Este capítulo avalia a política e o marco regulatório do setor de comunicações no Brasil. Analisa as iniciativas de políticas públicas, as medidas regulatórias e os principais problemas relativos à defesa do consumidor. Os tópicos de política pública e de regulamentação discutidos incluem licenciamento, compliance regulatório, gestão de espectro, interconexão e regulação do acesso aos mercados de atacado, compartilhamento de infraestruturas e facilitação de direitos de passagem. O capítulo também avalia a regulamentação ex ante para promover concorrência e políticas nacionais para expandir o acesso e a utilização dos serviços de banda larga. Conclui-se com uma discussão sobre a integração regional, a cooperação internacional e o roaming móvel internacional.
Avaliação da OCDE sobre Telecomunicações e Radiodifusão no Brasil 2020
5. Política e regulamentação das comunicações
Abstract
Marco regulatório e de políticas públicas para o setor de comunicações no Brasil
Licenciamentos e outorga
De acordo com a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), de 1997, os serviços de telecomunicações no Brasil podem ser entendidos como de “interesse coletivo” ou de “interesse restrito”. Interesse restrito refere-se a serviços prestados por meio do que é comumente conhecido como redes privadas. Em contrapartida, os serviços de interesse coletivo são aqueles oferecidos comercialmente no mercado com fins lucrativos.
O licenciamento de serviços de comunicação é intrinsecamente ligado à sua classificação, baseada em duas dimensões. Por um lado, considera-se o serviço é de interesse “coletivo” ou “restrito”. Por outro, distingue-se o regime jurídico da licença, classificado em “privado” e “público”.
Enquanto os serviços abrigados pelo regime público requerem uma concessão, os serviços ao abrigo do regime privado exigem apenas uma autorização. As concessões estão sujeitas a obrigações de serviço universais e devem assegurar a continuidade do serviço; o Estado também é obrigado a garantir seu equilíbrio econômico-financeiro. Como regra geral, quando a concessão termina, os ativos utilizados para a prestação de serviços no regime público devem ser devolvidos ao Estado (ou seja, são “ativos reversíveis”).1 Esses benefícios e obrigações não se aplicam a serviços prestados sob autorização (ou seja, no regime privado). As autorizações são outorgadas sem data de término.
A LGT estabeleceu que a telefonia fixa necessitaria de pelo menos uma concessionária em uma mesma área. No entanto a lei deixou ao regulador a decisão quanto a quais seriam os serviços de interesse coletivo que poderiam ser outorgados por meio de uma concessão. A partir de um decreto presidencial, em 1997, o governo restringiu as concessões à telefonia fixa e estabeleceu apenas uma concessionária por cada área.
O Plano Geral de Outorgas (PGO) (Decreto n.º 2.534 de 1998) forneceu a base para a outorga de autorizações e, para tanto, dividiu o país em três áreas para serviços locais, sendo a cada uma atribuída uma empresa diferente mediante um leilão. As operadoras locais de telecomunicações incumbentes passaram a ser concessionárias de telefonia fixa. As autorizações, uma por área de serviço, foram outorgadas a novas empresas de telefonia fixa (comumente chamadas de “empresas espelho”). Após 2001, não houve restrições ao número de prestadores de telefonia fixa em uma mesma área.
Algumas concessões anteriores à LGT fizeram gradualmente a transição dos serviços de comunicação pertencentes ao regime público para o regime privado. Esse processo permitiu, por exemplo, a prestação de serviços de telefonia móvel e de televisão por assinatura por meio do modelo de outorga menos oneroso que é a autorização.
Desde 1997, o único serviço público pertencente ao regime púbico de concessões é o de telefonia fixa, mas este serviço também pode ser prestado ao abrigo do regime privado. Até outubro de 2019, a telefonia fixa continuava a ser um serviço de regime público prestada por meio de concessão, embora houvesse autorizações de regime privado para o mesmo serviço. A Lei n.º 13.879 de outubro de 2019, que alterou a LGT, permitiu a migração das concessões de telefonia fixa restantes para o regime privado (ou seja, para autorizações).
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) simplificou gradualmente o seu marco de classificação e licenciamento ao longo dos anos. A partir de um marco com mais de 60 diferentes tipos de serviços de comunicação, conta, agora, com quatro grandes categorias de serviços no Brasil (Tabela 5.1):
telefonia fixa (Serviço Telefônico Fixo Comutado, STFC)
telefonia móvel (Serviço Móvel Pessoal, SMP)
“serviços multimídia” como a banda larga fixa (Serviços de Comunicação Multimídia, SCMs)
televisão por assinatura (Serviço de Acesso Condicionado, SeAC).
Tabela 5.1. Tipos de serviços de comunicação prestados aos usuários finais no Brasil
Classificação |
Tipo de serviço |
Regime |
Licença |
Instrumento legal |
---|---|---|---|---|
STFC (Serviço Telefônico Fixo Comutado)1 |
Telefonia fixa (local, nacional ou internacional) |
Público ou privado |
Concessão ou autorização |
Lei n.° 9.472 Lei n.° 13.879 |
SMP (Serviço Móvel Pessoal)2 |
Telefonia móvel |
Privado |
Autorização |
Resolução n.° 477 da Anatel |
SCM (Serviço de Comunicação Multimídia) |
Banda larga fixa e linhas dedicadas alugadas |
Privado |
Autorização |
Resolução n.° 614 da Anatel |
SeAC (Serviço de Acesso Condicionado)3 |
Televisão por assinatura (por cabo, satélite ou rádio) |
Privado |
Autorização |
Lei n.° 12.485 e Resolução n.° 581 da Anatel |
1. Embora o serviço de telefonia fixa comutado (STFC) através de autorização já fosse possível, o processo de migração do STFC para ser fornecido apenas por meio de uma autorização (ou seja, em regime privado), foi recentemente incorporado a partir de alterações à legislação sobre telecomunicações, em outubro de 2019 (Lei n.º 3.879).
