Resumo

Esse resumo de políticas discute o papel da testagem para COVID-19 como parte de qualquer plano para a suspensão do confinamento e para preparar para uma possível nova onda de infecções virais. Se todas as medidas de confinamento forem suspensas antes de uma vacina ou tratamentos efetivos serem desenvolvidos e sem outras ações para eliminar novas infecções, é esperado que a taxa de infecção retorne rapidamente. Crucialmente, contenções rápidas de infecções requerem testar mais pessoas para identificar quem está infectada, monitorando-as para garantir que elas não espalhem mais a doença. Além disso, rastrear com quem elas estiveram em contato. Esse documento discute como estratégias de testagem podem ser usadas para alcançar três principais objetivos 1) Impedir o ressurgimento de surtos locais;2) Identificar pessoas que desenvolveram alguma forma de imunidade e podem retornar ao trabalho com segurança; e

3) Ganhar inteligência na evolução de pandemias, incluindo quando o limite da “imunidade de rebanho” for atingido. Esse documento discute quais testes podem ser usados para cada objetivo, assim como problemas para a implementação prática de estratégias de testagem, incluindo as oportunidades e riscos do uso de ferramentas digitais nesse contexto.

Nota de Isenção de Responsabilidade: As opiniões expressas e os argumentos aqui utilizados não refletem necessariamente as opiniões oficiais dos países membros da OCDE, dos Estados membros da OIT ou dos parceiros do Global Deal.

 
Mensagens principais
  • Uma mensagem chave por trás de qualquer estratégia de redução das medidas de confinamento e reabertura de atividades econômicas é como evitar uma nova propagação do vírus da SARS-CoV-2, o que necessitaria novas quarentenas. Uma vez que o número de pessoas infectadas tenha sido suficientemente reduzido, a contenção rápida de novas ondas de infecções virais será fundamental. Estratégias de testagem são centrais para alcançar isso.

  • Existem dois tipos de teste. Primeiro, os testes de diagnóstico molecular (RT-PCR) ajudam a identificar aqueles indivíduos que estão infectados no momento do teste. Uma estratégia efetiva que teste, acompanhe as pessoas infectadas e rastreie seus contatos (TTT), ajuda a reduzir a propagação do vírus e assim leva sua taxa de reprodução abaixo de um.

  • Dadas as características do coronavírus – incluindo o alto número de casos assintomáticos e a alta taxa de reprodução – para ser efetiva em controlar a propagação do vírus, a estratégia TTT deve ser usada amplamente, exigindo o rastreamento de uma grande proporção de casos (entre 70 e 90%) para prevenir um novo surto do vírus. Isso exigiria um aumento expressivo na capacidade de testagem; implementação de medidas rigorosas para prevenir que pessoas que possam estar infectadas não quebrem a quarentena; além de identificar maneiras de rastrear os contatos, o que pode pressionar as crescentes preocupações com o direito à privacidade, a não ser que novas abordagens de rastreamento digital, atualmente ainda em desenvolvimento, sejam implementadas.

  • Restrições significativas de capacidade logística – variando desde a disponibilidade de pessoal treinado para coletar amostrar precisas até o tempo necessário para análise laboratorial e a disponibilidade de reagentes – vem impedindo uma testagem mais generalizada em muitos países. Desenvolvimentos recentes de testes diagnósticos de RT-PCR mais rápidos, que podem ser implementados no próprio ponto de atendimento, devem ajudar a expandir a capacidade de uma TTT efetiva nos países. Rastreamento digital de contato pode ajudar a melhorar a velocidade e efetividade de estratégias TTT, como visto em alguns países.

  • Um segundo tipo de teste – o chamado teste de sorologia – detecta pessoas que tiveram uma infecção anterior e, portanto, desenvolveram anticorpos. Esses testes podem ser usados para duas finalidades, um para permitir que pessoas que adquiriram imunidade retornem ao trabalho com segurança e, também, para fornecer inteligência de dados sobre a evolução da pandemia na população. Kits de teste rápido de sorologia precisam ser desenvolvidos e suas performances clínicas precisam ser provadas antes de qualquer implementação em larga escala ser possível.

  • Apesar do fato de um número relativamente baixo de pessoas ter sido infectado até agora e nós ainda estarmos distantes da “imunidade de rebanho”, a implementação bem-sucedida de estratégias de testagem de sorologia em larga escala pode ajudar a reduzir a propagação do vírus e complementar a estratégia TTT. Isto também exigirá grandes esforços, incluindo:

    1) Verificar as performances clínicas dos testes, principalmente os testes rápidos de sorologia;

    2) Preparar acordos de aquisição e logística para expandir a produção e implementação de testes, além de treinar e providenciar recursos humanos, principalmente para o diagnóstico dos testes RT-PCR; e

    3) Providenciar salvaguardas adequadas para proteger os direitos civis e a privacidade das populações no uso de estratégias digitais de rastreamento.

 1. O papel da testagem enquanto se espera por uma cura e uma vacina

Desde o fim do ano passado o mundo está sob o domínio do vírus SARS-CoV-2, que causou dezenas de milhares de mortes pela doença respiratória COVID-19. Para combater a pandemia, muitos países implementaram estratégias rigorosas de confinamento e mitigação para minimizar o risco de transmissão, diminuir a propagação do vírus e “ganhar tempo” para que os sistemas de saúde possam lidar com o alto número de pacientes e salvar o máximo de vidas possíveis (OCDE, 2020[1]).

Como parte da resposta à COVID-19, praticamente todos os países da OCDE afetados pelo vírus introduziram restrições rigorosas a vida social e econômica, incluindo distanciamento social e até confinamentos completos. A maior questão é como gerenciar essas restrições e como voltar a um novo normal convivendo com o SARS-Cov-2; uma vida social e econômica que coexista com o vírus. Para evitar novos picos no número de casos, a sobrecarga dos sistemas de saúde, taxas de infecção precisam permanecer contidas até uma vacina ou tratamento efetivo ser encontrado. Se todas as medidas de confinamento foram suspensas, no entanto, é esperado que a taxa de infecção retorne em uma questão de semanas (Ferguson et al., 2020[2]). Uma estratégia é necessária para quando e como relaxar as medidas de confinamento, além de quando e como reforçá-las. Isto é necessário para minimizar o risco de novo surtos ou, pelo menos, para ganhar o máximo de tempo possível entre picos sucessivos.

Uma vez que o número de pessoas infectadas pelo #Coronavírus tenha sido suficientemente reduzido, novas ondas de infecções virais precisarão ser suprimidas rapidamente. Estratégias de testagem são centrais para alcançar isso. #COVID19

Vários fatores precisam ser considerados para atingir esse objetivo.

Primeiro, a capacidade dos sistemas de saúde e seus recursos precisam ser aumentados para garantir uma gestão segura e efetiva de futuros casos graves da COVID-19 (OCDE,2020[3]).

Segundo, precisamos entender melhor o vírus, incluindo: o período de incubação e contágio da doença em seus diferentes estágios; a extensão da propagação assintomática; imunidade e sua duração naqueles que contraíram o vírus; e o impacto das mudanças de temperatura na propagação da doença.

Terceiro – e sobre o que esse documento versa – dados sobre a presença e propagação do SARS-CoV-2 na população precisam melhorar significativamente. Para isso, testagem ampla e rastreamento efetivo de contato, incluindo casos com poucos ou nenhum sintoma, são componentes chave da estratégia pós-quarentena. Informações melhores ajudarão a alcançar três objetivos:

  • Rastreamento de novos casos para conter o ressurgimento de surtos locais o mais cedo possível, visando evitar novos picos;

  • Identificar pessoas previamente infectadas que podem retornar ao trabalho com segurança para revitalizar a economia e reforçar a saúde da força de trabalho;

  • Ganhar inteligência na evolução de pandemias, incluindo sobre quando o limite da “imunidade de rebanho” for atingido. No caso da COVID-19, foi estimado que entre 50% e 60% da população precisa estar imune ao vírus para interromper sua propagação (OCDE, 2020[1]).

