O Projeto de Avaliação Concorrencial no Brasil teve início no primeiro semestre de 2021 e foi realizado em cinco fases, conforme acordado entre o CADE e a OCDE. Este anexo descreve a metodologia seguida em cada uma das etapas do projeto.
Relatórios de Avaliação Concorrencial da OCDE: Brasil
Anexo A. Metodologia
Etapa 1: Mapeamento dos setores e coleta da legislação
O objetivo da Etapa 1 do projeto foi identificar e reunir leis e regulamentos relevantes para o setor. As principais ferramentas utilizadas para identificar a legislação aplicável foram bancos de dados on-line, os sites das autoridades pertinentes e relatórios específicos do setor emitidos por órgãos privados ou governamentais. Além disso, para garantir que todas os instrumentos normativos importantes fossem abrangidas pelo estudo, a equipe consultou membros da indústria e todos os órgãos públicos competentes envolvidos nos setores, membros do Grupo Consultivo de Alto Nível (HLAG), composto por funcionários seniores do governo.
Ao longo do projeto, as listas da legislação foram refinadas conforme instrumentos normativos adicionais eram descobertos pela equipe ou promulgados pelas autoridades, enquanto outros inicialmente identificados foram considerados irrelevantes para os setores ou revogados. No total, aproximadamente 230 instrumentos normativos foram selecionados para análise, incluindo leis, decretos, portarias, regulamentos, editais de licitação e contratos de concessão.
Outro objetivo importante da primeira etapa (que continuou durante todo o período do projeto) foi o estabelecimento de contato com o mercado por meio das principais autoridades, associações da indústria e partes interessadas privadas ativas nos setores. A equipe da OCDE realizou missões de averiguação e se reuniu com partes interessadas do governo e privadas. Entrevistas com participantes do mercado contribuíram para um melhor entendimento de como os setores estudados realmente funcionam na prática e ajudaram na discussão de possíveis barreiras decorrentes da legislação. No total, mais de 30 partes interessadas públicas e privadas contribuíram para os relatórios.
A equipe também fez uma pesquisa on-line para entender melhor as questões de cada setor por meio da perspectiva de partes interessadas privadas. O principal objetivo da pesquisa foi verificar se as partes interessadas privadas consideravam que seus setores tinham barreiras regulatórias. A equipe fez mais de 20 reuniões com associações de empresas que operam nos dois setores para apresentar a pesquisa on-line e explicar o conceito de barreira regulatória de acordo com o Guia para avaliação da concorrência. O resultado da pesquisa foi bastante útil. Em relação ao setor portuário, a equipe recebeu 63 respostas, enquanto no setor de aviação civil foram recebidas 31 respostas.
Com base nos resultados da pesquisa, nas reuniões, na discussão sobre problemas práticos que as partes interessadas enfrentam e com o respaldo de pesquisas adicionais, a equipe da OCDE identificou a legislação a ser priorizada para áreas em que existiam barreiras prima facie à concorrência e em que um impacto na concorrência poderia ser esperado em decorrência disso.
Etapa 2: Triagem da legislação e seleção de dispositivos para análise detalhada
Na segunda etapa do projeto, o principal fluxo de trabalho foi a triagem da legislação para identificar dispositivos potencialmente restritivos, bem como fornecer uma visão econômica geral dos setores em questão.
A legislação selecionada na Etapa 1 foi analisada utilizando a estrutura fornecida pelo Guia para avaliação da concorrência da OCDE. Este guia desenvolvido pela OCDE fornece uma metodologia geral para identificar obstáculos desnecessários contidos em leis e regulamentos e para desenvolver políticas alternativas e menos restritivas que ainda atinjam os objetivos governamentais. Um dos principais elementos do guia é um checklist de avaliação concorrencial que faz uma série de perguntas simples para verificar as leis e os regulamentos com o potencial de restringir a concorrência desnecessariamente (ver Quadro A A.1).
Com base na metodologia do guia, a OCDE compilou uma lista de todos os dispositivos que responderam “sim” em qualquer uma das perguntas do checklist. Os especialistas do governo e membros do HLAG receberam listas preliminares e tiveram a oportunidade de comentar. A lista final contou com quase 1.250 dispositivos com potencial para restringir a concorrência nos setores de aviação civil e portos no Brasil.
A OCDE também preparou uma visão econômica geral abrangente do setor em questão (e a refinou em etapas posteriores), abrangendo as tendências do setor e os principais indicadores, como produção, emprego e preços, incluindo comparações com outros países da América Latina e membros da OCDE, quando pertinente. A análise realizada durante essa etapa teve como objetivo fornecer informações básicas para entender melhor os mecanismos dos setores, apresentando uma avaliação geral da concorrência e esclarecendo os atores e as autoridades importantes.