2. A classificação Serviço Móvel Pessoal (SMP) substituiu a classificação Serviço Móvel Celular (SMC) em 2001, migrando toda a oferta de telefonia móvel do regime público (ou seja, concessões) para o privado (ou seja, autorizações). Em 2015, a Anatel aprovou a migração do Serviço Móvel Especializado (SME), ou seja, serviços de trunking ou push-to-talk em regime privado, para a SMP, uma vez que as licenças SME tinham restrições específicas que as licenças SMP não tinham.
3. A classificação do SeAC unificou e atualizou a regulação dos seguintes serviços de televisão por assinatura: televisão por assinatura a cabo (Serviço de TV a Cabo, TVC), anteriormente sob regime público; Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS); Serviço de Televisão por Assinatura Direto para Casa (Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura via Satélite, DTH); e Serviço Especial de Televisão por Assinatura (TVA). Apenas o serviço de televisão por assinatura a cabo foi outorgado mediante concessões (regime público), enquanto o MMDS, o DTH e a TVA dependem de autorizações (regime privado).
Atualmente, todas as novas licenças para essas quatro categorias de serviços de telecomunicação (telefonia fixa, serviço móvel, serviço de multimídia e televisão por assinatura) são outorgadas por meio de uma autorização. Nesse modelo, não há limites para o número de provedores. Desde 1997, as autorizações de serviço são válidas indefinidamente (Lei n.º 9.472, de 1997). A única restrição técnica é a disponibilidade de espectro, que é, geralmente, atribuída por meio de leilões.
As autorizações da Anatel estão sujeitas a certas regras; nesse sentido, para serviços de interesse coletivo, as empresas devem estar legalmente estabelecidas no Brasil e provar suas capacidades técnicas e financeiras. No passado, o processo era moroso, durando cerca de seis meses, porém a Anatel recentemente eliminou vários requisitos, assim reduzindo o prazo para aproximadamente três semanas. A maioria das solicitações de autorização é deferida. Além disso, em 2018, a Anatel reduziu a taxa de outorga de BRL 9.000 para BRL 400 (USD 2.466 para USD 110).2
Em 2010, a Anatel regulou, pela primeira vez, as Operadoras de Rede Móvel Virtual (MVNOs, do inglês mobile virtual network operators), então, estabelecendo dois tipos (Quadro 5.1). As MVNOs “autorizadas” necessitam de uma licença para operar, enquanto as operadoras credenciadas (por exemplo, revendedores) necessitam apenas de um contrato comercial com uma Operadora de Redes Móveis (MNO, do inglês mobile network operators).
No marco atual, também existem serviços que não requerem licença porque são classificados como serviço de valor adicionado (SVA). Tais serviços “complementam” e “assistem” as atividades de telecomunicação e não são considerados serviços de telecomunicação nem de radiodifusão. Os serviços de valor adicionado incluem os serviços over-the-top (OTTs), mas também as camadas da oferta de serviços de Internet excluindo o acesso de última milha (Capítulo 2). Para acesso de banda larga fixa, o serviço de telecomunicação mais comum aplicável é “serviços multimídia” (Serviços de Comunicação Multimídia, SCMs).3 O exemplo mais proeminente de um serviço de valor adicionado é o de conexão com a Internet (isto é, a autenticação do usuário na rede, que surgiu, no passado, contexto a serviços discados de acesso à Internet ou dial-up em inglês).
Quadro 5.1. Operadoras de rede móvel virtual no Brasil
O marco das operadoras de rede móvel virtual (MVNOs), estabelecido em 2010 (Resolução n.º 550, de 22 de novembro de 2010), reconhece dois tipos de MVNOs: credenciadas e autorizadas.
A Anatel considera que as operadoras credenciadas, ou as MVNOs revendedoras (por exemplo, marcas, faturas diferenciadas e serviços ao cliente), não prestam um serviço de telecomunicações diretamente. Como tal, não estão sujeitas à regulamentação e ao imposto sobre os serviços de telecomunicações (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços, ICMS) e não se aplicam às suas alíquotas finais (Capítulo 7). As operadoras credenciadas estão vinculadas pelos acordos de interconexão, trânsito e roaming assinados pela Operadora de Rede Móvel (MNO).
As operadoras autorizadas, ou MVNOs completas, têm de cumprir integralmente as regulações da Anatel. Diversamente das MNOs, as MVNOs não têm licença de espectro e podem entrar em acordos simultâneos com várias MNOs; não são, portanto, restringidas pela área geográfica da hospedagem. Para a utilização dos recursos da rede, aplica-se o regulamento de atacado.
O desenvolvimento de MVNOs no Brasil tem sido lento. Desde 2010, foram oito MVNOs autorizadas e 14 MVNOs credenciadas. Em 2012, Porto Seguro e Datora receberam uma autorização de MVNO, ambas utilizando a Tim Brasil (TIM) como hospedeira. A Porto Seguro, que havia atingido uma base de assinantes de 826 mil em outubro de 2018, decidiu deixar o mercado, preocupada com o crescimento do consumo de dados impulsionado por ofertas ilimitadas e acordos de atacado desfavoráveis. A Datora, que se concentrou no mercado máquina a máquina/Internet das Coisas (M2M/IoT), tem mais de 900 mil assinaturas, metade das quais são conexões de dados M2M.
