Este capítulo fornece um comentário sobre o princípio de supervisão contido na Recomendação da OCDE do Conselho sobre Integridade Pública. Ele descreve como a supervisão e o controle externos fortalecem a prestação de contas e a responsabilização dentro do sistema de integridade pública. Concentra-se em promover respostas de organizações do setor público aos conselhos dos órgãos de supervisão e mecanismos para fortalecer a capacidade de resposta dos órgãos de supervisão às reclamações e alegações. Também explora o papel dos órgãos de supervisão na garantia do cumprimento imparcial de leis e regulamentos. O capítulo aborda os dois desafios comumente enfrentados a esse respeito: a tempestividade das decisões para evitar criar uma sensação de impunidade e garantir o acesso a recursos processuais e os ônus e a efetividade do cumprimento da lei.
Manual de Integridade Pública da OCDE
12. Supervisão
Abstract
12.1. Por que Supervisão?
O escrutínio e a supervisão externos são partes essenciais de um sistema de integridade. As organizações e os agentes públicos são responsáveis por suas decisões, ações e despesas. A supervisão contribui para a efetividade do sistema de integridade pública, notadamente por meio de respostas adequadas dos órgãos públicos às recomendações dos órgãos de supervisão; tratamento eficaz de reclamações e denúncias, por meio de procedimentos próprios dos órgãos de supervisão e das organizações públicas; e o cumprimento imparcial de leis e regulamentos em todo o setor público. Além de criar mecanismos específicos para estabelecer e fortalecer a prestação de contas e a responsabilização no setor público, a supervisão pode promover o aprendizado por meio da avaliação e o destaque de práticas ruins e boas. Além disso, os relatórios de supervisão podem informar a estratégia de integridade, bem como políticas e reformas. Alguns órgãos de supervisão também exercem funções essenciais de integridade (por exemplo, proteção de denunciantes ou coleta e verificação de divulgação de ativos).
A Recomendação da OCDE sobre Integridade Pública afirma que os membros devem “reforçar o papel da supervisão e do controle externo dentro do sistema de integridade pública, em particular por meio de:
a. Facilitação do aprendizado organizacional e demonstração da prestação de contas e responsabilização das organizações do setor público, através do fornecimento de respostas adequadas (incluindo reparação, quando relevante) às sanções, decisões e conselhos formais por órgãos de supervisão (como entidades fiscalizadoras superiores, ouvidorias ou comissões de informação), agências reguladoras de fiscalização e tribunais administrativos;
b. Garantia de que os órgãos de supervisão, agências reguladoras de fiscalização e tribunais administrativos, que reforcem a integridade pública, respondam às informações sobre suspeitas de irregularidades ou má conduta recebidas de terceiros (como reclamações ou denúncias apresentadas por empresas, funcionários e outros indivíduos);
c. Garantia do cumprimento imparcial de leis e regulamentos (que podem se aplicar a organizações públicas e privadas e indivíduos) por agências reguladoras de fiscalização” (OECD, 2017[1]).
12.2. O que é supervisão?
A prestação de contas e a responsabilização no setor público ajudam a incutir confiança de que o setor público está sendo administrado adequadamente. É uma relação entre um ator e um fórum em que o ator tem a obrigação de explicar e justificar sua conduta; o fórum pode fazer perguntas e julgar, e o ator pode enfrentar consequências (Bovens, 2006[2]). Assim, um modelo abrangente de prestação de contas e responsabilização pública compreende duas dimensões:
Dever de prestar contas: a obrigação de fornecer informações, esclarecimentos, explicações e justificativas
Aplicaçao da lei e sanção: ação formal contra conduta ilegal, incorreta, ineficiente ou ineficaz da instituição responsável ou funcionário público (Schedler, Diamond and Plattner, 1999[3]; Pelizzo and Stapenhurst, 2013[4]).
Tanto o dever de prestar contas quanto a aplicação da lei e a sanção requerem uma configuração institucional adequada em dois níveis: 1) mecanismos internos (dentro da cadeia burocrática de comando) e 2) mecanismos externos de supervisão e controle. Os mecanismos de controle interno, conforme discutido no Capítulo 10, podem eliminar a maioria das irregularidades e fornecer informações nas quais os órgãos externos de supervisão podem se basear. No entanto, os mecanismos de controle interno podem carecer de independência e objetividade na investigação de irregularidades. Portanto, mecanismos de supervisão internos e externos são necessários para garantir um esquema de supervisão abrangente para todos os órgãos públicos.
Este capítulo concentra-se exclusivamente em mecanismos externos de responsabilização, em particular em instituições independentes e especializadas de supervisão e controle. Figura 12.1 detalha a tipologia e a posição dos órgãos externos de supervisão entre os vários mecanismos de responsabilidade e fiscalização.
Dentro da tipologia de órgãos externos de supervisão, controle e fiscalização, os quatro grupos de instituições a seguir estão focados:
ouvidorias: atribuições gerais e especializadas
Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFS)1
tribunais administrativos: tribunais administrativos especializados e tribunais de jurisdição geral que fornecem revisão judicial independente e imparcial de ações e omissões administrativas
agências reguladoras de fiscalização: órgãos responsáveis por melhorar a conformidade com leis e regulamentos e atingir as metas de regulação entre órgãos públicos e privados.