Esse documento discute progressos na testagem para a COVID-19 e como usar as informações coletadas.

 2. Tipos e objetivos dos testes para detectar a COVID-19

Testes para detectar a COVID-10 podem ser divididos em duas categoriais principais:

  • Testes de diagnóstico molecular, i.e., testes que detectam a presença do vírus; e

  • Testes sorológicos, i.e., testes que detectam a resposta imunológica ao vírus.

Dois tipos de testes são chaves para combater o #Coronavírus devidamente:

- Testagens moleculares para ajudar a identificar pessoas que estão infectadas

- Testagens sorológicas para detectar aqueles que já tiveram a infecção e desenvolveram anticorpos

 2.1. Testes diagnósticos moleculares

O RT-PCR é atualmente o único método disponível para detectar a presença do SARS-CoV-2, o agente responsável pela doença COVID-19, no organismo. Ele rastreia a presença do material genético viral numa amostra de um paciente.

Amostras são tiradas de locais prováveis de ter alta concentração do vírus, usando um swab (espécie de cotonete) para coletar de dentro do nariz ou boca, ou via uma lavagem bronco alveolar para coletar amostras mais profundas dos pulmões. O teste RT-PCR envolve sequências de ligação do material genético que apenas são encontradas no vírus e que copiam repetidamente tudo que houver entre elas. O processo é repetido várias vezes, com a duplicação da região alvo a cada ciclo. Um sinal fluorescente é emitido quando a amplificação ocorre e, na medida que o sinal atinge um limite, o resultado do teste é considerado positivo. Se nenhum material genético estiver presente, a amplificação não pode ocorrer, tendo como consequência um resultado negativo. (Hadaya, Schumm and Livingston, 2020[4]).

Essa técnica é geralmente bem sensível (i.e. capaz, de identificar casos verdadeiramente positivos) e específica (i.e. capaz de evitar resultados de falso negativo). Se um RT-PCR der positivo, o resultado está muito provavelmente correto (a única possibilidade de falso positivo seria se uma amostra não positiva fosse contaminada por material viral durante o processo de testagem). Falsos negativos também são possíveis com o RT-PCR, mas mais frequentemente são o resultado de coleta errada da amostra do swab (espécie de cotonete) não inseridos suficientemente na nasofaringe do paciente, por exemplo) (Patel et al., 2020[5]).

As principais dificuldades relacionadas ao RT-PCR são de logística. O procedimento exige trabalho intensivo e é relativamente longo (o procedimento em si leva algumas horas, mas toda a logística de amostragem, transporte e comunicação dos resultados aumenta significativamente o tempo levado para obter o resultado de um único paciente; isso pode levar até dois dias em algumas circunstâncias). Um problema particular é que a coleta de espécime depende de muito material (swabs, reagentes) que estão em falta por conta do aumento global de demanda (veja a tabela 1). Vários tipos de reagentes podem ser usados para um RT-PCR detectar a presença do agente viral. Diferentes empresas produzem esses reagentes e frequentemente tem como alvo diferentes sequências do material genético. Ainda assim, independentemente do reagente usado, o princípio do RT-PCR permanece o mesmo, assim como as dificuldades associadas a ele.

Algumas empresas desenvolveram técnicas do RT-PCR que são mais rápidas que o procedimento padrão e podem ser usados no ponto de atendimento, como no hospital, ao invés de serem enviadas a um laboratório. (veja o Box 1).

Outras maneiras de detectar material viral estão atualmente sendo desenvolvidas. Por exemplo, a detecção direta do antígeno viral é uma técnica que tem o objetivo de detectar proteínas do vírus, os chamados antígenos. Isso requer a identificação e produção, em laboratórios, de anticorpos específicos para os antígenos do vírus e sua subsequente inclusão nos kits de testagem. Uma vez devidamente desenvolvidos, esses testes poderiam ser feitos usando swabs (tipo de cotonete) similares aqueles usados hoje na coleta de amostras do RT-PCR. Os anticorpos no kit de testagem unem os antígenos do vírus a amostra. Esses testes seriam rápidos (às vezes menos de 15 minutos) e poderiam ser usados no ponto de atendimento (sem necessidade de um laboratório). Entretanto, a complexidade de identificar e produzir os anticorpos necessários para o kit significa que o tempo de desenvolvimento desses testes é longo e pouquíssimos deles foram realmente desenvolvidos. Além disso, ainda é preciso avaliar suas performances (em 8 de abril de 2020, cinco testes virais de antígeno receberam uma certificação CE IVD1). Assim como o RT-PCR, a detecção direta de antígenos virais também poderia ser usada para detectar a presença do vírus nos pacientes, mas não daria nenhuma informação sobre se tiveram a doença e se recuperaram.

 

Box 1. Alguns testes mais rápidos de RT-PCR poderiam ajudar a expandir a capacidade de testagem nos países

Testes rápidos de RT-PCR podem ser feitos no ponto de atendimento (emergência, leito do paciente) em menos de 30 minutos, sem a necessidade de um laboratório.

Empresas que desenvolvem esses testes otimizam a técnica tradicional do RT-PCR para acelerar a ampliação do material genético. A desvantagem é que os testes precisam ser executados em seus próprios instrumentos, então estão apenas disponíveis em locais que investiram nesses materiais (comparada ao RT-PCR padrão que pode ser feito em qualquer máquina de PCR). O exemplo mais comum da utilização desses dispositivos é o teste rápido de gripe.

Entretanto, ganhos em velocidade são associados a perda de precisão. Alguns estudos (Chartrand et al., 2012[6]; Chu et al., 2012[7]) relatam que os testes rápidos de gripe têm baixa sensibilidade, o que significa que eles erram em um número substancial de pacientes positivos. A performance desses testes com a COVID-19 ainda não foi estabelecida, mas um alto nível de falsos negativos seria uma situação problemática caso essa técnica começasse a ser usada mais amplamente na estratégia de testagem dos países.

Várias empresas rodam esses tipos de testes. Em 8 de abril de 2020, a FDA (United States Food and Drug Administration emitiu uma Autorização Emergencial de Uso (EUA) para dois testes rápidos de RT-PCR, o primeiro é chamado de Xpert Xpress SARS-CoV-2 da Cepheid e o segundo é chamado de ID Now COVID-19 da Abbott.

Fonte: https://time.com/5812664/5-minute-coronavirus-test/; https://a16z.com/2020/04/02/coronavirus-tests/.

 2.2. Testes sorológicos

Uma vez que o paciente tenha se recuperado, o vírus é eliminado do corpo do paciente e os testes moleculares não podem mais detectar se a pessoa esteve infectada anteriormente. Isso significa que testar paciente para uma infecção prévia é buscar pela presença de uma resposta imunológica ao vírus. Sabendo tanto quem teve a doença quanto qual proporção da população tem imunidade são potenciais peças chave de informação para gerenciar a propagação da doença sem confinamentos amplos.

O desenvolvimento de uma resposta a infecção na forma de anticorpos pode levar algum tempo e também ser dependente do hospedeiro (i.e. variar de acordo com as características gerais da pessoa testada, como a situação de saúde e a exposição prévia a agentes patógenos similares). No caso da SARS-CoV-2, estudos iniciais sugerem que a maioria dos pacientes seroconvertidos (i.e., começam a produzir anticorpos) de 7 a 11 dias após a exposição ao vírus, apesar de alguns poderem desenvolver antes (Wölfel et al., 2020[8]). Isso significa que, diferente dos testes moleculares, testes sorológicos não são apropriados para identificar quem deve ficar em isolamento para evitar a propagação da doença.