De 2016 a 2019, foram concedidas seis autorizações de MVNO. Apesar dos desenvolvimentos recentes, as MVNOs representam menos de 0,1% da participação do mercado móvel. O Regulamento Geral de Interconexão da Anatel de julho de 2018 (Anatel, 2018[1]), pode ter efeitos positivos para as MVNOs no Brasil, visto que as MVNOs certificadas não são mais obrigadas a comprometer-se com um acordo com apenas uma MNO.
Poderia ser considerada a possibilidade de abandonar as autorizações individuais que ainda são utilizadas para operadoras de comunicações, substituindo-as por um regime de licenciamento único, exceto nos casos em que haja restrições relacionadas à escassez de recursos, como no caso do espectro. Em outras palavras, uma licença única para todos os serviços de comunicações moveria o país de um regime de licenciamento baseado em serviços para um regime unificado e convergente.
Essa medida reduziria os obstáculos administrativos à entrada no mercado. Uma licença deve apenas sujeitar a operadora a requisitos de comunicação de informações e a operar de acordo com as regulações da Anatel. Em alguns países, isto é feito por meio de um “registro”, pelo qual a operadora notifica a sua intenção de prestar serviços e aderir às regulações. Assim, mudar o regime de licenciamento exigiria uma modificação da legislação no Brasil.
O licenciamento de espectro exige uma autorização, sendo que, em casos com mais de uma parte interessada em dada banda de espectro, este é atribuído mediante um leilão ‒ de acordo com um plano de atribuição publicado pela Anatel. Antes de outubro de 2019, as autorizações de espectro durariam 20 anos no máximo e só podiam ser renovadas por uma vez com um pagamento adicional (a cada dois anos o equivalente a 2% da receita na área de autorização).
Após a primeira renovação, o espectro teria de ser devolvido e poderia ser leiloado novamente. No entanto, com a aprovação da Lei n.º 13.879 em outubro de 2019, as autorizações de espectro podem ser renovadas indefinidamente. Isso, todavia, pode trazer consequências indesejáveis sobre a concorrência no mercado móvel ‒ na subseção relativa à gestão do espectro, são analisadas suas implicações em mais detalhes. Não está claro se o novo regime de renovação sucessiva das autorizações do espectro aplicar-se-ia também às licenças existentes que expirarão nos próximos anos.
Não há restrições ao investimento estrangeiro no setor das telecomunicações. Os prestadores de serviços de telecomunicações devem ser constituídos de acordo com a legislação brasileira ou controlados por uma empresa brasileira; essa empresa, no entanto, pode ser controlada por uma empresa ou indivíduo estrangeiro.4
Em outras palavras, entidades estrangeiras não podem controlar diretamente empresas detentoras de concessões, permissões e autorizações para explorar serviços de telecomunicações, mas podem fazê-lo indiretamente. No setor de radiodifusão, de acordo com a Constituição, empresas ou os indivíduos estrangeiros não podem deter mais de 30% do capital total e do capital com direito a voto das empresas de radiodifusão televisiva.5
Gestão do espectro
A Anatel é responsável pela gestão do espectro dos serviços de comunicação (isto é, alocação do espectro, planejamento, monitoramento e atribuição), incluindo a concepção de leilões de espectro. Embora a Anatel seja responsável pelo planejamento de espectro para serviços de radiodifusão, a atribuição de espectro desses serviços segue um processo de licenciamento mais complicado (Capítulo 6).
Em conformidade com tratados e diretrizes internacionais, a Anatel publica o Plano de Atribuição, Destino e Distribuição de Bandas de Frequências no Brasil e, neste plano, indica as alocações de frequências para os serviços de comunicação. A gestão do espectro segue as diretrizes da Anatel originalmente publicadas em 2001 e revistas em 2010 (Anatel, 2010[2]) e 2016 (Anatel, 2016[3]). O monitoramento do espectro6 é realizado periodicamente para o espectro utilizado em serviços de comunicação (por exemplo, telefonia fixa e móvel, banda larga fixa e móvel, TV por assinatura, comunicações aeronáuticas), e para diferentes tecnologias.
Atribuição do espectro
O Brasil realizou 12 leilões de espectro para serviços de comunicação desde 1997 (Tabela 5.2). O primeiro (Banda B) foi realizado pelo Ministério das Comunicações, que ocorreu durante a liberalização do setor, antes da criação da entidade reguladora. A Anatel projetou e realizou todos os outros leilões.7
Tabela 5.2. Leilões de espectro no Brasil (1997-2019)
Banda |
Ano |
Valor obtido (milhões de BRL) |
Objeto e resultado do leilão |
---|---|---|---|
Banda B (850 MHz) |
1997/98 |
10,073 |
Primeiras licenças privadas atribuídas através de leilão (Lei Mínima) |
Banda C (1,8 GHz) |
2000 |
Não atribuído |
Leilão do serviço de comunicação pessoal (PCS). |
Banda D (1,8 GHz) |
2000 |
2,559 |
Leilão de PCS. |
Banda E (1,8 GHz) |
2000 |
522 |
Leilão de PCS. |
Leilão sobras (bandas D e E) |
2002 |
522 |
Espectro de PCS não atribuído. |
Leilão sobras (banda E) |
2004 |
122 |
Espectro de PCS não atribuído. |
Leilão sobras (bandas D e E), e banda M (1,8 GHz e bandas de extensão) |
2007 |
.. |
58 dos 105 blocos de PCS foram atribuídos. |
1,9/2,1 GHz (espectro 3G- bandas F, G, I, J) |
2007 |
5,338 |
Foram atribuídos 36 blocos no espectro de 1.9/2.1 MHz; os vencedores tinham a obrigação de prestar serviços em municípios desatendidos. |
1,9/2,1 GHz (banda H) e sobras de leilão |
2010 |
2,730 |
Foram atribuídos com sucesso 60 de 165 Bandas H e blocos de PCS. |
Leilão sobras |
2011 |
235 |
Foram atribuídos 15 dos 54 blocos nas bandas de 800 MHz e 1,8 GHz; sem propostas para os 30 blocos na banda de frequências de 2,5 GHz (Time Division Duplex, TDD). |
2,5 GHz (destinada a 4G) e 450 MHz |
2012 |
2,930 |
Frequência de 2,5 GHz atribuídas com êxito a quatro licitantes; sem propostas para 450 MHz, então, foram agrupadas com o espectro nacional de 2,5 GHz; as licenças incluíam obrigações de implantação e percentuais mínimos de tecnologias nacionais. |
700 MHz |
2014 |
5,852 |
3 blocos nacionais de 10 MHz (pareados) atribuídos, mais 1 bloco regional (Algar); sem propostas na segunda rodada para espectro não atribuído |
Sobras (bandas de 1,8 GHz, 1,9 GHz e 2,5 GHz) |
2015 |
852,6 |
42 dos 78 blocos na banda de frequência de 2,5 GHz (Frequency Division Duplex, FDD) foram atribuídos; 5.479 dos 21.152 blocos de 5 GHz (TDD) foram atribuídos; os blocos foram oferecidos por município. |
Nota: “..” = não disponível.