Ouvidorias, EFSs e tribunais administrativos são explicitamente encarregados de supervisionar os órgãos públicos. As agências reguladoras, no entanto, têm um campo de atuação mais amplo. Essas agências se concentram principalmente na inspeção de mercados e atividades relevantes de entidades públicas e semi-públicas, empresas privadas e indivíduos que criam riscos específicos para vários bens públicos, incluindo saúde pública, educação, segurança e meio ambiente. Embora não sejam explicitamente encarregados de supervisionar os órgãos públicos, as agências reguladoras de fiscalização são elementos necessários dos sistemas de integridade pública, pois suas atribuições também abrangem a supervisão de instituições públicas e empresas estatais. Tabela 12.1 resume as principais características, semelhanças e diferenças entre os órgãos de supervisão.
Tabela 12.1. Órgãos de supervisão: Principais características, semelhanças e diferenças
Tipo de órgão |
Status |
Missão |
Poderes |
---|---|---|---|
Ouvidorias especializadas, comissários de informação |
Órgãos independentes, que prestam contas ao poder legislativo, muitas vezes gozando de status constitucional. |
Proteger e promover direitos e liberdades. |
Investigar violações de direitos humanos e liberdades por órgãos executivos; emitindo recomendações nesses casos e em assuntos gerais. |
Entidades Fiscalizadoras Superiores |
Órgãos independentes do executivo com poderes, muitas vezes, consolidados pela Constituição. |
Garantir a legalidade, a eficiência, a efetividade e a gestão financeira e de desempenho no setor público. |
Realização de auditoria externa e independente de legalidade, regularidade e desempenho de órgãos e políticas públicas; emitir recomendações sobre medidas corretivas. As EFSs com atividades jurisdicionais também podem impor passivos financeiros. |
Tribunais administrativos |
Órgãos judiciais independentes e imparciais. |
Fornecer revisão judicial independente acerca da legalidade das ações administrativas. |
Anulação de atos administrativos ilícitos, exigindo que a administração tome medidas corretivas. |
Agências reguladoras de fiscalização |
Órgãos executivos que gozam de garantias especiais de independência funcional. |
Melhorar e promover a conformidade com regras e regulamentos e tratados internacionais entre organizações públicas e privadas. |
Realizar inspeções, seguidas de sanções em caso de descumprimento, licenciar, credenciar, permitir ou aprovar atividades econômicas. |
Embora existam várias maneiras de configurar as instituições, juntamente com as ferramentas e mecanismos que um país pode usar para realizar a supervisão externa, as seguintes linhas de ação são essenciais:
promover respostas adequadas por parte das organizações do setor público aos conselhos dos órgãos de supervisão
fortalecer o tratamento eficaz de reclamações e denúncias por órgãos de supervisão
assegurar a aplicação imparcial de leis e regulamentos por órgãos de supervisão.
12.2.1. Promover respostas adequadas por parte das organizações do setor público aos conselhos dos órgãos de supervisão
Para facilitar o aprendizado organizacional e demonstrar a prestação de contas e responsabilização das organizações do setor público, são necessárias respostas adequadas às sanções, decisões e conselhos formais dos órgãos de supervisão. Além disso, os arranjos de boa governança aumentam a perspectiva de implementação bem-sucedida das recomendações e conselhos dos órgãos de supervisão (ANAO, n.d.[5]). Ao estabelecer um sistema de rastreamento e monitoramento, é essencial que as organizações públicas atribuam responsabilidades claras, conectem o sistema de rastreamento e monitoramento ao ciclo de gestão e controle e comuniquem regularmente o status da implementação aos órgãos internos e externos relevantes.
O sistema de rastreamento e monitoramento deve incluir elementos básicos, como o conselho e o órgão que o forneceu, a data em que o conselho foi emitido e a data em que a resposta deve ser dada. Se uma data de resposta não for fornecida pelo órgão de supervisão e não estiver descrita em uma lei ou regulamento relevante, as organizações do setor público devem definir um prazo razoável para responder a todos os conselhos, recomendações e sanções que receberam. Para apoiar a implementação, as organizações públicas também devem designar um indivíduo dentro da organização que será responsável por implementar e/ou responder ao conselho, bem como atualizar a alta administração sobre o status da implementação (Quadro 12.1). Os gestores responsáveis pela implementação de conselhos ou recomendações podem tomar várias medidas, dependendo da gravidade ou complexidade de tais conselhos ou recomendações. Um painel de acompanhamento, destacando os assuntos mais importantes e/ou urgentes em vermelho, pode ser usado para definir e destacar prioridades.
Quadro 12.1. Responsabilidades claramente atribuídas para garantir a implementação das recomendações de auditoria
Na Austrália, após uma auditoria do Escritório Nacional de Auditoria da Australia (Australian National Audit Office -ANAO), o Departamento de Agricultura atribuiu a responsabilidade pelo progresso de cada uma das recomendações individuais do ANAO a um indivíduo experiente específico. A responsabilidade geral da gestão foi atribuída ao vice-secretário responsável pela função. O indivíduo responsável foi solicitado a fornecer atualizações sobre o andamento da implementação, com o vice-secretário fornecendo a aprovação final.
Fonte: (ANAO, n.d.[5]).
Para acompanhar as recomendações das EFSs e outros órgãos externos de supervisão, um comitê de auditoria semelhante aos normalmente existentes no setor privado pode ajudar a supervisionar a implementação das recomendações. Um comitê de auditoria fornece aconselhamento e garantia ao chefe de uma entidade sobre a adequação da estrutura de responsabilização e controle da entidade e sobre o status da implementação das recomendações da EFS. Para serem eficazes, os comitês de auditoria são dotados de certa autonomia ou independência e se reúnem regularmente (Quadro 12.2).
