em países desenvolvidos têm acesso a serviços de água seguros, este não é o caso para grupos vulneráveis, incluindo pessoas em situação de rua, pessoas morando em assentamentos informais e famílias pobres.

14. Ademais, a OMS e a UNICEF estimam que, no mundo todo, 3 bilhões de pessoas carecem de instalações para higiene das mãos, incluindo produtos a base de álcool e água e sabão. Dois de cada cinco estabelecimentos de saúde carecem de instalações para higiene das mãos no ponto de atendimento (OMS e UNICEF, 2019[14]). Além disso, a escassez de suprimentos decorrentes da atual emergência de saúde tornaram o acesso a produtos de higiene das mãos mais desafiador.

15. Embora o fornecimento de acesso universal à água potável segura e serviços de saneamento exigem recursos significativos e mais tempo, opções de curto prazo também podem se implementadas, como por exemplo o fornecimento de produtos de higiene das mãos na forma de álcool gel. Aonde a lavagem das mãos com água e sabão não é possível, uma solução de sabão líquido, misturando detergente com um pouco de água, pode ser usada. Além disso, água segura e produtos de higiene para as mãos devem ser rapidamente disponibilizados nos centros de saúde, escolas, pontos de transporte e outros prédios comunitários

 É esperado que problemas de acessibilidade financeira se intensifiquem

16. O impacto econômico da crise de saúde muito provavelmente afetará a renda média familiar, aumentando a difusão da questão de acessibilidade financeira para algumas famílias e para concessionárias de água e saneamento. A redução dos fluxos de caixa combinada a pressão nos orçamentos municipais pode resultar em pressão nas finanças das concessionárias, gerando tensões na continuidade do fornecimento de serviços essenciais. O desafio é assegurar receita para as concessionárias e manter investimentos e gastos com manutenção ao mesmo tempo que é garantido o acesso ao serviço para famílias que não podem pagar.

17. O apoio direto as famílias, que em alguns países foi incluído nos pacotes de auxílio emergencial adotados como resposta a pandemia da COVID-19, deve levar em conta questões de acessibilidade financeira relacionadas a contas de água sempre que isso for um problema no contexto geral dos custos familiares. Mais amplamente, a melhor opção é aplicar tarifas que reflitam o custo real do fornecimento de água e de serviços de saneamento. Após isso, endereçar problemas de acessibilidade financeira por meio de medidas sociais direcionadas, evitando o comprometimento da viabilidade financeira das concessionárias de prestarem os serviços. Em países que não tenham a capacidade administrativa de identificar lares que necessitam de apoio financeiro, tarifas sociais e estruturas adaptadas de impostos podem ser consideradas. No contexto da crise atual, o corte de fornecimento (ou redução dele) por falta de pagamento é particularmente prejudicial, potencialmente ampliando os riscos de saúde e o sofrimento de famílias pobres. Quando medidas sociais reduzirem a receita de concessionárias, o apoio governamental é necessário para garantir que as empresas tenham recursos financeiros para operar e continuar a entregar água e saneamento de forma segura aos seus clientes, agora e no futuro, em ambientes urbanos e rurais.

18. No longo prazo, pacotes de estímulo devem considerer apoio governamental para investimento em desenvolvimento e modernização de infraestrutura de fornecimento de água. O suprimento de água e saneamento e a mitigação dos riscos de água (risco de escassez, excesso de água ou água poluída) devem estar configurados como prioridades nas agendas globais, nacionais e locais, considerando que a segurança da água contribui para o crescimento sustentável e para a mitigação do risco de futuras pandemias, algumas das quais provavelmente serão transmissíveis pela água (incluindo a cólera, Ebola e toda as doenças transmitidas por mosquitos que se proliferam em água parada).

 
O que as políticas podem fazer
  • Assegurar a disponibilização segura e confiável de água e serviços de saneamento para comunidades, prestando uma atenção especial aos grupos vulneráveis, criando fontes e torneiras públicas. Comunicar claramente sobre as medidas tomadas para aumentar a segurança da água.

  • Fornecer acesso a estações de higiene das mãos (seja para lavagem com sabão ou com álcool) em todos os edifícios públicos e pontos de transporte..