Fonte: OCDE com base em dados do Teleco (2018[4]), Licitações de frequências de celular, http://www.teleco.com.br/licitacoes.asp (acessado em 17 de maio de 2019) e resposta da Anatel ao questionário desta avaliação.
Leilões de espectro e seu desenho
Quatro elementos importantes no desenho dos leilões de espectro afetam seu resultado: a fixação de limites máximos de espectro (spectrum caps em inglês), o desenho dos blocos, as obrigações de cobertura e a definição dos preços de reserva. Os leilões de espectro podem moldar a dinâmica da concorrência, visto que a organização de blocos, juntamente com os limites de espectro, pode determinar quantos atores prevalecerão nos mercados nos próximos anos. Assim, o desenho dos leilões torna-se vital para o setor.
A Anatel estabelece limites de espectro e desenha os blocos que serão leiloados para evitar concentração indevida de espectro que possa desequilibrar a concorrência entre os atores. Os limites de espectro são comuns nos países da OCDE, sendo amplamente utilizados para incentivar a entrada no mercado e lidar com situações de dominância. Desde 2008, a maioria dos leilões de espectro feitos pela Anatel contém obrigações de cobertura em sua concepção, especialmente para os municípios com pouca cobertura (ou que são totalmente desatendidos) e áreas rurais. Essa abordagem é comum em outros países da OCDE.
No que diz respeito aos preços de reserva, a Anatel os calcula tendo em conta a operação de um potencial novo ator no mercado, pois de forma geral, em leilões anteriores, a agência reguladora não reservou blocos para entrantes. Na recente consulta pública sobre o leilão do 5G está prevista a reserva de blocos de espectro para provedores de pequeno porte e novos entrantes. Em alguns casos, porém, a Anatel desenhou leilões que não autorizam os atores atuais a participarem numa primeira rodada de ofertas. Em outros casos, os limites de espectro restringem a participação dos atores atuais em alguns blocos. Os preços de reserva dos leilões de espectro no Brasil têm de ser auditados simultaneamente pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Em contraste com a maioria dos países da OCDE, a Anatel também incluiu obrigações temporárias nas regras de alguns leilões de espectro relacionadas a compromissos de operadoras quanto à utilização de equipamentos e softwares produzidos ou desenvolvidos no Brasil. Esses compromissos constituem um critério de desempate caso haja ofertas equivalentes (ou seja, preços, prazos de entrega e especificações técnicas iguais). As operadoras no Brasil consideram essa obrigação como inviável.
Duas resoluções importantes que afetam o projeto de leilão de espectro, descritas a seguir, foram atualizadas em 2018.
A Resolução n.º 703 aumentou limites máximos de espectro, o que permitiu aos atores manterem até 35% e 30% do espectro disponível abaixo e entre 1 GHz e 3 GHz, respectivamente. Eles substituíram os limites de espectro específicos por banda quando foi aprovada a resolução.
A Resolução n.º 695, sobre o direito de utilização das radiofrequências (Preço Público pelo Direito de Uso de Radiofrequência, PPDUR), alterou várias disposições relativas ao pagamento de uma licença de espectro. Modificou também os elementos da fórmula de cálculo de preço de reserva para novos leilões (ou para a renovação de licenças). Os preços de reserva seriam preferencialmente calculados utilizando uma fórmula técnica, que inclui a quantidade de espectro, as obrigações de cobertura da população e a amplitude de cobertura do espectro. Além disso, a resolução permite o pagamento de licenças do espectro em prestações anuais ao longo do período de vigência da autorização8, bem como o pagamento em espécie do preço de renovação das licenças, mediante o cumprimento das obrigações de cobertura assumidas pelo titular da licença.
Ambas as resoluções podem afetar os resultados dos leilões, pois envolvem alterações dos limites máximos do espectro e dos preços de reserva, todavia elas podem ser afetadas pela Lei n.º 13.879/19, que permite que as licenças de espectro sejam perpetuamente renovadas.