Quadro 12.2. Comitês de auditoria do setor público na Austrália
De acordo com a aLei de Governança , Desempenho e Responsabilização Pública da Australia de 2013 (Lei PGPA), toda entidade do governo australiano é obrigada a ter um comitê de auditoria. Na Austrália, um comitê de auditoria deve ser composto por, pelo menos, três pessoas que tenham qualificações, conhecimentos, habilidades e experiência adequados para garantir que o comitê desempenhe suas funções. A maioria dos membros do comitê de auditoria deve ser independente: não devem ser funcionários ou agentes da entidade. Além disso, a autoridade máxima da entidade, o diretor financeiro e o diretor executivo não podem ser membros do comitê de auditoria. A independência do comitê em relação às atividades cotidianas da administração ajuda a garantir sua objetividade, imparcialidade e isolamento com relação a conflitos de interesses, parcialidade ou influência externa indevida.
As funções do comitê de auditoria precisam ser descritas em um estatuto e devem incluir que o comitê revise a adequação dos relatórios financeiros da entidade; relatórios de desempenho; sistemas de supervisão, incluindo auditoria interna e auditoria externa; sistemas de gestão de risco; e sistemas de controle interno.
Em relação à função de auditoria, os comitês de auditoria podem:
aconselhar o chefe da entidade sobre os planos de auditoria interna
aconselhar sobre os padrões profissionais a serem usados pelos auditores internos durante a realização de auditorias
revisar a adequação da resposta da entidade às recomendações de auditoria interna e externa
revisar o conteúdo dos relatórios de auditorias internas e externas para identificar material relevante para a entidade
aconselhar a autoridade responsável sobre boas práticas.
O Escritório Nacional de Auditoria da Australia (Australian National Audit Office - ANAO), como instituição superior de auditoria do país, é convidado a participar das reuniões do comitê de auditoria como observador. Em cada reunião são lavradas atas que são entregues à gestão e disponibilizadas ao ANAO. Os membros do comitê também informam a alta administração sobre as atividades do comitê de auditoria e discutem o progresso em áreas selecionadas, por exemplo, em relação à implementação das recomendações de auditoria.
A contribuição dos órgãos de supervisão também é útil para melhorar a legalidade, probidade, eficácia e eficiência das organizações públicas. As contribuições dos órgãos de supervisão também podem contribuir para melhores políticas governamentais, incluindo políticas de integridade. Por exemplo, o trabalho das EFSs em auditorias de desempenho relacionadas a políticas governamentais tem grande potencial para apoiar a formulação, implementação e avaliação do sistema de integridade. Sua análise externa e objetiva contribui para reformas e políticas públicas baseadas em evidências, e sua visão transversal permite que eles avaliem de forma abrangente a efetividade e a eficiência dos programas governamentais, incluindo aqueles sobre integridade (OECD, 2016[7]). Especificamente relevantes neste contexto, são as auditorias de integridade realizadas pelas EFSs. Podem ser auditorias sobre a gestão de integridade da organização ou a implementação de regulamentos relevantes, como gerenciamento de conflitos de interesses. No entanto, também podem ser auditorias em todo o governo sobre a implementação e o desempenho da política de integridade dos governos e até mesmo uma auditoria da infraestrutura de integridade de um país.
Além disso, ao implementar funções essenciais de integridade, como conduzir auditorias de integridade, verificar a divulgação de ativos e valores e fornecer orientação ética, as funções de supervisão podem usar sua posição no sistema de integridade para apoiar o aprendizado organizacional. Por exemplo, na Áustria, o Tribunal de Contas (Court of Audit - ACA) é um ator fundamental no sistema de integridade, em razão da realização de auditorias de integridade de organizações públicas. A ACA avalia se os mecanismos existentes são adequados para prevenir a corrupção nas organizações públicas e publica as recomendações para aumentar a transparência, bem como o escrutínio público e a conscientização sobre essas questões. 2A contribuição das instituições de ouvidoria também pode proporcionar melhorias nos serviços ou políticas públicas, principalmente aprendendo com os resultados das investigações que realizam. Uma ferramenta específica que as ouvidorias podem usar para sugerir mudanças de política é a investigação de “iniciativa própria”, que permite que a ouvidoria inicie uma investigação sem antes ter recebido uma reclamação individual (International Ombudsman Institute, 2018[8]). As investigações de iniciativa própria são utilizadas para abordar a causa raiz de um problema que deu origem a várias queixas semelhantes. As descobertas podem embasar uma resposta precoce a um problema antes que ele se agrave, ou podem permitir que o a ouvidoria emita recomendações sobre um assunto problemático que afeta várias organizações públicas. Além disso, as investigações de iniciativa própria podem chamar a atenção para assuntos de interesse público, bem como gerar discussão sobre questões políticas e legislativas. Finalmente, tais investigações podem trazer, para a arena política, vozes que raramente reclamam, raramente são ouvidas ou são incapazes de reclamar, contribuindo assim para melhorar o acesso na formulação de políticas públicas (International Ombudsman Institute, 2018[8]).
Como as EFSs e as instituições de ouvidoria geralmente emitem relatórios para o Poder Legislativo nacional, este também pode apoiar a implementação de suas recomendações. Por exemplo, o Poder Legislativo pode criar um comitê ou subcomitê especial para monitorar regularmente a implementação dos pareceres dos órgãos de supervisão e exigir que os órgãos governamentais relatem seu desempenho neste assunto. Garantir que os órgãos de supervisão tenham acesso ao Poder Legislativo e a oportunidade de apresentar os resultados de seu trabalho tanto nas comissões relevantes quanto nas sessões plenárias também pode ajudar a apoiar a implementação.