  • Esforços de resposta e recuperação devem endereçar questões de acessibilidade financeira das famílias à água por meio de medidas sociais direcionadas (e.g. no contexto de apoio direto a famílias) e proteger a viabilidade financeira das concessionárias de continuar a entregar os serviços essenciais conforme necessário.

  • No longo prazo, pacotes de estímulo devem considerar apoio governamental para investimento em desenvolvimento e modernização de infraestrutura de fornecimento de água, aproveitando investimentos do setor privado quando possível.

  • Rastrear e compartilhar de forma sistemática informações sobre o SARS-CoV-2 encontrado nos resíduos de água antes do tratamento, podendo ser usado como um sistema de alerta antecipado para a saúde das populações conectadas. Uso dessas informações para tomar decisões sobre medidas como a quarentena de comunidades ou o aumento do monitoramento direcionado.

 Endereçando a geração, gestão e reciclagem de resíduos

19. A atual pandemia também traz desafios relacionados a geração, gestão e práticas de reciclagem do lixo. Os governos precisam tratar a administração de resíduos, incluindo lixo hospitalar, familiar e outros resíduos perigosos como um serviço público essencial e urgente a fim de garantir uma minimização de possíveis impactos secundários na saúde e no meio ambiente.

Uma gestão de resíduos efetiva é essencial para minimizar possíveis impactos secundários na saúde e no meio ambiente em decorrência da COVID-19.

 Grandes quantidades de lixo hospitalar e outros resíduos perigosos podem prejudicar o tratamento seguro e ambientalmente correto desses resíduos

20. A geração de lixo hospitalar aumenta exponencialmente num surto epidêmico e pode, se coletado ou tratado de maneira impropria, acelerar a propagação da doença e representar um risco significativo aos profissionais da saúde, pacientes e equipes de coleta e tratamento de lixo. Resíduos médicos incluem máscaras infectadas, luvas e outros equipamentos de proteção individuais (EPI). O manuseio, descarte e tratamento seguro e ambientalmente correto desses resíduos é, portanto, essencial para prevenir efeitos negativos na saúde humana e no meio ambiente.

21. Durante o pico do surto em Wuhan, por exemplo, a cidade estava lidando com 240 toneladas de lixo hospitalar por dia, comparado às 40 toneladas dos dias anteriores ao surto (Zuo, 2020[15]). Instalações de lixo hospitalar também foram confrontadas com um influxo de lixo de fontes incomuns, como aviões e cruzeiros em que passageiros testaram positivo e entraram em quarentena.

22. O lixo hospitalar deve ser coletado de forma segura em containers e sacolas específicas, depois descartados e/ou tratados. Trabalhadores devem receber os EPIs apropriados e ser treinados em como removê-los corretamente para impedir o contágio. Melhores práticas incluem atribuir responsabilidades em todos os níveis de governança e ter recursos humanos e materiais suficientes para descartar esses resíduos de forma segura (OMS, 2020[16]).

 A gestão do lixo doméstico é crítica para proteção das pessoas

23. O lixo doméstico também precisa ser gerido de maneira apropriada durante a emergência da COVID-19. Primeiro, a geração de lixo de materiais de limpeza e desinfetantes aumentou. Ao mesmo tempo, lixo hospitalar, incluindo medicações não utilizadas e outros itens, podem facilmente ser misturados com o lixo doméstico, ainda que devam ser tratados e descartados separadamente.

24. Pesquisas iniciais indicam que o SARS-CoV-2 pode sobreviver em materiais como papelão e plástico por várias horas e até dias. Isso quer dizer, portanto, que pode ser transmitido pelo toque em superfícies ou objetos que tenham o vírus e posteriormente tocar a própria boca nariz ou olhos (van Doremalen et al., 2020[17]). Dessa forma, pessoas que trabalham com lixo e reciclagem enfrentam o risco de exposição ao vírus. Isso fez com que alguns municípios tenham alterado suas políticas de coleta, como em alguns casos em que foi decidido pela interrupção total da coleta e separação de recicláveis do lixo doméstico. A coleta reduzida também ocorreu em alguns países em que existem sistemas de lixo retornável, como resultado dos consumidores optarem por não retornar as garrafas em decorrência do distanciamento social e do isolamento voluntário. Isto também pode levar a uma redução na disponibilidade de garrafas para reciclagem (Barrett, 2020[18]).