Em junho de 2012, a Anatel leiloou a banda de 2,5 GHz, juntamente com a banda de 450 MHz, para fornecer serviço básico de voz e dados em áreas urbanas e rurais. Inicialmente, o leilão para a banda de 450 MHz não gerou propostas das quatro operadoras de rede móvel (TeleGeography, 2012[5]). Então, o governo rapidamente mudou de estratégia e agrupou este espectro com a banda paralela de 2,5 GHz, desse modo sendo leiloada simultaneamente. As vencedoras dos lotes de 2,5 GHz, assim, poderiam fazer uso dos 450 MHz para cobertura rural.
O leilão de 2012 (n.º 004/2012/PVCP/SPV) teve vários compromissos importantes de cobertura. Estes incluíram o uso da banda de 450 MHz para alcançar 30% das áreas rurais até junho de 2014, 60% até dezembro de 2014 e 100% até dezembro de 2015 (TeleGeography, 2015[6]). No entanto não havia um ecossistema de equipamentos para essa banda vinculada à tecnologia 4G em 2012. Ademais, os fornecedores de equipamentos de comunicação eram céticos quanto à utilização desta banda para a evolução a longo prazo (long-term evolution, LTE) (BNAmericas, 2014[7]).
Em 2014, parecia que os 450 MHz finalmente poderiam ser usados para 4G LTE. No entanto, nessa época o Brasil já estava pronto para leiloar a banda de 700 MHz, que era ideal para cobertura rural. Grandes atores da indústria, incluindo a Huawei, a Nokia e a Qualcomm, formaram a 450 MHz Alliance para promover um ecossistema de equipamentos LTE na banda de 450 MHz (Gahan et al., 2017[8]). Ainda assim, várias operadoras não conseguiram cumprir as obrigações de cobertura nos prazos fixados no edital do leilão de 2012; na época, não havia disponibilidade de equipamento relevante para a banda de 450 MHz, inclusive, alguns recorreram à utilização da tecnologia de satélite para cumprir esses compromissos.
O leilão de 2012 incluiu compromissos de cobertura e obrigações temporárias quanto à utilização de equipamento de produção ou desenvolvimento nacional, uma medida governamental que buscou alcançar objetivos de política industrial. O leilão de 2014 da banda de 700 MHz também incluiu disposições similares com foco em política industrial,9 porém o leilão mais recente, em 2015 (sobras das bandas de 1,8 GHz, 1,9/2,1 GHz e 2,5 GHz), não manteve esta obrigação. Além disso, não se espera que os leilões programados para 2021 incluam esse dispositivo.
Para os leilões de 3G e 4G, em 2014 e 2015 (700 MHz, 1,9/2,1 GHz e 2,5 GHz), levaram-se em conta os objetivos de cobertura para calcular os preços de reserva. O objetivo era expandir a banda larga por todo o país, inclusive a áreas rurais e remotas.
Em 2013, a Anatel aprovou a alocação da banda de 700 MHz para serviços fixos e móveis a fim de fornecer comunicações de voz e dados (Resolução n.º 625, de 2013).10 Em 30 de setembro de 2014, a Anatel leiloou parte da banda de 700 MHz para banda larga móvel. O desenho do leilão incluiu um limite máximo de espectro de 10+10 MHz para a primeira rodada de lances, o que deveria ser modificado para 20+20 MHz na segunda rodada de lances, se o espectro permanecesse não atribuído.
Diferente dos leilões anteriores realizados pela Anatel, o desenho do leilão de 2014 não incluía obrigações de cobertura utilizando a banda de 700 MHz (CITEL/OEA, 2015[9]). A Oi, quarta operadora nacional de telefonia móvel no Brasil, esteve ausente do leilão de 700 MHz de 2014.
A banda de 700 MHz foi leiloada enquanto a transição da televisão analógica para a televisão digital (DTT) ainda estava sendo realizada por emissoras no Brasil. A transição DTT foi inicialmente planejada para acontecer em uma onda, em 2016. No entanto o Decreto n.º 8.061, de 2013, estendeu o plano de transição digital ao longo de 2015‑18 (CITEL/OEA, 2015[9]). A Portaria Ministerial n.º 3.493 modificou novamente as datas para a transição digital em alguns estados, sendo prorrogada por mais cinco anos, para ser finalizada em 2023, em vez de 2018.
As operadoras criaram uma associação, em 2014, visando facilitar a transição para serviços de televisão digital. O objetivo era distribuir conversores de televisão digital e liberar banda para fornecer serviços de comunicação 4G (ou seja, para lidar com o “dividendo digital”). Os procedimentos do leilão de 700 MHz estabeleceram que os vencedores do leilão teriam de formar uma terceira entidade, chamada Entidade Administradora do Processo de Redistribuição e Digitalização dos Canais de TV e RTV (EAD). A EAD tinha o objetivo de gerir a transição e mitigar a interferência entre os entrantes e os serviços de transmissão televisiva (CITEL/OEA, 2015[9]).
As obrigações de cobertura em leilões de espectro foram uma forma bem-sucedida de promover a implantação de redes em diferentes áreas no Brasil. Por exemplo, os leilões de espectro 3G de 2007 e de 2010 (banda H)11 incluíram obrigações de expandir a cobertura 3G no país, o que significava cobertura para municípios com menos de 30 mil habitantes até dezembro de 2019.
O leilão de 2012 estabeleceu compromissos de cobertura com redes 4G. Foi iniciado com as cidades anfitriãs da Copa do Mundo da Federação Internacional de Futebol Associação (FIFA), em 2013, terminando em cidades com mais de 300 mil habitantes, em dezembro de 2017. Esse mesmo leilão também incluía a expansão da telefonia fixa e dos serviços de banda larga com velocidade mínima de conexão de 1 Mbps em comunidades rurais, onde as escolas rurais seriam cobertas e servidas gratuitamente. A cobertura foi definida como ao menos 80% da área coberta dentro de 30 km da sede do município.