No que diz respeito às agências reguladoras, suas recomendações são dirigidas principalmente às entidades reguladas, mas os departamentos governamentais relevantes também podem monitorar essas recomendações. Em particular, o monitoramento pode detectar áreas onde as violações dos regulamentos são mais graves ou frequentes e indicar onde há necessidade de intervenção política ou monitoramento reforçado. Suas recomendações incluem principalmente as que tratam da implementação de padrões de integridade, princípios de eficiência e transparência e regras de conflito de interesses (OECD, 2019[9]). Sempre que as recomendações das agências reguladoras se referem a operadores de mercado estatais ou outras instituições públicas, elas podem ser analisadas e monitoradas pelos departamentos governamentais que as supervisionam (OECD, 2019[9]).
A efetiva execução das decisões dos tribunais administrativos requer vários mecanismos, dependendo da natureza e conteúdo da decisão. Por exemplo, se o tribunal administrativo aceitar uma reclamação sobre o silêncio administrativo, deve estabelecer um prazo vinculativo para a administração resolver o caso. Para resolver reclamações contra a legalidade de atos administrativos, o tribunal exige amplas competências para corrigir de forma plena e eficaz ações e decisões irregulares da administração pública, tais como:
o poder não apenas de anular decisões administrativas ilegais, mas também de substituir esses atos por sua decisão final, resolvendo o caso no mérito
o poder de impor sanções (por exemplo, multas) a órgãos administrativos ou agentes públicos individuais responsáveis por atos ilegais que causem danos a cidadãos ou empresas.
12.2.2. Reforçar o tratamento eficaz de reclamações e denúncias pelos órgãos de supervisão
O tratamento de reclamações e denúncias é outra função-chave dos órgãos de supervisão (para mais informações, consulte os Capítulos 9 e 10). Entre eles, as ouvidorias são comumente obrigadas por lei a registrar e processar denúncias individuais de todas as pessoas físicas e jurídicas sobre violações de seus direitos e liberdades por autoridades públicas, incluindo denúncias de violações de integridade por organizações públicas. Algumas instituições de ouvidoria também têm a tarefa específica de receber denúncias de delatores e fornecer proteção a eles. Por exemplo, desde 2016, a Defensoria Francesa de Direitos, encarregada de proteger os direitos e liberdades dos indivíduos e promover a igualdade, é responsável por proteger os denunciantes e encaminhá-los às autoridades competentes, conforme o caso. A ouvidoria publica orientações e apoia os denunciantes em seus encaminhamentos a outras autoridades responsáveis, protegendo-os, se necessário, de qualquer tipo de retaliação que possa ser tentada contra eles (HATVP, 2019[10]).
Independentemente de haver ou não uma atribuição de integridade específica, o tratamento eficaz de reclamações e denúncias requer acesso claro e respostas oportunas. As ouvidorias podem facilitar a apresentação de denúncias aceitando diversos canais de envio, como envio presencial, relatórios escritos e denúncias enviadas por meio de canais eletrônicos, incluindo redes sociais. Da mesma forma, embora não haja prazo para a apreciação dos casos, toda reclamação requer tratamento em tempo razoável. Cartas de serviço podem aumentar a conscientização sobre o direito de reclamar, as competências da instituição, o alcance da jurisdição e os padrões de atendimento em termos de resposta.
Uma vez que o relatório seja considerado e aceito, as recomendações da ouvidoria devem ser endereçadas à instituição pública relevante e o solicitante informado sobre as ações realizadas. O desenvolvimento de mecanismos para monitorar a implementação das recomendações das ouvidorias também é crucial (Quadro 12.3).
Quadro 12.3. Monitoramento da implementação das recomendações: O caso da Ouvidoria de Ontário
O Escritório da Ouvidoria de Ontário estabeleceu uma Equipe Especial de Resposta da Ouvidoria (Special Ombudsman Response Team - SORT) composta por investigadores especializados em investigações sistêmicas aprofundadas. Um elemento importante do trabalho da equipe é o monitoramento robusto pós-investigação para garantir que as recomendações baseadas em suas investigações sistêmicas sejam devidamente implementadas e observadas pelos órgãos públicos. Cada relatório do SORT contém uma recomendação explícita ao órgão relevante para relatar o progresso na implementação das recomendações, por escrito e em intervalos específicos. Os intervalos de notificação são definidos individualmente, com base nas circunstâncias específicas do caso e na natureza das recomendações. Os relatórios apresentados por esses órgãos são posteriormente analisados pelo SORT, e as informações sobre o andamento da implementação das recomendações são publicadas em relatórios anuais ou no site da Ouvidoria. Em sua avaliação, o SORT também conta com outras fontes de informação (por exemplo, contatando grupos de interesse especial ou de defesa) e engaja o público por meio de notícias e mídias sociais para garantir que as recomendações não sejam ignoradas.
Caso o desempenho dos órgãos públicos na implementação das recomendações da Ouvidoria não seja satisfatório, os próximos passos podem envolver a tentativa de resolver os problemas de maneira informal e colaborativa ou, como último recurso, iniciar outra investigação.