A testagem imunológica pode ser feita por duas diferentes técnicas: ELISA (baseado numa reação enzimática imunoensaioquimioluminiscente) e pela técnica de imunocromatografia (também conhecidas como testes de fluxo lateral, como aqueles usados em testes de gravidez) (veja Tabela 1). Ambas as técnicas exigem amostras de sangue e tem o objetivo de detectar anticorpos (IgG e IgM) produzidos pelos sistemas imunológicos dos pacientes como resposta a infecção por SARS-CoV-2. Os tipos de teste em desenvolvimento correspondem principalmente a técnica de imunocromatografia e são frequentemente referidos como “testes rápidos”. Hoje, esses “testes rápidos” são reservados para uso profissional, mas é possível que em algum momento eles possam ser vendidos ao público em geral para uso pessoal.

É importante ter em mente que esses testes ainda não foram totalmente desenvolvidos para SARS-CoV-2 e sua real performance clínica ainda é desconhecida. Um teste negativo, portanto, não elimina a possibilidade de um indivíduo ter sido infectado, e vice versa. A interpretação desses testes requer uma quantidade significativa de análises adicionais antes deles poderem ser considerados prontos para utilização em larga escala. Apesar disso, algumas autoridades regulatórias recentemente mudaram suas regras para permitir o lançamento de testes sem aprovação, desde que não utilizados como a única ferramenta de diagnóstico.

Até 8 de abril de 2020, apenas um teste sorológico rápido recebeu Autorização Emergencial de Uso pela FDA (United States Food and Drug Administration2). Outros 64 fabricantes notificaram a agência de que eles validaram testes similares e devem comercializá-los num futuro próximo. A FDA não se oporá a entrada desses testes no mercado3, mas apenas avaliará os testes ofertados caso eles requeiram uma Autorização Emergencial de Uso. Na Europa, 86 testes sorológicos rápidos receberam uma certificação CE IVD e, em teoria, podem ser vendidos para uso. Entretanto, a certificação CE IVD não necessariamente significa que esses produtos serão imediatamente disponibilizados no mercado da UE, já que os fabricantes podem decidir comercializá-los em outros países fora da UE ou podem não ser distribuidores que vendem esses dispositivos em todos os Estados Membro (European Centre for Disease Prevention and Control., 2020[9]).

 
Tabela 1. Quais testes estão disponíveis no contexto do surto da COVID-19?

 

Testes de diagnóstico molecular

Testes sorológicos

Objetivo do teste

Detecção da presença do vírus no organismo

Detecção da resposta imunológica ao vírus

Técnica

RT-PCR

Detecção direta do antígeno do SARS-CoV-2 (ainda em desenvolvimento)

Testes ELISA

Técnica Imunocromatografia

(testes rápidos)

O que o teste procura?

Busca pela presença de material genético viral (RNA) em uma amostra retirada do paciente (geralmente coletada da nasofaringe).

Busca pela presença de antígenos virais numa amostra coletada do paciente.

Busca pela presença de uma resposta imunológica (anticorpos) ao vírus no sangue do paciente.

O que um teste positivo significa?

O vírus está presente no paciente.

O paciente foi exposto ao vírus e ou está se recuperando ou já se recuperou.

Para o que o teste é usado?

Para saber se um paciente está, naquele momento, infectado pelo SARS-CoV-2.

Para saber se um paciente foi exposto ao SARS-CoV-2 e, portanto, está protegido de novas infecções (e não pode mais espalhar o vírus)

Prós

- Se feito corretamente, essa técnica é bem sensível e específica

- “RT-PCR rápidos” podem ser usados no ponto de atendimento

- Simples;

- Rápido;

- Pode ser usado no ponto de atendimento.

- Mais preciso que a técnica de imunocromatografia.

- Fornece uma resposta quantitativa (concentração de anticorpos).

- Exige menos recursos que o teste ELISA;

- Poder ser realizado no ponto de contato quando a técnica estiver completamente validada (potencialmente pode ser vendida ao público geral)

- Rápido (10 a 30 minutos)

Contras

- Exige trabalho;

- Maioria dos testes precisa ser processado em um laboratório;

- Risco de falsos negativos (principalmente por amostragem mal feita) ;

- Nem todo laboratório pode processar o RT-PCR (precisam do dispositivo correto e de uma autorização especial para lidar com materiais perigosos);

- Possível escassez de swabs (espécie de cotonete) e reagentes.

- Complexo para desenvolver

- Possíveis falsos negativos (se realizado cedo demais no processo de infecção, pois os anticorpos ainda não foram produzidos)

- Possíveis falsos positivos (interações com outras doenças);

- Precisa ser feito em um laboratório;

- Exige tempo (1 a 5 horas);

- Kits sendo produzidos ainda não foram testados;

- Possível escassez de reagentes

- Fornece apenas uma informação qualitativa (presença ou não de anticorpos)

- Kits sendo produzidos ainda não foram testados;

- Possível escassez de reagentes;

 3. Como a testagem pode ser usado para gerir a doença COVID-19

Existem três formas dos testes serem usados para lidar com a COVID-19:

  • Primeiro, testagem intensiva e efetiva, além de monitoramento e rastreamento (TTT, Seção 3.1) é necessária. Se implementada de forma apropriada, a TTT é a abordagem mais promissora no curto prazo para controlar – e manter controlada – a epidemia sem recorrer a quarentenas amplas na vida social e econômica. Esse tipo de abordagem também fornece informações chave sobre a propagação da epidemia.

  • Segundo, a testagem sorológica focada em grupos populacionais prioritários (e.g. profissionais da saúde e outras funções essenciais) é necessária para avaliar a imunidade desses trabalhadores. Assim, essa informação pode ser usada para que eles possam trabalhar sem necessidade de isolamento. Potencialmente, essa abordagem também pode ser expandida para cobrir outras partes da população, assistindo no retorno das atividades econômicas (Seção 3.2)

  • Terceiro, uma vez que testes sorológicos rápidos sejam confiáveis o suficiente para ser utilizados em larga escala, a testagem generalizada pode permitir a estimativa de quão longe estamos da imunidade de rebanho na população. Essa informação é crucial para decidir como ajustar as medidas de distanciamento (Seção 3.3)

Uma estratégia efetiva que teste casos suspeitos da doença, monitore as pessoas infectadas e rastreie seus contatos (TTT) ajudará a reduzir a propagação do vírus do #Coronavírus

Evitar a transmissão para controlar a propagação do SARS-CoV-2 é o principal objetivo de qualquer estratégia de confinamento. A abordagem de testar, monitorar e rastrear (TTT) se tornou a ferramenta principal para alcançar esse objetivo, considerando que muitos países já a implementaram ou estão no processo de expansão. Da mesma forma, a OMS recomendou “Priorizar a busca ativa e exaustiva por casos, testagem imediata e isolamento, rastreamento meticuloso dos contatos e quarentena rigorosa dos contatos próximos” (WHO, 2020[10]).

A abordagem TTT pode ser usada para bloquear a propagação inicial ou recorrente de um patógeno, tendo como objetivo a rápida extinção de surtos locais bem definidos que possam coletivamente controlar a epidemia.

Para doenças em que a infecciosidade começa simultaneamente ao surgimento de sintomas, a TTT pode ser bastante efetiva. Por exemplo, a TTT foi aplicada recentemente em alguns surtos como o da síndrome respiratória aguda grave (SARS) em 2003, a Síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS) em 2012 e o vírus Ebola em 2014.

No caso da COVID-19, estudos mostram que uma quantidade substancial de transmissões secundárias do vírus pode ocorrer antes do início da doença em indivíduos assintomáticos ou pré-sintomáticos (Nishiura, Linton and Akhmetzhanov, 2020[11]). Portanto, para que a estratégia TTT seja efetiva, o rastreamento de contatos deve ser estendido para alguns dias antes do surgimento de sintomas em todos os pacientes diagnosticados; a implementação deve ser em larga escala, o que pode trazer inúmeros problemas principalmente em grandes países; e ela precisa ser implementada rapidamente para minimizar a defasagem entre o surgimento do sintomas e o isolamento de pacientes infectados.

Os exemplos da Coréia do Sul e de Cingapura mostram como eles conseguiram controlar o surto inicial da COVID-19 em um período relativamente curto de tempo por meio da implementação de um pacote de iniciativas que tinham a TTT como um componente chave. O box 2 descreve suas estratégias TTT em mais detalhes.