Segundo a Anatel, as obrigações de cobertura dos leilões foram um dos vários fatores que levaram ao aumento da banda larga móvel no país. Em 2009, ano que marca o início do calendário de compromissos ligados aos leilões, 33% dos municípios não tinham nenhuma rede móvel presente, e apenas 3% contavam com a presença de redes 3G. Em 2016, 74% dos municípios tinham presença de redes 3G. E, ao final de 2019, 100% dos municípios brasileiros contavam com pelo menos uma rede 3G. A conectividade de backhaul também aumentou para os municípios ao longo de 2016 a 2019 de 57% para 70%.
Os números de cobertura da Anatel não se traduzem em cobertura geográfica ou populacional real (Capítulo 3). O indicador representa apenas um sinal de rede ou a presença de backhaul em um determinado município. Alguns municípios têm uma grande extensão geográfica com muitas áreas rurais e remotas. Além disso, nem todos os habitantes de um município com sinal 3G ou 4G, necessariamente, vivem dentro da área coberta. Portanto, a cobertura efetiva da população é provavelmente menor.
Espectro para 5G
A implantação comercial de redes 5G no Brasil provavelmente começará após 2021, uma vez que o leilão seja realizado. As bandas de frequência de 2,3 GHz, 3,5 GHz, 26 GHz (espectro de ondas milimétricas o mmWave) e sobras de bandas de frequência de 700 MHz foram escolhidas como as pioneiras para o 5G no Brasil. Elas podem ser leiloadas no final de 2020 ou em 2021. No momento da escrita deste texto, o leilão foi agendado para o final de 2020, no entanto, considerando as consequências econômicas da pandemia de Covid-19 e a inerente incerteza trazida para os mercados, algumas operadoras estão solicitando o adiamento do leilão de 5G para 2021 (Braga, 2020[10]).
O futuro leilão do 5G no Brasil é aclamado como o maior de todos os tempos para o espectro 5G. Partes interessadas da indústria e países ao redor do mundo estão observando de perto o desenho do leilão. Devido à reforma de 2019, as licenças de espectro podem ser renovadas continuamente. Isso aumenta a importância do desenho de leilão, porque ele pode predeterminar a dinâmica da concorrência nas próximas décadas. No momento da renovação, a reguladora pode impor novas obrigações e uma nova taxa para a licença. Mesmo assim, os atores que ganharem participações de espectro neste leilão possivelmente serão os que conseguirão competir a longo prazo no mercado.
Em fevereiro de 2020, a Anatel aprovou uma proposta para o desenho de leilão 5G e submeteu-a à consulta pública de 17 de fevereiro a 17 de abril de 2020 (Anatel, 2020[11]). Esse leilão não tem precedentes, pois será o maior leilão de espectro realizado pela Anatel, um leilão de múltiplas bandas (ou seja, 700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz). Todavia, em uma abordagem nova, a proposta visa estender a banda de 3,5 GHz de 300 MHz para 400 MHz. Isso tornaria 100 MHz adicionais disponíveis para serem leiloados (Tabela 5.A.1).
Essa mudança vem com a ressalva de que parte da banda de 3,5 GHz no Brasil está atualmente ocupada por operadoras de TV via satélite (televisão receive-only, TVRO), que pode causar interferência. A Anatel aprovou a proposta do leilão do 5G, que foi submetida à consulta pública no dia 6 de fevereiro de 2020. A proposta declara a intenção de criar um modelo semelhante ao utilizado com 700 MHz para resolver a possível interferência. Os detalhes sobre a forma de funcionamento do modelo, na prática, dependem dos resultados da consulta pública (Anatel, 2020[11]). Essa proposta está em consonância com os objetivos de política pública para o leilão publicado pelo MCTIC (Portaria Ministerial n.º 418, de 2020).
Duração e renovação das licenças do espectro
Todos os regimes de concessão de licenças exigem segurança jurídica para promover o investimento de longo prazo. Especificamente, as providências de concessão exclusiva de licenças de espectro exigem regras rigorosas em matéria de direitos de propriedade temporária e de proteção contra interferências (OCDE/BID, 2016[12]). Em geral, as licenças de espectro devem ser concedidas por períodos superiores a dez anos e, no mínimo, proporcionar aos atores móveis certeza suficiente de que suas licenças serão renovadas. As condições de renovação devem ser transparentes e conhecidas com muita antecedência.
Muitos países da OCDE optam por leiloar diretamente o espectro em vez de renovar as licenças, especialmente quando outros atores no mercado têm interesse na banda. De fato, vários países da OCDE só renovam a licença se não houver outra parte interessada no espectro (Tabela 5.B.1).
A maioria dos países membros da OCDE tem uma duração de licença de espectro que varia de 10 a 30 anos, dependendo da banda de espectro; sendo que a grande parte conta com duração de 15 a 20 anos (Tabela 5.B.1). Para os países da OCDE na União Europeia, o Código Europeu das Comunicações Eletrônicas (CECE), de dezembro de 2018, é claro. O artigo 49 especifica que os Estados-Membros devem proporcionar segurança regulatória durante pelo menos 20 anos. Além disso, as licenças de espectro devem durar pelo menos 15 anos, com a possibilidade de prorrogação “adequada” de cinco anos (Comissão Europeia, 2018[13]).