Quadro A A.1. Checklist de Avaliação Concorrencial da OCDE
Uma avaliação concorrencial adicional deve ser realizada se uma legislação responder “sim” a qualquer uma das seguintes perguntas:
A) Limita o número ou a variedade de fornecedores
É provável que esse seja o caso se a lei:
1. concede a um fornecedor direitos exclusivos para fornecer bens ou serviços;
2. estabelece um processo de licenciamento, permissão ou autorização como requisito para a operação;
3. limita a capacidade de alguns tipos de fornecedores de fornecer um bem ou serviço;
4. aumenta significativamente o custo de entrada ou saída de um fornecedor;
5. cria uma barreira geográfica à capacidade das empresas de fornecer bens, serviços ou mão de obra, ou investir capital.
B) Limita a capacidade dos fornecedores de competir
É provável que esse seja o caso se a lei:
1. limita a capacidade dos vendedores de definir os preços de bens ou serviços;
2. limita a liberdade dos fornecedores de realizar publicidade ou marketing de seus bens ou serviços;
3. define padrões de qualidade do produto que proporcionam uma vantagem a alguns fornecedores sobre outros ou que estão acima do nível que certos consumidores bem informados escolheriam;
4. aumenta significativamente os custos de produção para alguns fornecedores em relação a outros, particularmente tratando os incumbentes de forma diferente dos novos entrantes.
C) Reduz o incentivo dos fornecedores de competir
Este pode ser o caso se a lei:
1. cria um regime autorregulatório ou corregulatório;
2. exige ou incentiva a publicação de informações sobre a produção, preços, vendas ou custos do fornecedor;
3. isenta a atividade de um determinado setor ou grupo de fornecedores da aplicação da lei de concorrência geral.
D) Limita as opções e informações disponíveis para os consumidores
Este pode ser o caso se a lei:
1. limita a capacidade dos consumidores de decidir de quem compram;
2. reduz a mobilidade dos clientes entre fornecedores de bens ou serviços aumentando os custos explícitos ou implícitos da troca de fornecedor;
3. altera fundamentalmente as informações de que os consumidores precisam para comprar de forma eficaz.
Fonte: (OCDE, 2019[1])
Etapa 3: Avaliação aprofundada dos danos à concorrência
Os dispositivos que passaram para a Etapa 3 foram averiguados para avaliar se poderiam resultar em prejuízos para a concorrência. Paralelamente, a equipe pesquisou os objetivos políticos dos dispositivos selecionados de modo a entender melhor a regulação. O objetivo dos formuladores de políticas foi identificado no preâmbulo da legislação, quando aplicável, por meio de discussões com as autoridades públicas relevantes e/ou por meio da literatura acadêmica.
A análise aprofundada dos prejuízos à concorrência foi realizada qualitativamente e envolveu diversas ferramentas, incluindo a análise econômica e a pesquisa sobre os regulamentos aplicados em outros países. Todos os dispositivos foram analisados com base nas orientações fornecidas pelo Guia para avaliação da concorrência da OCDE. Conversas com especialistas do governo e participantes do mercado complementaram a análise com informações cruciais sobre os objetivos dos legisladores, o processo de implementação na prática e os efeitos das disposições.
No decorrer da Etapa 3, várias outras possíveis barreiras foram retiradas da análise uma vez que os limites dos setores foram estreitados ainda mais para se concentrar exclusivamente nos serviços mais relevantes para os negócios nos setores selecionados. Ademais, após a avaliação aprofundada, a equipe concluiu que algumas das disposições selecionadas não prejudicavam a concorrência. No final da Etapa 3, restavam 618 barreiras que foram consideradas potencialmente prejudiciais à concorrência.
Etapas 4 e 5: Formulação de recomendações e relatório final
Com base nos resultados da Etapa 3, a equipe da OCDE desenvolveu recomendações para os dispositivos que se considerou que restringiam a concorrência. A equipe desenvolveu propostas de políticas alternativas que são menos restritivas para os fornecedores, ao passo em que ainda visam cumprir o objetivo inicial dos formuladores de políticas. Para esse processo, a equipe contou com a experiência internacional sempre que disponível.
Além disso, os benefícios da eliminação das barreiras à concorrência foram analisados qualitativamente e, sempre que possível e relevante, quantitativamente. Nesses casos, o impacto esperado da eliminação de uma restrição regulatória se baseou na metodologia padrão de avaliação do efeito das mudanças nas políticas sobre o excedente do consumidor. Isso é explicado no Quadro A A.2 abaixo.