No contexto da COVID-19, TTT envolve:

  • Testagem: o uso de testes diagnósticos para identificar a infecção por SARS-CoV-2 em uma pessoa. Atualmente, o padrão tradicional é um teste RT-PCR, mas alguns países introduziram testes moleculares rápidos baseados nos mesmos princípios do RT-PCR, mas que são mais velozes e exigem menos recursos (veja Box 1). Testes moleculares rápidos podem ser usados para acelerar e facilitar procedimentos de testagem. No caso do SARS-CoV-2, a expansão de testes para casos assintomáticos ou pré-sintomáticos, com pessoas que tiveram contato com um caso confirmado, é particularmente importante, já que existe uma defasagem até o surgimento de sintomas.

  • Monitoramento: identificar onde estão as pessoas infectadas para providenciar a gestão mais adequada do caso e prevenir maior propagação do vírus. No caso da COVID-19, a gestão de casos moderados requer isolamento e/ou provisionamento de tratamento para um futuro surgimento dos sintomas, possibilitando uma resolução autônoma da doença. Já a gestão de casos mais graves exige um provisionamento de tratamento para os sintomas e cuidados de suporte em um hospital, incluindo tratamento intensivo quando necessário. Um acompanhamento preciso de pacientes infectados e o monitoramento do respeito às medidas de isolamento são chaves para limitar o contágio.

  • Rastreamento; localizar todas as pessoas que estiverem em contato próximo com uma pessoa confirmada para COVID-19, pelo menos desde o início da doença e idealmente antes disso. As pessoas que tiveram contato devem, idealmente, ser colocadas em quarenta por pelo menos 14 dias (a faixa superior do período de incubação da COVID-19), seja em suas casas ou num estabelecimento específico. Isso significa fazer um acompanhamento dessas pessoas para monitorar o surgimento de sintomas e sinais de infecção, além de testar para a infecção da doença.

Por conta das características específicas do vírus SARS-CoV-2 (alta taxa de contágio, longo período de incubação e presença de casos assintomáticos), a efetividade da TTT depende tanto da velocidade quanto da precisão com que essa abordagem é aplicada. Um estudo recente de modelagem de surtos (Hellewell et al., 2020[12]) descobriu que o rastreamento de contatos e isolamento podem não conter surtos da COVID-19 a menos que altos níveis de rastreamento de contatos sejam atingidos. Por exemplo, a maioria dos cenários com um número de reprodução (a habilidade de propagação do vírus, o chamado R0) de 1.5 eram controláveis dentro de três meses com menos de 50% dos contatos rastreados com sucesso. Já em um R0 de 2.5 a 3.5, 70% e 90% dos contatos, respectivamente, precisariam ser rastreados. No caso do SARS-CoV-2, o R0 incialmente era estimado em algo entre 2.2 e 2.7, mas as evidências ainda são inconclusivas e estudos mais recentes mostram resultados próximos de 3 ou até tão altos quanto 5.7 (Sanche et al., 2020[13]), comparado ao 1.3 da gripe sazonal. A probabilidade do controle diminui com defasagens longas entre o período de surgimento dos sintomas e o início do isolamento, menos casos apurados pelo rastreamento de contatos e o aumento da transmissão pré sintomas.

Para reduzir o risco de uma “Segunda onda” de surtos do #Coronavírus, 70% a 90% de todas as pessoas que tiveram contato com um indivíduo infectado precisam ser rastreadas, testadas e isoladas se infectadas. Isso exigiria um grande aumento na testagem. Os desafios e custos de fazer isso são mínimos em comparação com as consequências de uma nova quarentena.

Para reduzir o risco de uma “Segunda onda” de surtos do #Coronavírus, 70% a 90% de todas as pessoas que tiveram contato com um indivíduo infectado precisam ser rastreadas, testadas e isoladas se infectadas. Isso exigiria um grande aumento na testagem. Os desafios e custos de fazer isso são mínimos em comparação com as consequências de uma nova quarentena.

 

Box 2. Aplicando a estratégia TTT (testar – monitorar – rastrear) para controlar a epidemia da COVID-19

A estratégia ampla e digital de TTT da Coréia do Sul

Seguindo as lições aprendidas com os surtos da SARS e a MERS na região asiática, a Coréia do Sul (a partir daqui, Coréia) fez esforços notáveis para controlar a epidemia da COVID-19, tendo uma das estratégias TTT mais fortes no mundo.

  • Testagem: até 6 de abril de 2020, a Coréia já havia conduzido quase dez testes RT-PCR para cada mil habitantes, atrás apenas da Alemanha e Itália dentre os países com populações superiores a 50 milhões . Esse padrão pode ser explicado por um mix de considerações estratégicas, logísticas, de capacidade, regulatórias e até culturais. A Coréia desenvolveu uma forte infraestrutura de produção, distribuição e análise laboratorial de kits de teste, após uma decisão precoce de rastrear rigorosamente o maior número possível de casos. Soluções inovadoras foram desenvolvidas, como os centros de testagem “drive-thru” para COVID-19, onde amostras eram retiradas enquanto as pessoas permaneciam em seus carros. Mais de 600 centros de teste foram criados, alguns deles com cabines transparentes onde profissionais da saúde administravam a coleta de um swab (espécie de cotonete) da garganta) usando luvas grossas de borracha embutidas na estrutura da cabine. Muitos escritórios, hotéis e outros grandes edifícios instalaram câmeras de imagem térmica para identificar pessoas com febre e vários restaurantes checavam a temperatura de seus clientes antes de aceitá-los.

  • Monitoramento: após a testagem de pessoas com suspeita de COVID-19, aqueles com resultado positivos são acompanhados e recebem tratamento gratuito. O custo é coberto por governos centrais e locais, além do seguro público de saúde. A Coréia também fornece subsídios para indivíduos que precisam ficar isolados (tanto isolamento voluntário quanto hospitalização) para apoiar seus custos de sobrevivência. Ela penaliza aqueles com suspeita de infecção que se recusem a receber o teste de diagnóstico, o tratamento ou a entrada em isolamento. Pessoas ordenadas a ficar em quarentena devem baixar um aplicativo de celular que alerta oficiais se um paciente quebrar o isolamento. Todas essas ferramentas permitem um monitoramento efetivo de pacientes.

  • Rastreamento: A Coréia desenvolveu uma estratégia digital diversificada para rastrear os contatos.

  • As localizações dos celulares são registradas automaticamente, tornando possível rastrear praticamente toda a população pelo acompanhamento da localização de seus telefones. Isso é facilitado pelo fato de as empresas de telefonia exigirem que os clientes forneçam seus nomes verdadeiros e seus números nacionais de registro.

  • Câmeras de CFTV são usadas para identificar contatos com pacientes da COVID-19. Em 2018, a Coréia tinha mais de 1 milhão de câmeras CFTV in espaços públicos.

  • Transações em cartões de crédito e débito são usadas para mapear a movimentação do portador do cartão, já que a Coréia tem a maior proporção de transações sem dinheiro físico no mundo.

  • Quando uma pessoa testa positivo e nem todos os seus contatos podem ser identificados, então informações detalhadas sobre seus movimentos são enviadas por SMS para residentes próximos.

  • Os resultados desses programas de rastreamento são divulgados publicamente em sites dos governos locais e nacionais, aplicativos gratuitos que mostram a localização das infecções e atualizações por SMS sobre novos casos locais.

  • Multas por violação da quarentena podem chegar até 2300 Euros.

  • Uma desvantagem desse sistema de rastreamento está relacionada as questões de privacidade em torno dessas medidas, que podem impedir que pessoas infectadas se identifiquem (OCDE, 2020[14]).

  • A estratégia universal de TTT de Cingapura

  • Cingapura também implementou fortes medidas de TTT que conseguiram controlar a epidemia de COVID-19 sem grandes interferências à vida rotineira (Lee, Chiew and Khong, 2020[15]).