A fim de melhorar sua capacidade de resposta e abertura, os órgãos de supervisão podem desenvolver uma estratégia para aprimorar a comunicação e aumentar a participação do público. Com mais visibilidade e confiança entre os cidadãos, os órgãos de supervisão podem ter maior impacto na administração pública. As recomendações podem ser publicadas e divulgadas por meio de diversos canais de comunicação, como comunicados à imprensa, mídias sociais e apresentações públicas. A visibilidade das ouvidorias também pode ser melhorada com maior presença territorial da instituição. Por exemplo, a Ouvidoria da Polônia organiza consultas regionais (Quadro 12.4).
Quadro 12.4. Consultas regionais realizadas pela Ouvidoria da Polônia
A Ouvidoria da Polônia desenvolve um programa de consultas regionais desde 2016. Todos os anos, O ouvidor e a sua equipa visitam vários municípios (49 em 2016; 58 em 2017; 38 em 2018). Estas reuniões com a Ouvidoria são abertas a todos os participantes interessados. Eles são acompanhados por consultas com OSCs locais e acadêmicos. Durante as visitas, reclamações individuais podem ser encaminhadas diretamente à equipe da Ouvidoria, resultando em um aumento sistemático do número total de casos recebidos e investigados pela Ouvidoria nos últimos anos. Respectivamente, foram examinados 25.642 e 25.711 casos apenas em 2016 e 2017, de um total de 52.551 e 52.836 pedidos. As reuniões regionais também permitiram à Ouvidoria identificar novas áreas de violações sistêmicas de liberdades e direitos nas organizações públicas.
No que diz respeito às entidades fiscalizadoras superiores, a publicação de relatórios de auditoria não é suficiente para fortalecer a confiança do público. A função das EFSs evoluiu, com algumas agora desempenhando um papel de previsão, onde os resultados de sua coleta de dados podem ser usados para analisar relevância, desempenho e alternativas aos processos públicos existentes. Por sua vez, esses resultados e recomendações alimentam o estágio de formulação de políticas públicas (OECD, 2016[7]). Algumas EFSs se envolveram notavelmente no fortalecimento de sistemas de gestão de recursos humanos baseados no mérito e na sua transformação de sistemas baseados em carreira para sistemas baseados em cargos, onde os riscos de corrupção podem surgir do fluxo de agentes entre os setores público e privado (portas giratórias) ou de atividades de lobby. Na Áustria e no Reino Unido, as avaliações das EFSs contribuíram para aumentar a transparência e a integridade das parcerias público-privadas e dos contratos públicos, fortalecendo a proteção aos denunciantes e definindo salvaguardas contra influências indevidas nos processos decisórios públicos.
Tradicionalmente, como órgãos de fiscalização parlamentar do executivo, as EFS não eram obrigadas a interagir com os cidadãos, pois o legislativo era sua principal contrapartida. A evolução de seu papel para se tornar o vigilante público mais proeminente pode ser acompanhada pela abertura das EFSs às contribuições e ao engajamento dos cidadãos (OECD, 2017[14]). As EFS podem considerar a possibilidade de os cidadãos apresentarem reclamações e propostas de temas ou órgãos públicos a serem auditados. Cidadãos e organizações da sociedade civil também podem ser convidados a compartilhar feedback sobre a implementação das recomendações das EFSs (UN Department of Economic and Social Affairs, 2013[15]).
EFSs, ouvidorias e agências reguladoras também podem coletar informações por meio de monitoramento sistemático da mídia, incluindo, não apenas meios de comunicação nacionais, mas também regionais e locais que relatam supostas irregularidades da administração. Nesses casos, os órgãos de supervisão podem iniciar investigações de ofício, sem solicitação formal dos cidadãos afetados. As instituições de supervisão podem criar uma equipe ou unidade encarregada da coleta de dados do monitoramento da mídia.
A competência dos tribunais administrativos poderia abranger todas as ações e omissões dos órgãos que exercem funções públicas. Os prazos para a apresentação de um caso (recursos, reclamações contra ações e omissões administrativas) precisam ser longos o suficiente para garantir que a parte possa preparar a apresentação e coletar todas as informações necessárias. A acessibilidade à justiça administrativa é essencial. As custas judiciais não devem impedir os necessitados de acessar à justiça e à assistência judiciária. Além disso, o processamento dos casos pelos tribunais em um prazo razoável ajuda a garantir a confiança no sistema judicial. Em alguns países, a legislação impõe prazos para que os tribunais administrativos considerem os casos e/ou emitam uma decisão, podendo ser prorrogados em circunstâncias específicas e complexas.
Reclamações individuais e denúncias de irregularidades por entidades reguladas também podem ser levadas em consideração pelas agências reguladoras de fiscalização no planejamento das atividades de inspeção. Esses órgãos podem garantir que sejam tomadas as medidas necessárias para permitir que o público apresente reclamações e registre denúncias por meio de diversos canais (pessoalmente, por escrito, por telefone ou por formulários disponíveis no sítio eletrônico), com envio gratuito e redução da carga burocrática ao mínimo necessário, por exemplo, descrevendo o caso e fornecendo ao requerente os dados de contato. Campanhas de conscientização sobre as tipologias e riscos associados a irregularidades podem ser usadas para incentivar o público a denunciar (Quadro12.5). As agências precisam analisar cuidadosamente as informações recebidas de terceiros para distinguir entre reclamações fundamentadas que indicam infrações aos regulamentos e reclamações que expressam insatisfação geral com os serviços prestados pelas entidades reguladas (OECD, 2014[16]). Além disso, os governos podem garantir que as agências reguladoras adotem procedimentos e processos para lidar com reclamações e denúncias que forneçam fortes evidências de um risco importante e iminente (OECD, 2014[16]).