25. Impactos de longo prazo na saúde das pessoas podem surgir como resultado de gestão inapropriada, revertendo medidas de redução de uso de plástico e de reciclagem adotadas pelos países antes da crise. A percepção pública e atitudes governamentais sobre os “plásticos de uso único” mudou durante a crise. Consumidores estão usando mais “plásticos de uso único” que antes, por inúmeras razões. Eles são percebidos como mais seguros na redução do risco de propagação, além de às vezes serem a única opção disponível para restaurantes e outras operadoras que continuam a servir durante a crise, mas estão limitadas a delivery ou retirada no local. Seguindo essa lógica, alguns países implementaram interrupções ou adiamentos no banimento do uso de sacolas plásticas em meio a discussões de que sacolas reutilizáveis são percebidas como pouco sanitárias.

 
O que as políticas podem fazer
  • Gestão efetiva de resíduos hospitalares e biomédicos por meio de identificação, coleta, separação, armazenamento, transporte, tratamento e descarte apropriado com o objetivo de garantir uma minimização dos impactos desses resíduos potencialmente perigosos na saúde humana e no meio ambiente.

  • Fornecer orientações e treinamentos aos trabalhadores envolvidos com trabalho, formal ou informal, de coleta e gestão desses resíduos.

  • Manter medidas de redução de plásticos e de reciclagem.

  • No longo prazo, usar pacotes de estímulo para fortalecer a habilidade dos sistemas de gestão de resíduos endereçando os desafios relacionados a lixo altamente contaminado.

 Impedir e reverter perdas de biodiversidade

26. Os humanos vêm transformando a maioria dos ecossistemas do mundo, destruindo, degradando e fragmentando habitats terrestres, marinhos e outros habitats aquáticos, minando os serviços que esses ecossistemas oferecem. Essa interferência – em particular a destruição de habitats naturais e o comércio de animais silvestres – afetou a abundância e a interação entre hospedeiros e vetores de doenças infecciosas. A destruição de habitats naturais e o maior contato com a vida selvagem expõe os humanos a animais que carregam vírus por transferência zoonótica. Embora a origem do SARS-CoV-2 ainda não esteja totalmente estabelecida, está claro que a exploração de habitats naturais e o comércio de animais selvagens podem ter um papel importante na propagação de doenças.

 Ameaças a biodiversidade exacerbam o risco de futuros surtos de patógenos

27. A interferência humana na biodiversidade – como o desmatamento, a degeneração e fragmentação de habitats, a intensificação da agricultura, o comércio de animais selvagens e as mudanças climáticas – ajuda a criar as condições para que patógenos “saltem” de animais para humanos. Cientistas estimam que doenças zoonóticas – ou seja, agentes de doenças que se transferem de animais para humanos – representam três quartos de todas as doenças novas ou emergentes em seres humanos (CDC, 2017[19]). Muitos dos patógenos mortais recentes na memória humana – Ebola, HIV, dengue, SARS, MERS, Zika, Nilo Ocidental – deram esse saltos entre espécies.

28. A atual crise global da COVID-19 é um forte lembrete da complexa conexão entre a transmissão de doenças infecciosas e a biodiversidade. A perda de biodiversidade está associada a transmissão de uma série de patógenos, enquanto a conversão de terras agrícolas e o comércio de animais silvestres coloca mais pessoas em contato com potenciais doenças novas. Espécies ameaçadas que tem sua população reduzida por exploração humana (por exemplo, pela caça e comercialização de animais) ou por perda de habitat (por exemplo, alteração do ecossistema, como fragmentação de florestas desenvolvimento e a conversão em terras agrícolas) tem o dobro de doenças zoonóticas que espécies ameaçadas por outras razões (Johnson et al., 2020[20]).

29. O sistema alimentar em particular, pela sua relação próxima com animais e o meio ambiente, tem sido um grande fator potencial no surgimento de doenças (e.g. a doença de Creutzfeld-Jacob e a H5N1). Alterações no uso da terra, pela expansão e intensificação da agricultura são pressões relevantes à biodiversidade. A homogeneidade e concentração de variedade de cultivos e de animais também incentivam a propagação de agentes de doenças. O sistema alimentar deve, portanto, se adaptar a fim de limitar esse risco, mas também para garantir sua resiliência e a segurança alimentar.