Quadro A A.2. Avaliando as mudanças no excedente do consumidor
Os efeitos da alteração de regulamentos podem ser examinados como movimentos de um ponto na curva de demanda para outro. Para regulamentos que têm o efeito de limitar a oferta ou aumentar o preço, uma estimativa do benefício ou prejuízo ao consumidor decorrente da mudança de um equilíbrio para outro pode ser calculada. Em gráficos, a mudança é ilustrada como uma curva de demanda de elasticidade constante. Er mostra o equilíbrio com o regulamento restritivo, Ec mostra o ponto de equilíbrio com o regulamento competitivo. O equilíbrio competitivo é diferente do equilíbrio do regulamento restritivo de duas formas importantes: preço mais baixo e maior quantidade. Essas características são um resultado bem conhecido de muitos modelos de concorrência.
Sob o pressuposto de elasticidade constante da demanda, a equação do benefício do consumidor é a seguinte:
Em casos em que mudanças de preço são esperadas, uma fórmula básica para uma avaliação padrão do benefício ao consumidor decorrente da eliminação da restrição é:
Onde CB: medida padrão de prejuízo ao consumidor, ρ: variação percentual no preço relacionada à restrição, R: receita do setor e 𝜖: elasticidade da demanda. Quando a elasticidade não é conhecida, uma suposição relativamente padrão é |𝜖|=2. Esse valor corresponde a uma demanda mais elástica do que a existente em um mercado de monopólio, porém, menor do que a demanda perfeitamente elástica existente em um mercado competitivo. Sob essa suposição, a expressão acima é simplificada para:
Diversas suposições econômicas foram feitas:
Supomos quaisquer impostos, ou seja, qualquer implicação resultante do regime de tributação sobre o excedente do consumidor.
Supomos uma função de demanda regular, linear (ou quase linear), sem prazo aleatório.
Supomos que o conjunto de serviços dentro de cada setor constitui um “serviço composto” com “volume” Q, pelo qual um “preço composto” P é cobrado no mercado.
Supomos que o equilíbrio entre os diferentes serviços dentro de cada “serviço composto” não muda, ou muda apenas de forma insignificante, após as mudanças de preço que podem resultar da implementação das recomendações emitidas.
Não levamos em consideração nenhuma interdependência entre os níveis de preço e qualidade (embora mudanças em qualquer um deles possam afetar o outro). Isso equivale à suposição de que a “qualidade” dos diferentes serviços permanece constante ou sofre mudanças insignificantes. “Qualidade” é um termo que pode envolver uma distribuição de níveis de qualidade dependendo de quem fornece o serviço. A média de qualidade poderia permanecer inalterada em virtude da implementação de uma determinada recomendação, mas a distribuição dessa qualidade entre os diferentes prestadores de serviços poderia mudar (spread de preservação da média (mean-preserving spread)). Neste último caso, mesmo com uma média inalterada, haveria efeitos de bem-estar apenas devido à mudança na distribuição de preservação da média dos níveis de qualidade.
Aqui, não fazemos distinção entre as funções de demanda Marshalliana (relação entre preços e renda) e a Hicksiana (relação entre preços e utilidade). Em qualquer caso, uma vez que faremos suposições de determinados valores para as elasticidades da demanda (𝜖 = 2), esses valores podem ser presumidos para qualquer um desses dois tipos de funções de demanda.
Fonte: (OCDE, 2019[2])
As recomendações preliminares foram apresentadas ao HLAG. Após consulta com as partes interessadas públicas relevantes, as recomendações foram finalizadas e este relatório final foi preparado. No total, 368 recomendações foram apresentadas ao governo brasileiro.
Cooperação com o governo brasileiro
Outro componente importante do projeto foi dar assistência na construção das capacidades de avaliação concorrencial do governo brasileiro. A OCDE organizou três workshops durante o decorrer do projeto. Na Etapa 2 do projeto, foi abrangida uma introdução à concorrência e regulação e uma visão geral do projeto e da metodologia na etapa de mapeamento. Na Etapa 3, a equipe forneceu treinamento prático sobre o Guia para avaliação da concorrência da OCDE aplicado na triagem da legislação. Nas Etapas 4 e 5, especialistas do setor forneceram contribuições técnicas sobre a concorrência e o Índice de Restrição ao Comércio de Serviços da OCDE (Services Trade Restrictiveness Index) foi apresentado.
Os especialistas do governo brasileiro forneceram uma contribuição significativa no exercício de mapeamento da legislação comentando se os regulamentos coletados eram abrangentes. Posteriormente, a estreita cooperação com os especialistas do governo continuou com a identificação dos objetivos da legislação em seus setores de especialização e discussão sobre as disposições identificadas pela OCDE como restritivas com base no Checklist da Avaliação Concorrencial. No todo, a equipe da OCDE fez mais de 80 reuniões com os ministérios e autoridades nacionais e com as partes interessadas, incluindo especialistas nos setores.