Quadro12.5. “É ruim para você, prejudicial para todos”: aumentar a conscientização sobre o direito de denunciar irregularidades em Portugal
Em 2014, a Autoridade Portuguesa para as Condições do Trabalho (ACT) lançou uma campanha de sensibilização contra o trabalho não declarado. Tal campanha foi inspirada na suposta proliferação de trabalho não declarado devido à crise económica. A campanha foi dirigida tanto aos empregadores como aos trabalhadores. O principal objetivo era utilizar medidas de sensibilização para promover a transformação do trabalho não declarado em emprego regular. Além de cartazes, livretos e panfletos foram distribuídos entre trabalhadores e empresas, sessões de sensibilização foram organizadas não só para empregadores, mas também para escolas primárias e secundárias. Foi também lançado uma central de atendimento telefônico e FAQ no site da ACT. A campanha foi complementada por anúncios na imprensa e na rádio. Como resultado, durante o período de 2014/2015 foram identificados cerca de 9 000 casos de trabalho não declarado e o estatuto destes trabalhadores foi alterado para emprego regular.
Fonte: European Platform Undeclared Work, Practice fiche: Awareness-Raising Campaign, Portugal, https://ec.europa.eu/social/main.jsp?pager.offset=5&catId=1495&langId=en
12.2.3. Garantir o cumprimento imparcial de leis e regulamentos por órgãos de supervisão
O princípio da supervisão também exige que os membros garantam o cumprimento imparcial de leis e regulamentos, que podem ser aplicados a organizações ou indivíduos, do setor público e privado, por agências reguladoras de fiscalização (OECD, 2017[1]). Esse requisito pode ser atendido se as agências reguladoras estiverem livres da influência indevida de tomadores de decisões políticas e grupos de interesse, e permanecerem sujeitas à responsabilização externa, particularmente à revisão judicial de suas decisões.
A independência das agências reguladoras tem duas dimensões (OECD, 2018[17]): 1) independência formal (de jure) que exige que as agências reguladoras permaneçam fora da cadeia de comando burocrática e hierárquica de um ministério; e 2) independência real (de fato), que se refere à autodeterminação da agência no uso de medidas regulatórias (Hanretty and Koop, 2012[18]).
Impedir que os tomadores de decisões políticas deem instruções ou adotem orientações e direcionamentos vinculantes sobre as medidas e prioridades das agências reguladoras de fiscalização promove sua independência formal. As agências podem ter ampla independência na seleção das entidades reguladas a serem inspecionadas e na decisão sobre as medidas a serem aplicadas, incluindo sanções. Os órgãos de gestão das agências podem ser escolhidos através de procedimentos abertos e transparentes por prazo determinado, com possibilidade limitada de demissão antecipada por motivos consagrados na legislação. A sua independência assenta também na sua autonomia na definição da sua organização interna, bem como na sua gestão de recursos humanos e de sua gestão financeira.
Prestação de contas e transparência são o outro lado da moeda da independência (OECD, 2018[17]). De fato, essas agências estão sujeitas a mecanismos de supervisão e controle para garantir que atinjam efetivamente os objetivos políticos considerados pelo governo e pelo legislador como de interesse público. Uma definição clara dos objetivos das agências reguladoras, indicadores de desempenho abrangentes e significativos e relatórios regulares sobre seu desempenho ao legislativo – como comitês de supervisão legislativa, diretamente ou por meio de seu ministro – podem apoiar esse objetivo (OECD, 2014[19]).
O princípio da independência das agências reguladoras não implica em falta de supervisão governamental de suas atividades. Por exemplo, os respectivos departamentos governamentais podem ter poderes para definir objetivos e metas de desempenho para agências que operam nas políticas públicas sob seu domínio, abstendo-se de interferir na gestão das atividades do dia-a-dia e nos processos administrativos individuais. Os objetivos e metas podem refletir objetivos políticos e prioridades mais amplos do governo, bem como abordar os principais riscos nos domínios relevantes. As agências reguladoras também podem fornecer aos departamentos governamentais relevantes informações atualizadas do campo sobre os principais riscos de corrupção ou deficiências da regulamentação.
Embora a independência formal de jure possa criar condições favoráveis para aumentar a independência de fato, não pode eliminar totalmente o risco de influência indevida (OECD, 2017[20]). Para lidar com esse risco, os reguladores precisam construir e sustentar uma cultura de independência forte e institucionalmente proativa que irá reforçar suas práticas e comportamentos diários (OECD, 2014[19]). Uma revisão da OCDE dos arranjos de governança de 130 reguladores econômicos (a maioria dos quais detém poderes de execução) em 38 países mostra que há uma associação positiva entre independência e prestação de contas. Esses resultados confirmam os achados da pesquisa Regulação de Produtos de Mercado, realizada pela OCDE, em 2013 (Koske et al., 2016[21]), indicando que, para os reguladores do setor econômico, uma maior autonomia é acompanhada por estruturas de prestação de contas mais fortes. Os coeficientes de correlação podem ser vistos em todos os setores analisados (energia, comunicações eletrônicas, transporte ferroviário e aéreo e água) e são particularmente fortes para reguladores nos setores de energia e comunicações eletrônicas. (Casullo, 2019[22]).
Reduzir o risco de influência indevida de políticos e indústrias regulamentadas sobre as agências reguladoras exige garantias formais de independência e, além disso, reforça ativamente a autodeterminação das agências (OECD, 2018[17]). Dessa forma, os governos podem levar em consideração os aspectos que afetam o grau de independência real das agências, apresentados na Tabela 12.2.