  • Testagem: Cingapura iniciou uma ampla estratégia de testagem para todos com suspeita desde os primeiros dias do surto, alcançando 2200 testes (RT-PCR) por dia em uma população de 5.7 milhões. A testagem era implementada em clínicas e hospitais, além de estações “drive-thru”. Além disso, pessoas que morriam com suspeita de causa infecciosa e doenças semelhantes a gripe eram testadas em clínicas de vigilância.

  • Monitoramento: Uma rede de mais de 800 clínicas de saúde pública foi ativada para cuidados primários, com subsídios estendidos a residentes como incentivo para que eles procurassem atendimento, permitindo o monitoramento de muitos casos. Médicos eram instruídos a dar licenças médicas de até cinco dias para pacientes com sintomas respiratórios, permitindo que estas pessoas fizessem quarentena em casa. Todos os casos confirmados eram imediatamente isolados em hospitais para prevenir maior propagação. Custos de tratamento eram cobertos pelo governo, incluindo os pacientes de fora do país.

  • Rastreamento: Todos os contatos identificados que apresentassem sintomas eram direcionados a hospitais para isolamento e testagem, depois colocados em quarentena por 14 dias contados desde o último dia de exposição. Para facilitar o respeito às medidas e reduzir as dificuldades, a Quarantine Order Allowance Scheme fornece assistência econômica e o Infectious Disease Act provê poder legal para impor o rastreamento de contatos e a quarentena, além de processar aqueles que não obedecessem (punições podem ser multa de 6400 Euros, seis meses de prisão ou ambos). Existe colaboração entre oficiais de saúde pública, as forças armadas e a polícia para rastrear pessoas usando imagens de CFTV e visualização de dados, assim como para conduzir investigações trabalhosas e intensas. Essas investigações incluem entrevistas telefônicas diretas com o paciente e todos os contatos identificados solicitando inúmeros detalhes para determinar seu histórico de movimentação nos últimos sete dias prévios ao surgimento de sintomas. Por meio de visitas presenciais, uma ordem legal de quarentena é entregue a cada pessoa. A investigação também inclui análise de recibos e pagamentos por cartão para rastrear os movimentos da pessoa infectada.

 3.2. Quem deve ser testado?

A implementação mais ampla de testes diagnósticos pode gerar informações críticas sobre a presença do SARS-CoV-2 na população e, portanto, identificar prováveis padrões de transmissão e propagação. Por exemplo, supondo que o teste pudesse ser administrado a uma grande maioria de pessoas a cada duas semanas, seria possível isolar os infectados e todos os outros seguirem vida normal. Isso seria altamente custoso, mas seria um custo ainda trivial comparado aos custos de um confinamento. Entretanto, existem inúmeros desafios logísticos. Na prática, mesmo com os testes rápidos de RT-PCR que podem ser administrados no ponto de atendimento (veja Box 1), é improvável que a capacidade de testagem seja suficiente para testes exaustivos na totalidade da população. Isso significa que é necessário que as autoridades priorizem quem deve ser testado.

Estratégias de testagem precisam ser factíveis dentro das limitações de suas capacidades e levar em consideração os cenários de transmissão que são prováveis de ocorrer. A OMS fornece recomendações de estratégias específicas de testagem laboratorial baseadas no número de casos que o surto já alcançou em cada país, entre nenhum caso ou casos esporádicos até transmissão comunitária consistente (WHO, 2020[16]). Em outras palavras, existe uma sequência clara de quem deve ser testado primeiro, dependendo do estágio da epidemia.

Dado o número atual de casos na maioria dos países da OCDE hoje, a prioridade para testes laboratoriais moleculares inicialmente permanecerá em garantir um tratamento médico seguro e apropriado, ou seja, testagem de pacientes hospitalizados, pessoas vulneráveis que provavelmente necessitarão de cuidado hospitalar e profissionais da saúde. Uma vez que a capacidade de testagem tenha sido suficientemente aumentada, testes podem ser expandidos para casos suspeitos não graves e pessoas que tiveram contato com casos confirmados. Isso pode permitir isolamento direcionado de pessoas infectadas, incluindo aquelas sem sintomas. Testes moleculares informam se uma pessoa está infectada no momento do teste. Como discutido anteriormente, testes RT-PCR representam o método de testagem mais preciso, mas também exigem muitos recursos, portanto sua capacidade é limitada.

A Alemanha é um exemplo onde a capacidade para testes dependentes de laboratórios foi construída logo no início do surto. A testagem ampla permitiu isolamento dos casos confirmados, mesmos os não sintomáticos. Ao mesmo tempo, pessoas vulneráveis que estavam infectadas puderam ser hospitalizadas e receber suporte respiratório antes do surgimento de sintomas graves, aumentando suas chances de sobrevivência. Esses fatores contribuíram para uma mortalidade relativamente baixa na Alemanha, ainda que um número de outros fatores tenham tido seu papel, incluindo o fato de que muitas pessoas inicialmente infectadas eram jovens e saudáveis. Até 11 de abril, 27% dos infectados pela COVID-19 na Alemanha tinham mais de 60 anos; na Itália 63% dos infectados tinham mais de 70 anos.

Na ausência de informações confiáveis sobre contatos entre pessoas que carregam o vírus e pessoas em risco de serem os chamados “super-propagadores” também podem ser um grupo com prioridade para testagem repetitiva. Esses são aqueles que tem contato com muitas pessoas como parte de suas atividades diárias. Para além de profissionais da saúde, pessoas trabalhando em supermercados e mercearias, transportes públicos e serviços de delivery podem ter maior risco de propagar o vírus para muitas pessoas.

Testes sorológicos, que identificam os anticorpos produzidos pelo sistema imunológico podem servir a um propósito diferente. Seu uso exige que testes sorológicos precisos estejam disponíveis (veja acima) mas, além disso, idealmente também precisaríamos entender melhor a resposta imunológica e sua duração. Por exemplo, apesar de parecer claro que ter tido a doença uma vez confere alguma imunidade, quanto tempo essa imunidade pode durar ainda não está claro (Petherick, 2020[17]). Testes sorológicos também podem ser conduzidos em grupos prioritários, como os “super-propagadores”. Existe um interesse particular no potencial dos testes sorológicos como parte de uma estratégia para apoiar o retorno das atividades econômicas. Mais obviamente, a testagem de profissionais da saúde limitaria o isolamento voluntário desnecessário e aumentaria a capacidade do setor de saúde. Para além disso, testar grupos ocupacionais que não podem trabalhar remotamente durante a quarentena e segmentos prioritários da força de trabalho para identificar aqueles que já estão imunes pode ser útil permitindo que mais pessoas retornem com segurança ao trabalho. Além da testagem direcionada em grupos prioritários, os testes também podem ser utilizados em amostras aleatórias para estimar a presença do vírus na população e avaliar o progresso em direção a “imunidade de rebanho”, como discutido abaixo.

Se testes sorológicos rápidos forem usados para apoiar o retorno das pessoas às atividades econômicas e sociais, seus status de imunidade poderiam ser gravados em um registro pessoal, como os “passaportes” que estão sendo considerados na Alemanha e no Reino Unido ou o certificado de vacinação da OMS exigido para algumas viagens internacionais. Pessoas que já tem uma resposta imunológica poderiam ser liberadas das restrições de movimentação, preferencialmente em conjunto com um teste de diagnóstico molecular para confirmar que a pessoa não tem uma infecção ativa.

Se novos casos forem rastreados e isolados efetivamente e a transmissão reduzida, as restrições podem ser mais rapidamente relaxadas para pessoas que não estão imunes.

Entretanto, o uso de “passaportes” pode ter sérias consequências não intencionais. Pessoas que não estão imunes podem buscar se expor ao vírus para ganhar imunidade e recuperar uma vida normal e trabalhar. Essa seria uma resposta muito compreensível, dado que muitas pessoas perderam suas chances de garantir sua sobrevivência e sustentar suas famílias por conta da quarentena. Infelizmente, o risco desse comportamento é que a doença pode começar novamente a se espalhar rapidamente, com a possibilidade de os serviços de saúde já estarem sobrecarregados. Esses “passaportes” podem precisar ser aplicados com outras restrições sobre quem pode retornar ao trabalho, como por região, idade ou tipo de ocupação, para que esse risco seja contido.