Quanto às renovações de licença, o artigo 50 do CECE permite que as reguladoras decidam pela não renovação de licenças do espectro em prol da organização de novas atribuições de espectro. E isso é particularmente relevante se houver provas de demanda no mercado vindas de outras partes que não dos atuais titulares de licenças (Comissão Europeia, 2018[13]).12
A reforma de 2019 permite que as licenças de espectro sejam renovadas indefinidamente no Brasil sem a necessidade de leilão. Renovações periódicas exigem um pagamento determinado pela reguladora, que as operadoras podem trocar por compromissos de investimento. Assim, a renovação pode estar sujeita a novas obrigações.
Alguns mecanismos introduzidos na reforma de 2019 (por exemplo, negociação de espectro, bem como modelos de compartilhamento de infraestruturas baseados nos custos) podem ajudar a mitigar os efeitos colaterais anticoncorrenciais indesejáveis. No entanto esta alteração para uma renovação sucessiva de licenças reduz os instrumentos disponíveis para promover a concorrência. Ela pode, também, prejudicar a possibilidade de novas operadoras entrarem no mercado móvel por meio de leilões de espectro. E, ainda, a atribuição eficiente do espectro no mercado primário (ou seja, a atribuição ao ator que o utilizará mais eficientemente) também tem implicações para o mercado secundário. A atribuição ineficiente no mercado do espectro primário significa que a eficiência no mercado secundário não pode ser garantida (Milgrom, 2000[14]; Hazlett, Muñoz e Avanzini, 2011[15]).13 Dada a significância do mercado secundário de espectro, essa é uma consideração importante.
O comércio de espectro no mercado secundário é uma ferramenta complementar para assegurar a gestão eficiente do espectro, juntamente com a partilha de espectro. Embora a reforma de 2019 permita o comércio de espectro no mercado brasileiro, a Anatel ainda não definiu as especificidades sobre como os mercados secundários de espectro serão regulados. De acordo com a prática comum na OCDE, o comércio de espectro poderia proporcionar flexibilidade adicional para alguns atores no Brasil com intuito de otimizar seus ativos móveis, porém as transações de espectro no mercado secundário devem estar sujeitas a uma análise concorrencial, caso a caso, para garantir que não prejudiquem a concorrência.
Regimes de licenciamento mais longos e processos de renovação transparentes não significam que os reguladores não possam revogar as licenças. O Reino Unido, por exemplo, removeu os termos de licença predefinidos para aumentar a certeza quanto às licenças de espectro. No entanto a reguladora (Ofcom) pode revogar qualquer licença por razões de gestão do espectro, com um aviso de cinco anos. Isto é, "licenças por tempo indeterminado" indica apenas que a Ofcom tem direitos limitados de revogação em um período inicial de 20 anos e, depois, pode revogar a licença mediante aviso prévio adequado. A Ofcom manteve o direito de revogar licenças devido ao risco de falhas específicas de mercado, incluindo a falta de concorrência. A entidade reguladora tem de manter todos os instrumentos possíveis para promover a concorrência nos mercados móveis. Além disso, o regulador deve sempre salvaguardar o uso eficiente do espectro.
Não está claro se a Anatel poderia revogar uma licença de espectro em resposta a falhas de mercado baseadas em mudanças nas condições de renovação de licenças de espectro com base na Lei n.º 13.879 (art. 167 da Lei n.º 9.472, de 1997, modificado pelo artigo 2º da Lei n.º 13.879, de 2019). A lei é vaga sobre se a Anatel poderia revogar uma licença para corrigir falhas de mercado, como a falta de concorrência, por meio de um novo processo de leilão. Apenas coloca, explicitamente, que as licenças podem ser revogadas em caso de infração à regulamentação, ou se a banda de espectro for alocada para outra utilização.14
Como argumento em favor da renovação sucessiva de licenças no Brasil, a Anatel já tem experiência em revogar licenças por razões de gestão de espectro, contudo a revogação das licenças de espectro, mesmo de espectro ocioso, pode ser mais complicada do que o esperado. Por exemplo, oito anos depois que os 450 MHz foram leiloados no Brasil, o espectro nesta banda esteve praticamente sem uso em 2020. Em 2014, a Vivo apresentou um recurso administrativo contra a Anatel, pois discordava da decisão da Superintendência de Controle de Obrigações de negar à empresa a possibilidade de cumprir as obrigações de cobertura decorrentes do leilão de 2012 usando tecnologia de satélite.15
Como seu principal argumento, a Vivo declarou que a banda de 450 MHz não tinha o ecossistema de equipamentos necessário para cumprir as obrigações de cobertura. Cinco anos depois, em junho de 2019, o Conselho Diretor concordou em permitir que todos os detentores de espectro da banda de 450 MHz utilizassem tecnologia de satélite para cumprir as obrigações de cobertura estipulados no leilão de 2012. Em troca, os detentores do espectro tiveram de aumentar as velocidades da banda larga. Também precisaram devolver espectro à Anatel se não utilizassem tais frequências dentro do prazo fixado no aviso de leilão relevante (Anatel, 2019[16]). A Vivo contestou a decisão nos tribunais. Se perder o recurso, a empresa também pode perder o seu direito de explorar a banda de 450 MHz (TeleGeography, 2020[17]).
A Anatel deve, cuidadosamente, monitorar como esse novo mecanismo de licenciamento do espectro pode impactar a entrada no mercado. As reguladoras usam os leilões de espectro como uma de suas principais ferramentas para promover a concorrência nos mercados móveis. Algumas alterações introduzidas na lei, como o mercado de espectro e o compartilhamento de infraestruturas, podem reduzir determinados efeitos indesejáveis na dinâmica competitiva do mercado. Porém tais preocupações são agravadas pela justaposição da renovação sucessiva das licenças de espectro e em razão da grande quantidade de espectro que deve ser colocada no mercado com o próximo leilão do 5G. Esses dois fatores podem formar as dinâmicas do mercado durante muitas décadas.