Tabela 12.2. Fatores que determinam a independência de fato das agências reguladoras
Agência - funcionários eleitos |
Proporção do fluxo de indivíduos entre cargos nos setores público e privado (portas giratórias)3 |
Frequência de contatos |
|
Influência nos orçamentos das agências |
|
Influência da organização interna das agências |
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Peso da filiação partidária nas indicações |
|
Vulnerabilidade política das agências – saída antecipada de membros do conselho |
|
Agência - regulados |
Proporção do fluxo de indivíduos entre cargos nos setores público e privado (portas giratórias) |
Frequência de contatos |
|
Adequação do orçamento da agência para suas tarefas |
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Adequação dos recursos organizacionais |
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Proximidade da atividade profissional dos conselheiros |
|
Assuntos e relacionamentos pessoais |
Fonte: (Maggetti, 2012[23]).
Para abordar os aspectos que afetam a independência dessas agências, alguns países – como Canadá e Noruega – desenvolveram políticas e padrões para os gestores das agências reguladoras (ver Quadro 12.6, bem como o Capítulo 13).
Quadro 12.6. Padrões de emprego pós-público para o serviço público no Canadá e na Noruega
Canadá: Além das normas para gerenciar conflitos de interesse, a Diretiva sobre Conflito de Interesses, que substitui a antiga Política de Conflitos de Interesses e Pós-Emprego, impõe algumas obrigações pós-emprego ao pessoal que deixa o serviço público.
Antes de deixar o serviço público, todos os servidores públicos são obrigados a divulgar potenciais empregos futuros ou atividades que representem risco de conflito de interesses com suas funções na administração pública. Os secretários executivos de cada instituição pública também são obrigados a designar cargos na estrutura interna que possam enfrentar riscos específicos de conflito de interesses pós-emprego. Relativamente a estes colaboradores, foi introduzido um período de quarentena obrigatória de um ano.
Durante este período, salvo autorização do secreário-executivo, estão em vigor várias restrições, incluindo:
aceitar nomeação para órgãos de administração ou ofertas de emprego em entidades com as quais teve interação na qualidade de agente público
representar ou agir em nome dessas entidades
prestar consultoria aos clientes com base em informações que não são públicas ou que tenha conhecimento em razão das funções públicas desempenhadas.
Em circunstâncias específicas, o interessado pode requerer a dispensa ou a redução do período de quarentena.
Noruega: A Lei sobre o Dever de Informação, Quarentena e Recusa para Políticos, Agentes Públicos e Altos Agentes Públicos (A Lei da Quarentena), juntamente com os Regulamentos sobre o Dever de Informação, Quarentena e Recusa para Políticos, Agentes Públicos e Altos Agentes Públicos, estabelecem duas proibições pós-emprego:
Inabilitação temporária - Nos seis meses seguintes à cessação do cargo, o agente público ou político não pode ser contratado por uma organização privada que atue no campo das atribuições do referido agente público. Esta proibição é compensada pelo direito de continuar recebendo o seu salário durante o período de inabilitação.
Abstinência de envolvimento em determinados casos – Durante um ano após a saída do cargo, ex-agentes públicos não podem se envolver em casos ou áreas com os quais trataram enquanto ocupantes de cargos públicos ou políticos. Os agentes demissionários são obrigados a informar seus ex-empregadores públicos sobre as ofertas de emprego que receberem.
Existem dois sistemas diferentes para lidar com os casos individuais:
Para questões relativas a políticos (primeiro-ministro, ministros, secretários de estado e conselheiros políticos), as decisões são tomadas por um conselho independente, chamado "O Comitê de restrições pós-emprego público".
Para os restantes (altos agentes públicos e agentes públicos), as decisões são tomadas pela autoridade local de nomeação.
Também são necessários mecanismos oportunos, transparentes e robustos para recursos de decisões regulatórias significativas (OECD, 2014[19]). Na prática, isso pode estar relacionado tanto ao controle do conteúdo das decisões (como a imposição de sanções e multas aos operadores do mercado), quanto ao procedimento, notadamente no que diz respeito à demora excessiva das inspeções e outros procedimentos conduzidos por esses órgãos. A revisão judicial também é um dos instrumentos para medir a qualidade das atividades de fiscalização. A parcela dos atos dos órgãos reguladores de fiscalização acatados pelos tribunais serve como um dos principais indicadores de qualidade.
Outros órgãos de fiscalização, como EFSs e instituições de ouvidoria, também revisam as atividades das agências reguladoras de fiscalização. Enquanto as ouvidorias investigam potenciais violações de direitos humanos durante as inspeções, as atribuições das EFSs permitem que elas também se concentrem na eficácia e eficiência das inspeções. As agências reguladoras também podem se enquadrar no regime de transparência para todos os órgãos públicos, permitindo que os indivíduos acessem informações sobre suas atividades e governança (para mais informações, consulte o Capítulo 13).
12.3. Desafios
Embora os desafios no fortalecimento da supervisão externa possam variar dependendo dos contextos e configurações nacionais, eles geralmente incluem:
proferir decisões em tempo hábil, especialmente pelos tribunais administrativos
reduzir o ônus e fortalecer a efetividade por meio de reformas baseadas em risco
12.3.1. Proferimento de decisões em tempo hábil
A demora excessiva dos processos judiciais nos tribunais administrativos prejudica a segurança jurídica das partes, gera custos adicionais e prejudica a confiança no judiciário como mecanismo efetivo de fiscalização. Longos atrasos criam uma sensação de impunidade, especialmente se as investigações forem limitadas e nenhuma sanção for pronunciada, ou quando processos e investigações forem conduzidos, mas os prazos de prescrição expirarem. Os atrasos na execução da justiça administrativa podem resultar da duração excessiva dos processos em uma instância ou ser gerados pela análise recorrente do mesmo caso em várias instâncias da administração e/ou tribunais.
