Políticas e serviços públicos, como educação, saúde, previdência, infraestrutura e saneamento, são cada vez mais formulados e prestados por meio de diferentes níveis de governo (nacional, regional e local), criando desafios de coordenação e governança. O presente relatório descreve como os 33 tribunais de contas brasileiros podem aplicar a função de controle – como auditorias – para contribuir para maior eficácia e coerência das políticas públicas descentralizadas. O relatório apresenta os resultados de um projeto de 3 anos que visou aprimorar a atuação conjunta dos tribunais de contas, focando no setor da educação como área piloto para o teste da aplicação de indicadores na seleção estratégica de auditorias. O relatório propõe um referencial para que as instituições de auditoria possam avaliar a governança multinível e explora modelos de governança que podem ser adotados para garantir a colaboração entre os tribunais. Tais abordagens podem inspirar e informar outras entidades fiscalizadoras superiores que também sejam responsáveis por auditar políticas públicas e programas descentralizados envolvendo governos central, regional e local.
Auditoria de Políticas Públicas Descentralizadas no Brasil
Abstract
Executive Summary
Políticas públicas descentralizadas requerem governança multinível adequada
Políticas públicas que fornecem serviços-chave aos cidadãos, tais como educação, saúde, bem-estar, infraestrutura e saneamento, são cada vez mais formuladas e prestadas envolvendo diferentes níveis de governo. A expectativa é que a descentralização resulte em uma melhor prestação de serviços públicos locais através de um maior envolvimento dos cidadãos e de uma maior responsabilidade local. Para a efetiva concretização de políticas públicas descentralizadas, são necessárias condições de governança adequadas em vários níveis, tais como uma estrutura fiscal, processos regulatórios e capacidade local. A falta de uma governança multinível eficaz pode levar a lacunas, duplicação e sobreposição na prestação de políticas. Isto não só resulta em baixa eficiência dos recursos públicos, mas também alavanca disparidades regionais na prestação de serviços públicos, com potencial de minar a confiança dos cidadãos no governo.
Auditar políticas públicas descentralizadas representa desafios
As Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFSs) são administradoras cruciais do controle, prestação de contas e accountability e promovem a confiança no governo, pois fornecem supervisão, visão e previsão independentes sobre o gasto público e o desempenho das políticas públicas. Além de seu papel na prestação de contas pública, as EFSs têm o potencial de fornecer uma visão baseada em evidências e transversal para os parlamentos, centros de governo e cidadãos, sobre o que funciona e o que não funciona em relação a políticas públicas. Em um contexto descentralizado, as EFSs enfrentam desafios complexos para poderem cumprir este papel. Com muitos governos locais e regionais envolvidos na concepção de políticas e na prestação de serviços, as EFSs devem reunir evidências sobre os resultados das políticas em diferentes níveis de governo. Além disso, para identificar os problemas na formulação de políticas em todos os níveis de governo, as EFSs também precisam avaliar o sistema de governança multinível associado à política descentralizada sob escrutínio. O desafio pode ser ainda maior em países onde, além das EFS, existem outros órgãos de auditoria externa subnacionais com mandatos para auditar os governos regional e local.
Auditoria de políticas descentralizadas em um sistema de auditoria descentralizado: o caso do Brasil
O Brasil é um país federativo com um alto grau de autonomia local. Todos os níveis de governo compartilham responsabilidades em relação a políticas públicas descentralizadas em áreas como saúde, educação, previdência social, bem-estar, habitação e saneamento, entre outros. A disparidade regional na prestação desses serviços é notadamente predominante no Brasil, enquanto os arranjos de governança multinível, cruciais para assegurar uma coordenação eficaz no caso de políticas descentralizadas, são altamente fragmentados.
Da mesma forma, o sistema de auditoria externa no Brasil, composto de 33 tribunais de contas, é descentralizado entre todos os níveis de governo. O Tribunal de Contas da União (TCU) é responsável por examinar o orçamento e recursos federais, incluindo recursos federais transferidos para os estados, Distrito Federal e municípios. Os 26 Tribunais de Contas do Estado (TCEs), são responsáveis pela auditoria externa no nível estadual, e em 23 estados, pela auditoria dos seus municípios também. Além disso, existem 3 Tribunais de Contas dos Municípios, 2 Tribunais de Contas Municipais (TCMs), responsáveis exclusivamente pela auditoria municipal, e o Tribunal de Contas do Distrito Federal.