 3.3. Ganhando inteligência sobre a evolução da epidemia: Testando para a vigilância da população.

Em adição a testagem direcionada de grupos prioritários, os testes podem ser usados para estimar a presença de imunidade na população em geral, que é chamada de “imunidade de rebanho”. Isto representa “o grau em qual a comunidade está suscetível ou não a uma doença infecciosa como resultado de sua população ter adquirido imunidade ativa seja por infecções prévias ou por imunização profilática” (Reid and Goldberg, 2012[18]). No caso da COVID-19, como não há vacinas disponíveis por enquanto, a única possibilidade atual de conseguir imunidade é adquirindo a infecção.

A imunidade de rebanho pode ser medida de duas formas (Reid and Goldberg, 2012[18]):

1. Indiretamente, pela distribuição da idade e o padrão de incidência da doença, caso seja clinicamente distinta e razoavelmente comum. Esse é um método pouco sensível e inadequado para infecções que têm casos assintomáticas, que é o caso da COVID-19.

2. Diretamente, com avaliações de imunidade em grupos populacionais definidos por meio da aplicação de testes sorológicos, como discutido anteriormente.

A avaliação da imunidade em nível populacional (também chamada de serovigilância (Wilson et al., 2012[19])) pode ajudar a determinar o nível de anticorpos necessários para alcançar a imunidade de rebanho, para identificar grupos de indivíduos suscetíveis (“lacunas de imunidade”) e para avaliar a persistência e duração de anticorpos de proteção. No futuro, a serovigilância pode fornecer informações relevantes para o planejamento de estratégias de vacinação, evitando a necessidade de vacinar aqueles que já tem imunidade.

O termo “imunidade de rebanho por eliminação” se refere ao nível em que uma infecção não consegue mais se propagar efetivamente na população (Williams, 2006[20]). Nesse grau de imunidade, podem existir alguns casos secundários ou até pequenas cadeias de infecção (“nichos”), mas essas cadeias são eventualmente quebradas, a propagação do vírus contida e o surto erradicado. Em outras palavras, nessas circunstâncias o número de reprodução efetiva em qualquer dado momento (Rt) é menor que 1.0. No caso da COVID-19, foi estimado inicialmente que a imunidade de rebanho poderia ser alcançada quando 50 a 60% da população estivesse imune ao vírus, mas esse número poder chegar até 75% no caso de um maior número de reprodução maior (OCDE, 2020[1]).

Para conseguir chegar em uma estimativa mais assertiva sobre a imunidade contra o SARS-CoV-2 numa população, pesquisas de seroprevalência de uma amostra populacional probabilística por país ou região de um país podem ser implementadas (Wilson et al., 2012[19]). Isso ajudaria a avaliar o progresso em direção a “imunidade de rebanho”, pelo menos pelo período em que a imunidade está ativa (no caso do SARS-CoV-2 o tempo exato da duração da imunidade ainda não é conhecido), assim como fornecendo uma linha de base para monitoramentos futuros. Esses também são parâmetros básicos fundamentais para decidir em qual proporção as restrições (e.g. medidas de distanciamento social) podem ser relaxadas ou suspensas (no caso, por exemplo, de alguns grupos serem mantidos em confinamento por mais tempo que o resto da população).

Como mencionado na Seção 2.2, como os testes estão sendo desenvolvidos gradualmente (e sendo testados/aprovados), alguns países já começaram a planejar tais estudos sero-epidemiológicos. Por exemplo, pesquisadores na Alemanha estão propondo testar regularmente a imunidade de 100.000 pessoas , permitindo a provisão de “certificados de imunidade” no futuro, enquanto o governo do Reino Unido comprou 3.5 milhões de testes rápidos de imunidade e está encomendando outros milhões . Entretanto, a confiabilidade dos testes sorológicos ainda é uma grande questão, logo os governos estão tendo dificuldades para selecionar o teste mais apropriado e estão esperando que validações independentes dos testes sejam feitas.

Outro fator relevante tem a ver com uma melhor compreensão das características e da evolução do vírus. Até agora, pesquisadores descobriram que o vírus é relativamente estável e não tem mutações significativas . Entretanto, esta é outra área em que pesquisas adicionais são necessárias para orientação na formulação de políticas.

A imunidade de rebanho é dinâmica e pode ser perdida com o tempo devido o declínio da memória imunológica ou à morte de indivíduos imunizados, além de novas pessoas suscetíveis chegarem através de nascimentos ou migração (Reid and Goldberg, 2012[18]). Evidências de um sobrevivente da infecção original do SARS-CoV em 2002 indicam que, 17 anos depois, a pessoa ainda tem anticorpos que são capazes de neutralizar o vírus (Petherick, 2020[17]). Na medida em que o SARS-CoV-2 compartilha muitas características com o SARS-CoV-1, isso traz esperanças de que a imunidade para aqueles que contraírem a COVID-19 pode ser duradoura. Entretanto, a imunidade também pode diminuir se o vírus mudar, como acontece com a influenza, onde uma nova vacina é necessária todo ano. Portanto, as características da imunidade contra a SARS-CoV-2ainda precisam ser melhor compreendidas, junto com avaliações adicionais rigorosas dos próprios testes sorológicas.

 4. Fazendo acontecer: Aspectos da implementação das estratégias de testagem

A implementação da testagem nos países da OCDE está variando rapidamente. Até 4 de maior de 2020, o número de testes para cada 1000 pessoas variava entre menos de 1 para mais de 100 testes (veja Figura 1).

 
Figura 1. Testagem diagnóstica para COVID-19 nos países da OCDE

Notas: 1. Pessoas ou casos testados. 2. Testes realizados ou amostras testadas. 3. Unidades de testes inconclusivos ou inconsistentes. Podem existir diferenças na figura dependendo se ela inclui testes feitos ou indivíduos testados; se eles incluem todos os testes laboratoriais (públicos e privados) ou não, quão regularmente os dados são atualizados por cada país e outros aspectos. Dados sobre dados de testagem mostrados no gráfico variam entre 26 de abril e 3 de maio de 2020.

Fonte: Our World in Data. https://ourworldindata.org/covid-testing acessado 4 de maio 2020.

A implementação com sucesso das estratégias de testagem requer que alguns problemas práticos sejam superados, além de que algumas questões relacionadas a privacidade de dados sejam endereçadas (OECD, 2020[14]).

Testagem para o #Coronavírus tem variado amplamente entre os países. Para reduzir o risco de surtos os países precisam aumentar muito suas capacidades de testagem

 4.1. A viabilidade das estratégias de testagem para a gestão das restrições da COVID-19

Existem inúmeros pré-requisitos para que a testagem seja um elemento chave viável na transição para o fim das medidas de confinamento. Esses compreendem conhecimento científico, planejamento de demanda de equipamento necessários, coordenação das aquisições e construção da capacidade para executar testes e o gerenciamento da informação.

Primeiro, as pesquisas cientificas sobre imunidade e como testá-la precisam continuar. E inteiramente necessário confirmar que a imunidade é de fato gerada para qualquer pessoa que seja infectada e qual o tempo de duração dessa imunidade. Até agora, suposições sobre a imunidade são baseadas em modelos animais (Bao et al., 2020[21]), estudos observacionais (Wölfel et al., 2020[8]) e o que já é conhecido sobre respostas imunológicas a vírus similares (De Wit et al., 2016[22]). P&D voltada para produção de testes sorológicos rápidos, precisos e confiáveis precisa continuar e testes recentemente desenvolvidos precisam ser avaliados por autoridades regulatórias usando dados robustos. Como discutido na Seção 2.2, ainda que muitos testes estejam sendo desenvolvidos e alguns já estejam sendo comercializados,4 evidências anedóticas sugerem que muitos testes sorológicos disponíveis atualmente não são particularmente precisos (Cassaniti et al., 2020[23]).

