Nos últimos 30 anos, o Brasil desenvolveu políticas para alcançar a cobertura universal de saúde. A Constituição Federal de 1988 deu origem ao atual Sistema Único de Saúde (SUS) e, desde o seu início, praticamente toda a população é formalmente atendida pelo setor público de saúde, com benefícios e proteção financeira igualitários. Consequentemente, o Brasil obteve uma melhora significativa na maioria dos indicadores de saúde da população em geral, aumentou o acesso aos serviços de saúde e reduziu as desigualdades nessa área. A expectativa de vida ao nascer aumentou 5,7 anos, de 70,2 anos em 2000 para 75,9 anos em 2019. A taxa de mortalidade infantil diminuiu em 60%, de 30,3 mortes por 1.000 nascidos vivos em 2000 para 12,4 mortes por 1.000 nascidos vivos em 2019. A taxa de mortalidade materna também teve uma diminuição de 13 pontos percentuais no mesmo período.
No entanto, a mobilização de financiamento suficiente para a garantia da cobertura universal de saúde do SUS tem sido um desafio constante, e as ineficiências persistentes no uso dos recursos do sistema de saúde brasileiro não têm ajudado. Embora o Brasil gaste muito com saúde (9,6% do PIB em 2019 – mais do que a média da OCDE de 8,8%), 60% desse gasto é privado, deixando o Sistema Único de Saúde subfinanciado. Além disso, as projeções da OCDE indicam que as despesas com saúde devem aumentar para 12,6% do PIB até 2040, com base nas tendências demográficas e tecnológicas, no aumento da renda e na produtividade do setor de saúde.
Dada a situação econômica e fiscal desafiadora, é necessária uma reflexão importante para garantir mais recursos para o Sistema Único de Saúde brasileiro. Fundamentalmente, o Brasil precisará gastar mais e melhor em seu sistema de saúde pública para que tais despesas sejam mais eficazes para atingir as metas do sistema, sustentáveis no futuro, e possuam maior capacidade de enfrentar grandes emergências de saúde, como a COVID-19. Isso inclui a modernização do setor de atenção primária à saúde, ainda caracterizado por problemas persistentes na coordenação do atendimento em todos os níveis de serviço e com muitos pacientes que ignoram a atenção primária à saúde para buscar atendimento diretamente em clínicas especializadas ambulatoriais e hospitais. Existem também ineficiências generalizadas na prestação de serviços hospitalares no Brasil que poderiam ser combatidas, como o excesso de capacidade em períodos que não sejam caracterizados como emergência sanitária. Em 2019, apenas cerca de 52% dos leitos hospitalares eram, em média, usados para tratamento, muito abaixo da média da OCDE de 76%. Ao mesmo tempo, o Brasil também enfrentará o desafio de lidar com as necessidades futuras de longo prazo no contexto do envelhecimento da população. Estima-se que a proporção da população com 65 anos ou mais aumentará de 8,9% em 2017 para 21,9% em 2050. Será vital fazer a transição para um atendimento de cuidados de longo prazo mais formal, que atualmente não está em vigor ou existe de forma residual. Por fim, vários indicadores preocupantes apontam para a necessidade urgente de uma melhor prevenção e de uma estratégia aprimorada de saúde pública, principalmente para abordar os fatores de risco cada vez maiores para a saúde, como o consumo prejudicial de álcool e, sobretudo, o sobrepeso, que é um fator de risco conhecido não apenas para doenças crônicas não transmissíveis, mas também para infecção grave de COVID-19.
Pensando no futuro, a criação de um sistema de saúde eficiente e sustentável é um objetivo que só pode ser alcançado pelo Brasil por meio do uso inteligente de dados e de tecnologias digitais, exigindo ações políticas adequadas e supervisão . A coleta, a vinculação (ou pareamento) e a análise de dados de saúde mais amplos e aprimorados trarão ganhos e percepções significativos para o planejamento e a gestão da prestação de serviços no SUS. Isso permitiria desenvolver um sistema de saúde mais digitalizado e alcançar uma melhor compreensão do custo e da eficácia dos tratamentos médicos e dos serviços de saúde.
Esta avaliação foi elaborada pelo Secretariado da OCDE baseando-se em evidências técnicas e práticas recomendadas dos sistemas de saúde da OCDE a fim de auxiliar o Brasil no fortalecimento do desempenho de seu sistema de saúde. Ela usa indicadores e estruturas de política reconhecidos internacionalmente para analisar o desempenho do sistema de saúde brasileiro e aponta para as principais ações que o Brasil deve considerar com o objetivo de aprimorar a eficiência e a sustentabilidade do financiamento, atualizar sua infraestrutura de dados de saúde para otimizar uma transformação digital e abordar os principais fatores de risco populacionais, como sobrepeso e consumo prejudicial de álcool.