30. Os benefícios que a biodiversidade e os ecossistemas nos fornecem são enormes e vão muito além da proteção de doenças, incluindo: polinização, purificação da água, proteção de enchentes, sequestro de carbono e ar mais limpo. Este último pode ser importante também na redução do risco de síndromes respiratórias agudas frequentemente presentes na COVID-19 (veja seção anterior sobre a melhoria da qualidade do ar para o bem estar e resiliência). A estimativa global mais compreensiva sugere que os ecossistemas fornecem benefícios entre 125 e 140 trilhões de dólares por ano, i.e. mais de uma vez e meia maior que o tamanho do PIB global. Os custos da inação na perda de biodiversidade são altos. Entre 1997 e 2011, o mundo perdeu um número estimado de 4 a 20 trilhões de dólares por ano decorrentes de ocupação dos solos e 6 a 11 trilhões de dólares por ano decorrentes da degradação de terras (OECD, 2019[21]).

31. A conservação eficaz e o uso sustentável da biodiversidade, incluindo endereçar o desmatamento, limitará o risco de transferências zoonóticas ao mesmo tempo que ajuda a manter os atuais ecossistemas de serviços. Um caminho para mudança de políticas que podem ajudar a mitigar futuros surtos de doenças é a implementação de um Post-2020 Global Biodiversity Framework ambicioso e eficaz sob as diretrizes da United Nations Convention on Biological Diversity. Os governos devem potencializar o conjunto de recursos políticos disponíveis para a proteção de biodiversidade e construir incentivos econômicos corretos para garantir que a biodiversidade seja mais bem refletida na tomada de decisão dos produtores e consumidores (OECD, 2019[21]). Governos devem, por exemplo, considerar o custo da transmissão de doenças de animais para humanos ao arriscar distúrbios aos habitats naturais.

32. Negócios e investidores também dependem da biodiversidade e dos ecossistemas para a produção de bens e serviços, no entanto a consciência ambiental e o comprometimento dos negócios com a biodiversidade permanecem muito limitados. As empresas têm uma responsabilidade chave de proteger a biodiversidade e os ecossistemas que eles nos oferecem. A OCDE oferece recomendações e orientações para ajudar as empresas a garantir a devida diligência com respeito ao risco ambiental de suas operações, incluindo suas cadeias de suprimento.7

 
Quais políticas públicas adotar
  • Apoiar um Quadro Global de Biodiversidade Pós-2020 ambicioso e eficaz sob as diretrizes da Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica.

  • Potencializar instrumentos que criem incentivos econômicos para a conservação e uso sustentável da biodiversidade, como a proteção de florestas e uma melhor abordagem do comércio ilegal e mal gerido de animais silvestres.

  • Integração da biodiversidade aos setores econômicos e reformar subsídios prejudiciais à biodiversidade, incluído no setor da agricultura.

  • Integrar fatores de biodiversidade a decisões de negócio e investimento, incluindo uma gestão responsável da cadeia de suprimentos.

Referências

Amann, M. (2017), Costs, benefits and economic impacts of the EU Clean Air Strategy and their implications on innovation and competitiveness, IIASA, https://ec.europa.eu/environment/air/pdf/clean_air_outlook_economic_impact_report.pdf. [10]

Bannerji, A. (2020), Has India’s ’airpocalypse’ put the poor more at risk from coronavirus?, https://news.trust.org/item/20200414122042-jc9jj/. [6]

Barrett, A. (2020), “Impact of Corona on European Recycling Industry”, Bioplastics News, https://bioplasticsnews.com/2020/03/24/impact-corona-european-recycling-industry (accessed on 16 April 2020). [18]

CDC (2017), Zoonotic Diseases, https://www.cdc.gov/onehealth/basics/zoonotic- diseases.html (accessed on 16 April 2020). [19]

Cui, Y. (2003), Air pollution and case fatality of SARS in the People’s Republic of China: an ecologic study, https://doi.org/10.1186/1476-069x-2-15. [4]