Segundo, governos precisam fazer projeção realistas dos equipamentos necessários para executar estratégias de testagem em larga escala e coordenar a aquisição dos mesmo tanto em nível nacional quanto internacional.

Projeções de demanda e certeza sobre o que será adquirido podem ajudar a indústria a construir capacidade de produção. Testes PCR exigem swabs (espécie de cotonete) da nasofaringe para a coleta de amostras, kits de teste com reagentes químicos para isolar e preparar o material genético viral nas amostras a serem analisadas, maquinário laboratorial para conduzir análises e equipamento de proteção (EPI) para os profissionais envolvidos.

Se a aquisição de materiais fosse coordenada a nível internacional, seria mais fácil garantir que os suprimentos estivessem disponíveis onde fossem mais necessários para evitar a escassez. O European Joint Procurement Agreement é um exemplo de como isso pode ser feito no nível regional. Entretanto, alguns governos impuseram, unilateralmente, restrições a exportação e estão engajados em práticas de aquisição que tem o objetivo de assegurar prioridade de acesso a recursos para suas próprias populações.5

Terceiro, a capacidade local, incluindo de profissionais, precisa ser criada para possibilitar a realização de testes. Testes PCR requerem pessoal treinado para conduzi-los, procedimentos definidos e infraestrutura laboratorial. A Coréia mostrou como a capacidade de testagem pode ser transformada rapidamente incluindo a aprovação rápida de kits de teste a serem fabricados domesticamente, fornecimento de recursos para fabricantes locais e o uso de soluções inovadoras para tornar os testes disponíveis para a população, como os estabelecimentos de testagem “drive-thru”. Governos também precisam monitorar a disponibilidade de novos testes sorológicos que cheguem ao mercado e avaliar quão precisos são para serem implementados em larga escala.

Por fim, informações sobree imunidade os status de infecção, assim como do contato entre pessoas, precisam ser gerenciadas eficientemente, sem esquecer do respeito à privacidade. Além do uso de métodos mais tradicionais, como documentos físicos ou “passaportes” pessoais que certifiquem informações de infecção e imunidade, soluções digitais podem ter um papel chave nessa situação. Elas podem permitir um rastreamento eficaz dos contatos entre pessoas e integrar essas informações com as de status de infecção e imunidade (Ferretti et al., 2020[24]). Governos precisam se movimentar mais rapidamente para definir estruturas de governança e proteção de dados em que haja um equilíbrio entre a defesa da privacidade e o uso de informações pessoais para proteger a saúde pública. Essa questão é discutida em mais detalhes na próxima seção.

A implementação com sucesso de estratégias de testagem em países em desenvolvimento exige endereçar alguns desafios, incluindo: maiores restrições orçamentárias, capacidade institucional reduzida para aquisição de equipamentos e suprimentos, capacidade laboratorial menor, menos pessoal treinado para coletar, analisar e reportar resultados de testes, além de logísticas mais complexas para o alcance de comunidades remotas. A implementação de estratégias de monitoramento e rastreamento também envolvem outras dificuldades, dado que as estruturas de governança de dados são mais fracas e os sistemas de informações de saúde são menos desenvolvidos. A assistência ao desenvolvimento, tanto financeira quanto técnica, pode ter um papel chave no aumento da viabilidade do uso da TTT em países em desenvolvimento.

 4.2. Equilibrando privacidade com objetivos de saúde pública e segurança

Existe uma tensão nas sociedades democráticas entre a proteção da privacidade e das liberdades civis e o fornecimento de segurança pública. Essa tensão se torna particularmente aguçada em tempos de crise. O SARS-CoV-2 é um adversário invisível que não respeita fronteiras nacionais. É extremamente importante limitar sua propagação e impacto na saúde da população e no funcionamento dos sistemas de saúde. Embora possa ser necessário algum grau de redução nas proteções de privacidade, isso não é uma verdade absoluta. Existem usos promissores de ferramentas e dados digitais que salvaguardam o direito à privacidade (OECD, 2020[14]).

Nos países da OCDE, a recente ameaça à segurança pública mais comparável é a do terrorismo. Em resposta a ataques terroristas, resposta políticas afetaram a privacidade com o objetivo de reforçar a segurança (Jones, 2009[25]). Por exemplo, o uso de câmeras de circuito fechado (CFTV) em espaços públicos e privados aumentou acentuadamente em muitos países. O uso de câmeras CFTV se tornou tão disseminado em Londres que uma jornada média de um indivíduo pela cidade poderia resultar em centenas de fotos pessoais. Nos Estados Unidos, após os ataques do 11 de setembro, mudanças legais e processuais relacionadas a busca e vigilância empoderaram a polícia a conduzir monitoramento contínuo das movimentações físicas e pegadas eletrônicas dos cidadãos (Bloss, 2007[26]). Uma vez que novos poderes de vigilância são introduzidos eles tendem a permanecer ativos, mesmo após o afastamento da ameaça imediata.

Para a COVID-19, inúmeras tecnologias de vigilância surgiram para monitorar as mudanças na mobilidade da população em resposta às políticas de quarentena e distanciamento social. Em alguns casos, rastreadores utilizam dados de aplicativos de telefone em que o usuário permitiu que o aplicativo acessasse sua localização. Exemplos são os relatórios Google COVID-19 Mobility Report e Unacast Social Distancing Scoreboard (Google, 2020[27]) (Unacast, 2020[28]). O uso de dados de aplicativos aumenta as preocupações relacionadas ao consentimento informado, especialmente quando a informação sobre o uso dos dados e divulgação para terceiros são explicados em termos de serviço longos que os usuários possivelmente não leem. Na Bélgica, um monitoramento similar é possibilitado agregando dados não identificados de três provedores de telecomunicação (Cloot, 2020[29]).

Dados móveis e outas tecnologias associadas, como pulseiras de monitoramento de GPS, também estão sendo usadas para rastrear pessoas específicas, seja para garantir que esses indivíduos respeitem a quarenta ou para identificar pessoas que tiveram contato próximo com uma pessoa infectada (Barrett, 2020[30]; Zastrow, 2020[31]). A Comissão Europeia divulgou uma recomendação com passos e medidas para desenvolver uma abordagem comum para a UE sobre o uso de aplicativos de celular e dados móveis6. Para cada 100 indivíduos morando nos países da OCDE em junho de 20197, havia 113 assinaturas de banda larga móvel, sugerindo que uma grande maioria da população carrega dispositivos que podem ser usados para criar relatórios detalhados de sua localização ao longo do tempo. As trilhas de localização de vários indivíduos podem, então, ser comparadas para habilitar o rastreamento de contatos e informar pessoas que podem ter sido expostas.

Informar indivíduos que podem ter sido expostos ao SARS-CoV-2 pode ser feito de diferentes maneiras (Raskar et al., 2020[32]), desde formas amplas (i.e. ao público) até direcionadas (grupos específicos ou indivíduos) de compartilhamento das localizações visitadas por casos confirmadas com a infecção. Dados de localização podem ser compartilhadas com ou sem o consentimento do indivíduo infectado. Em princípio, rastreamento de contatos usando tecnologias digitais e dados de localização podem ajudar a conter a propagação de infecções respiratórias, mas na prática existe uma significativa incerteza sobre quais os verdadeiros riscos e benefícios dessa abordagem.

Existe um risco de identificação pública desses indivíduos, resultando em estigma, seja em casos confirmados, suspeitos ou suscetíveis, mesmo com dados anônimos (Rocher, Hendrickx and de Montjoye, 2019[33]). A identidade de empresas visitadas por pessoas com suspeita ou confirmação de infecção também podem ser divulgadas, resultando em perda de renda, mesmo após os locais terem sido fechados e limpos (Zastrow, 2020[31]). Extorsionistas podem usar sistemas de rastreamento digital para chantagear negócios locais a não reportar que visitaram o estabelecimento quando estavam doentes (Raskar et al., 2020[32]). Assim como com qualquer sistema de informação, também existem riscos de segurança cibernética, potencial vazamento de dados e ataques de sequestro de dados contra pagamento de resgate (“ransomware”). Por fim, sem recomendações claras de ação para indivíduos que foram expostos, existe um potencial para a desinformação, comportamento contra produtivo ou até pânico.