Recomendações principais
Neste cenário de governança fragmentada em vários níveis e mandatos sobrepostos dentro do sistema de auditoria, a OCDE e os Tribunais de Contas do Brasil – chamados coletivamente TCs – procuraram melhorar seu desempenho, impacto e relevância, através de uma melhor colaboração e uma supervisão mais coordenada das políticas públicas descentralizadas. A OCDE e os TCs realizaram estes esforços no âmbito do "Projeto Integrar", que resultou nas recomendações para que os TCs fortalecessem ferramentas e práticas em três áreas-chave: colaboração, utilização de indicadores na seleção de auditorias e avaliação da governança multinível em auditorias. As recomendações deste relatório, embora desenvolvidas para e com o Brasil, também são relevantes para outras EFSs que supervisionam programas e políticas públicas descentralizados, envolvendo governos federais e subnacionais.
Colaboração e coordenação entre todos os órgãos de auditoria externa
O compartilhamento sistemático de conhecimento e a análise de informações de todo o sistema de auditoria – em nível nacional e subnacional – permitirá a seleção estratégica de auditorias para maior impacto, respeitando ao mesmo tempo o contexto, os processos e o mandato de cada entidade. TCU e TCs poderiam estabelecer um "conselho nacional de auditoria externa" ou, alternativamente, fortalecer as redes existentes para melhorar a colaboração e a coordenação entre os órgãos de auditoria externa, concentrando-se nas seguintes prioridades: 1) definir a seleção colaborativa de auditorias como um objetivo estratégico da rede; 2) desenvolver uma metodologia compartilhada para a priorização de auditorias; e 3) integrar a dimensão de governança multinível como parte de um estudo de pré-auditoria ou fase preliminar de auditoria.
Seleção colaborativa estratégica de auditorias com base em evidências e riscos
Considerar as variações regionais das condições socioeconômicas e dos resultados de políticas públicas é fundamental ao selecionar auditorias em áreas de políticas descentralizadas. Dados e evidências em nível local estão amplamente disponíveis no Brasil e podem auxiliar a compreensão das diferenças regionais. Os TCs poderiam sistematizar suas práticas de seleção de auditorias baseadas em risco fazendo melhor uso desses dados, desenvolver um método comum e construir um mapa de risco compartilhado. Especificamente, os TCs poderiam selecionar um conjunto de indicadores disponíveis, baseados em um modelo lógico orientado para os resultados de uma política descentralizada, para criar cenários de risco que ajudariam a explicar e antecipar eventual mau desempenho da política pública. Este relatório fornece recomendações detalhadas para a criação e utilização desta metodologia para selecionar tópicos de auditoria. No curso do Projeto Integrar, os TCs selecionaram o campo da educação como a área piloto. Uma vez que a abordagem seja uma prática estabelecida, os TCs poderiam estender o método a outras áreas de políticas descentralizadas.
Avaliação sistemática dos fatores de governança multinível nas auditorias
Uma auditoria eficaz num contexto descentralizado exige que os TCs levem em conta a governança multinível para cada área da política pública que será auditada. Isso pode ser feito a partir do desenvolvimento de um referencial de avaliação de governança multinível específica para cada política e da utilização desta estrutura para planejar e elaborar auditorias. Este relatório recomenda um referencial de avaliação de governança multinível genérico para o Brasil, com seis dimensões que podem ser avaliadas durante uma auditoria, incluindo: 1) atribuição de responsabilidades; 2) financiamento de responsabilidades subnacionais; 3) capacidades dos governos subnacionais e desenvolvimento de capacidade; 4) coordenação entre os níveis de governo; 5) monitoramento de desempenho e transparência; e 6) sistemas de equalização fiscal e políticas regionais para reduzir as disparidades territoriais. Além disso, o relatório propõe um referencial específico para avaliar a governança multinível na educação no Brasil, incluindo metodologia, perguntas e indicadores para definir os níveis de maturidade para cada uma dessas dimensões.
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