A resolução da questão da duração excessiva dos processos judiciais exige um monitoramento contínuo da carga de trabalho dos tribunais e dos juízes e a melhoria das condições técnicas da administração dos tribunais. No entanto, as partes afetadas pelos atrasos também devem ter acesso a recursos processuais eficazes. Isso inclui tipos especiais de reclamações para acelerar o processo e o direito de buscar indenização por danos causados pelos atrasos. Com base na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, alguns países europeus desenvolveram legislação que prevê procedimentos especiais de reclamação e direito a indenização. Por exemplo, a Eslovênia adotou tal lei em 2006 (Quadro 12.7).
Quadro 12.7. Direito a indenização pela duração excessiva dos processos judiciais na Eslovênia
A Lei sobre a proteção do direito a um julgamento sem atraso indevido, de 2006,se aplica a todos os processos judiciais e processos criminais pré-julgamento. Esta lei prevê três recursos legais disponíveis para as partes afetadas pela excessiva duração do processo:
recurso de tutela visando agilizar o julgamento do caso
pedido de fixação de prazo para tramitação do processo
reivindicar apenas satisfação.
A compensação monetária pode ascender de 300 euros a 5 000 euros, dependendo da complexidade do caso, da sua importância para a parte e das atividades da parte no decurso do processo.
Fonte: (Republic of Slovenia, 2006[27]).
12.3.2. Reduzir o ônus e fortalecer a efetividade por meio de reformas baseadas em risco
Os reguladores dependem cada vez mais da combinação de procedimentos baseados em conformidade e medidas orientadas por incentivos para fortalecer o cumprimento imparcial e efetivo de leis e regulamentos. As agências reguladoras são necessárias para proteger os bens públicos e melhorar os resultados regulatórios, mas suas atividades também criam ônus e custos para as indústrias e mercados regulamentados. A aplicação inteligente é menos visível e menos onerosa para as empresas, e mais eficaz no atendimento ao interesse público. As reformas de inspeção das últimas décadas fornecem um extenso catálogo de medidas que atendem a esse propósito, incluindo:
Planeamento conjunto das inspeções reforçadas por sistemas de tecnologia da informação conjuntos para todas ou a maioria das inspeções.
A priorização baseada em risco permite que as agências limitem o número total de inspeções, ao mesmo tempo em que aumentam a efetividade do esquema geral de inspeção. A priorização baseada em risco requer metodologia avançada e acesso a dados coletados por várias instituições públicas.
Fornecer às entidades regulamentadas orientações claras sobre “como fazer as coisas corretamente”, incluindo a preparação e publicação de listas de verificação a serem usadas pelos inspetores (Blanc, 2012[28]).
Para complementar as ferramentas tradicionais de conformidade, os reguladores usam cada vez mais perspectivas comportamentais para moldar incentivos e normas (OECD, 2016[29]). Em várias áreas, desde a prestação de serviços públicos até a cobrança de impostos, várias organizações e agências reguladoras realizaram experimentos para identificar onde as percepções comportamentais poderiam melhorar a conformidade e a implementação. Os próprios experimentos vão desde melhorar a eficácia das regras e práticas formais dentro das organizações públicas até ampliar os incentivos para entidades reguladas e cidadãos. Por exemplo, nas áreas de produtos financeiros e obras públicas, experimentos levaram a soluções que podem melhorar a resolução de reclamações e aumentar o engajamento cívico com organizações públicas, respectivamente. Além de promover a implementação e a conformidade, as perspectivas comportamentais também podem ser aplicadas para avaliar a efetividade da implementação, contribuir para a formulação e as reformas das políticas públicas e – com base nas lições aprendidas – reduzir a necessidade de medidas corretivas (OECD, 2017[30]).
Referências
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[3] Schedler, A., L. Diamond and M. Plattner (1999), The Self-Restraining State: Power and Accountability in New Democracies, Lynne Rienner Publishers, Inc., https://www.journalofdemocracy.org/books/the-self-restraining-state-power-and-accountability-in-new-democracies/ (accessed on 15 October 2019).
[15] UN Department of Economic and Social Affairs (2013), Citizen Engagement Practices by Supreme Audit Institutions: Compendium of Innovative Practices of Citizen Engagement by Supreme Audit Institutions for Public Accountability, United Nations, New York, http://www.intosai.org/fileadmin/downloads/downloads/4_documents/publications/eng_publications/Compendium_UNPAN92198.pdf.
Observações
← 1. As EFS com poderes jurisdicionais também têm o direito de prosseguir com as ações de execução.
← 2. Para uma visão detalhada da auditoria de integridade, incluindo estudos de casos de países, consulte (EUROSAI Task Force on Audit & Ethics, n.d.[31]). Para obter mais orientações sobre como auditar a integridade, consulte (EUROSAI Task Force on Audit & Ethics, 2017[33]).
← 3. Existem três tipos de fluxos de porta giratória que devem ser considerados: 1) Público-privado: ex-funcionários públicos atualmente servindo regulados; 2) Privado-público: ex-executivos de regulados assumindo funções públicas; 3) Privado-público-privado: combinação de movimentos tipo 1 e tipo 2 (Brezis and Cariolle, 2014[32]).