O rastreamento de contatos pode ser possível, entretanto, sem sacrificar a privacidade. A iniciativa Pan-European Privacy-Preserving Proximity Tracing (PEPP-PT) tem o objetivo de permitir um rastreamento de contatos respeitando a privacidade (PEPP-T, 2020[34]). Telefones celulares de indivíduos registram apertos de mão com outros celulares que estiveram em sua proximidade. Os dados são criptografados e salvos no telefone. Caso um individuo teste positivo, autoridades de saúde lhe darão um código que ele pode voluntariamente oferecer a um serviço de confiança nacional que roda o aplicativo PEPP-PR. O serviço envia um alerta a todos os celulares que estiveram em proximidade com a pessoa infectada. Nem a pessoa infectada nem os indivíduos expostos são identificados. O Future of Privacy Forum compilou informações sobre vários aplicativos sendo usados para monitorar e rastrear infecções por SARS-CoV-2. 8

Fundamentalmente, existem evidências limitadas sobre o custo-efetividade do rastreamento digital de contatos e diversas questões relacionadas a sua viabilidade no contexto do atual surto do SARS-Cov-2, como já discutido. Como o rastreamento digital de contatos ainda é relativamente novo, estudos dos seus impactos ainda são baseados em simulações (Ferretti et al., 2020[24]) ou eles dependem de uma validação do conceito no projeto piloto - aplicado com poucos recursos. (Danquah et al., 2019[35]). As simulações sugerem que, dado o que sabemos sobre a epidemia da COVID-19, uma adoção quase universal e uma quase perfeita conformidade seriam necessárias para que o rastreamento digital de contatos fosse efetivo (Ferretti et al., 2020[24]). Como mencionado anteriormente (Hellewell et al., 2020[12]), se o vírus tiver um número de reprodução de 3.5, o rastreamento de contatos precisaria ser efetivo para mais ou menos 90% dos casos para que o número de reprodução caísse abaixo de 1 (indicando que a epidemia está perto de ser controlada).

À medida que o número de casos aumenta, se torna cada vez mais desafiador monitorar todos os contatos de cada caso suspeito ou confirmado (ECDC, 2020[36]). Os recursos necessários para acompanhar cada caso são significativos e existe um ponto em que o rastreamento ostensivo de contatos pode se tornar insustentável devido a recursos limitados (ECDC, 2020[36]). Isso se torna ainda mais importante dada a incerteza em quão confiáveis são os dados usados para o rastreamento digital de contatos. A precisão da localização do celular é dependente de muitos fatores, desde o posicionamento da torre de celular até skylines, e de acordo com uma estimativa dos Estados Unidos, a distância média entre onde é mostrada a localização do telefone e sua localização real é de 30 metros (PlaceIQ, 2016[37]). A precisão pode ser ainda pior quando as pessoas estão dentro de estabelecimentos ou em áreas com alta densidade populacional, duas condições esperadas em países com quarentena estabelecida. O bluetooth pode ser melhor e mais seguro do ponto de vista da privacidade (não é dado de localização), mas não necessariamente mais preciso.

Além disso, entre os países da OCDE, apenas 63% das pessoas entre 55 e 74 anos usavam a internet em 20169, sugerindo que algumas das pessoas mais importantes de serem acompanhadas no contexto da COVID-19 (i.e. os idosos) podem não estar representados nesses dados.

Para além de dados móveis, outra tecnologia intrusiva à privacidade é o uso de drones (Doffman, 2020[38]). Alguns países estão usando ou considerando o uso de drones para fotografar pessoas, transmitir mensagens sobre a necessidade de isolamento voluntário e/ou para analisar as pessoas observadas, incluindo detecção de febre, tosse e taxas respiratórias e cardíacas (Pennic, 2020[39]). Tanto drones quanto câmeras CFTV podem ser usados com algoritmos de reconhecimento facial (O’Donnell, 2020[40]).

Todos os países da OCDE ou já possuem disposições legais ou podem promulgar leis que permitam a violação da privacidade num contexto de ameaça à segurança pública. Na promulgação de novas leis ou disposições, indivíduos devem ter o direito legal de recurso e as decisões devem ter limite de tempo para que a vigilância não se torne permanente. Especialistas das Nações Unidas (OHCHR, 2020[41]) destacam que “respostas emergenciais ao coronavírus devem ser proporcionais, necessárias e não discriminatórias”. As respostas devem estar alinhadas com as orientações previstas na OECD Privacy Guidelines e na OECD Council Recommendation on Health Data Governance, principalmente no que diz respeito à transparência pública sobre o uso dos dados (OECD, 2013[42]; OECD, 2019[43]). É recomendável assegurar a existência de um órgão de supervisão para monitorar a implementação de tecnologias de vigilância e informar ao público sobre novas tecnologias disponíveis e de seus direitos.

À medida que múltiplos países se movimentam rapidamente para desenvolver e implementar um TTT habilitado digitalmente, é essencial avaliar os potenciais riscos e benefícios de suas estratégias. Apesar de declarações de organizações internacionais e governos sobre a importância da proteção de dados, muitos questionamentos permanecem. Por exemplo: qual tipo de dado está sendo coletado com essas iniciativas digitais, com quem e como eles estão sendo compartilhados, com quais permissões de acesso e cópia, quais algoritmos estão sendo usados para analisar os dados, com qual robustez e fundamentação e quais decisões estão sendo tomadas baseadas nessas análises. Há pouca ou nenhuma clareza sobre essas questões, não obstante a existência de diversas diretrizes apoiadas a nível internacional sobre a supervisão ampla e inclusiva de ferramentas digitais com alto potencial de risco de abuso ou violação de direitos humanos. Uma abordagem digital para amplo uso da TTT provavelmente será parte fundamental de uma estratégia de saída de sucesso, mas para que exista uma ampla confiança, aceitação e utilização pública dessas ferramentas digitais e desses dados, os riscos e benefícios precisam ser bem compreendidos e comunicados à população.

 Referências

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 Contatos

Stefano SCARPETTA (stefano.scarpetta@oecd.org)

Mark PEARSON (mark.pearson@oecd.org)

Francesca COLOMBO (francesca.colombo@oecd.org)

Frederico GUANAIS (frederico.guanais@oecd.org)

Observações

1.

Certificação CE IVD significa que o teste está em conformidade com a legislação pertinente da Eu, Diretiva 98/79/EC sobre diagnósticos In Vitro.

2.

https://www.fda.gov/medical-devices/emergency-situations-medical-devices/emergency-use-authorizations#covid19ivd

3.

Como relatado na Política de Testes Diagnósticos para a Doença do Cororonavírus-2019, a FDA não pretende se opor ao desenvolvimento e distribuição por fabricantes comerciais ou ao desenvolvimento e uso por laboratórios de testes sorológicos para identificar anticorpos para o SARS-CoV-2. Onde o teste tiver sido validado, notificação será providenciada para a FDA. https://www.fda.gov/media/135659/download.

4.

A non-exhaustive but periodically updated list of tests and their development/regulatory status is available at https://www.finddx.org/COVID-19/pipeline/.

5.

See, for example, a regularly updated tracker of procurement actions by European governments published by MedTech Europe, the European trade association of medical device manufacturers, at https://www.medtecheurope.org/resource-library/covid-19-Por procurement-actions/.

6.

https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_20_626.

7.

OECD, Broadband Portal, www.oecd.org/sti/broadband/oecdbroadbandportal.htm.

8.

https://fpf.org/wp-content/uploads/2020/04/Privacy-Pandemics-The-Role-of-Mobile-Apps.pdf.

9.

OECD, ICT Access and Usage by Households and Individuals (database), http://oe.cd/hhind (accessed June 2017).

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