Johnson, C. et al. (2020), “Global shifts in mammalian population trends reveal key predictors of virus spillover risk”, Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, Vol. 287/1924, p. 20192736, http://dx.doi.org/10.1098/rspb.2019.2736. [20]

KWR (2020), What we learn about the Corona virus through waste water research, https://www.kwrwater.nl/en/actueel/what-can-we-learn-about-the-corona-virus-through- waste-water-research (accessed on 16 April 2020). [12]

Mu, L. (2019), Metabolomics Profiling before, during, and after the Beijing Olympics: A Panel Study of Within-Individual Differences during Periods of High and Low Air Pollution, http://dx.doi.org/doi: 10.1289/EHP3705. [9]

OECD (2019), Biodiversity: Finance and the Economic and Business Case for Action - report prepared for the G7 Environment Ministers’ Meeting. [21]

OECD (2016), The economic consequences of outdoor air pollution: Policy Highlights, OECD Publishing, https://www.oecd.org/environment/indicators-modelling-outlooks/Policy-Highlights-Economic-consequences-of-outdoor-air-pollution-web.pdf. [5]

Schraufnagel, D. et al. (2019), “Health Benefits of Air Pollution Reduction”, Annals of the American Thoracic Society, Vol. 16/12, pp. 1478-1487, http://dx.doi.org/10.1513/annalsats.201907-538cme. [8]

Sullivan, T. (2018), Air pollution success stories in the United States: The value of long-term observations, Environmental Science & Policy, https://doi.org/10.1016/j.envsci.2018.02.016. [11]

van Doremalen, N. et al. (2020), “Aerosol and Surface Stability of SARS-CoV-2 as Compared with SARS-CoV-1”, New England Journal of Medicine, Vol. 382/16, pp. 1564-1567, http://dx.doi.org/10.1056/nejmc2004973. [17]

WHO (2020), Water, sanitation, hygiene, and waste management for the COVID-19 virus - Interim guidance, https://www.who.int/publications-detail/water-sanitation-hygiene-and- waste-management-for-covid-19 (accessed on 16 April 2020). [16]

WHO (2020), “WHO website”, https://www.who.int/. [1]

WHO (2018), Ambient (outdoor) air pollution, https://www.who.int/en/news-room/fact- sheets/detail/ambient-(outdoor)-air-quality-and-health. [2]

WHO and UNICEF (2019), Progress on household drinking water, sanitation and hygiene 2000-2017, https://www.who.int/water_sanitation_health/publications/jmp-report-2019/en/. [13]

WHO and UNICEF (2019), WASH in health care facilities - Global baseline report 2019, https://www.who.int/water_sanitation_health/publications/wash-in-health-care-facilities- global-report/en (accessed on 16 April 2020). [14]

Wu, X. et al. (2020), Exposure to air pollution and COVID-19 mortality in the United States, Cold Spring Harbor Laboratory, http://dx.doi.org/10.1101/2020.04.05.20054502. [3]

Xu, C. (2020), The 2019-nCoV epidemic control strategies and future challenges of building healthy smart cities, https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1420326X20910408. [7]

Zuo, M. (2020), “Coronavirus leaves China with mountains of medical waste”, South China Morning Post, https://www.scmp.com/news/china/society/article/3074722/coronavirus- leaves-china-mountains-medical-waste (accessed on 16 April 2020). [15]

Contato

Anthony Cox (✉ anthony.cox@oecd.org)

Alexa Piccolo (✉ alexa.piccolo@oecd.org)

Observações

1.

SARS-CoV-2 se refere ao vírus, enquanto COVID-19 indica a doença.

2.

No momento da redação deste artigo, o estudo é um trabalho em elaboração que ainda não foi submetido a peer review.

3.

O material particulado é composto de pequenas partículas de produtos químicos (como dióxido de enxofre e óxido de nitrogênio), solo, fumaça, poeira ou alérgenos. O PM2.5 se refere a partículas finas inaláveis com diâmetros geralmente de 2.5 micrometros ou menores.

4.

Um novo resumo de políticas da OCDE sobre mudanças climáticas e COVID-19 será lançado em breve.

TwitterFacebookLinkedInEmail