A maioria dos países da OCDE, embora procure garantir a segurança regulatória que reforça os incentivos ao investimento em redes por meio de licenças com duração de cerca de 20 anos, opta por realizar leilões quando outras partes demonstram interesse em fazer uso do espectro.
Regulação de interconexão e acesso aos produtos de atacado
A LGT e o Regulamento Geral de Interconexão (RGI), de 1998, estabelecem o marco de interconexão no Brasil. A LGT estabeleceu que as prestadoras de serviço de telecomunicação, ao fixar condições para interconexão às suas redes, devem dar tratamento não discriminatório aos solicitantes. Em alguns dos outros países, isso é conhecido como “arquitetura aberta de rede”.16 O RGI implementa esse requisito; ele foi atualizado em 2005 (Resolução n.º 410, de julho de 2005) e, mais recentemente, em 2018, pela Resolução n.º 693.
O marco original de interconexão estabeleceu regras diferentes baseadas na classificação dos serviços prestados (por exemplo, serviços fixos e móveis) e criou, também, um processo no qual as tarifas de interconexão de redes e a resolução de conflitos são objeto de livre negociação entre as partes. A atualização de 2018 do marco RGI alterou significativamente as regras nesse sentido, eliminando a classificação de serviços. Ele impõe a existência de Ofertas Públicas de Interconexão (OPI) e estabelece obrigações adicionais para os prestadores que tenham poder de mercado significativo. As obrigações constam no Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), aprovado pela Anatel em 2012 e atualizado em 2018.
O PGMC contemplou a criação de uma “Entidade Supervisora de Ofertas de Atacado” que cumpriria dois objetivos. O primeiro geriria uma base de dados de atacado (ou seja, um sistema de computadores com informação sobre a oferta e a demanda de produtos do mercado de atacado). O segundo objetivo seria um intermediário em contratos entre provedores de comunicações (Anatel, 2012[18]).
Na emenda do PGMC de 2018 definiu-se um novo mercado para o transporte de dados em alta capacidade. Esse mercado está sujeito a requisitos de transparência e a medidas de controle de preços de produtos de atacado.
O PGMC estabelece critérios para avaliar quais provedores de comunicações têm poder de mercado significativo. Além disso, dá orientações para identificar os produtos de atacado nos mercados relevantes a serem considerados para efeitos de regulamentação ex ante (isto é, medidas assimétricas impostas a atores com poder de mercado significativo) para promover a concorrência.
Em resposta, a Anatel tomou medidas concretas para abordar a regulamentação ex ante dos produtos de atacado de acesso para grupos detentores de poder de mercado significativo. Por exemplo, essas operadoras devem publicar Ofertas Públicas de Interconexão (OPI). A Anatel define as tarifas de acesso de atacado de acordo com um modelo de custo. Essas medidas se aplicam aos seguintes produtos de atacado:
exploração industrial de linhas dedicadas – EILD
infraestrutura passiva
interconexão fixa
interconexão móvel
roaming
transporte de dados em alta capacidade (superiores a 34 Mbps)
infraestrutura de rede fixa de acesso para transmissão de dados por meio de par de cobre (local loop unbundling – LLU)
Quanto ao LLU, o PGMC exige que os prestadores de serviço de regime público com poder de mercado significativo compartilhem sua infraestrutura de rede de acesso fixo. Especificamente, devem compartilhar infraestrutura para taxas de transmissão iguais ou inferiores a 12 Mbps. Esses provedores com poder de mercado significativo devem também compartilhar sua infraestrutura passiva a preços determinados por negociações bilaterais entre operadoras.
Operadoras com poder de mercado significativo no mercado relevante de transporte de dados em alta capacidade com mais de 34 Mbps precisam apresentar OPIs para a exploração industrial de linhas dedicadas, conectividade de backhaul e “Interconexão Classe V”, o que inclui interconexão para troca de tráfego de dados (peering), para trânsito de dados e para troca direta de dados.
Os grupos detentores de poder de mercado significativo no mercado de interconexão fixa de atacado são a Oi, a Claro e a Vivo. Nos mercados de interconexão móvel, essas empresas são a Oi, a Claro, a TIM e a Vivo. Esses mercados estão sujeitos à regulação de preços de produtos de atacado, bem como a requisitos de transparência.
Após a emenda de 2018 ao PGMC, cinco empresas foram declaradas como detentoras de poder significativo no mercado de interconexão de dados de alta capacidade: Oi, Vivo, Claro, Algar e Copel. Esse mercado terá requisitos de transparência nos municípios segundo duas classificações. A categoria 2 representa mercados potencialmente competitivos, enquanto a categoria 3 representa a regulamentação de preços de produtos de atacado (ou seja, mercados pouco competitivos). A Anatel define as categorias de municípios (Nescimento, 2018[19]).
Terminação fixa e móvel
O modelo brasileiro de interconexão de telefonia divide o território em mais de 4.500 áreas locais para redes fixas. Além disso, cria 67 “áreas de registro” para redes móveis, cada uma definida pelos dois primeiros dígitos do número nacional. As operadoras são obrigadas a interligar as suas redes em cada uma dessas áreas, desse modo, criam um ponto de interconexão virtual ou físico, que atua como um limite para delimitar as obrigações de interconexão. À medida que as áreas metropolitanas se expandem, o número de áreas locais tem sido gradualmente reduzido.
O modelo regulatório de interconexão não faz qualquer distinção tecnológica sobre como as redes transmitem as chamadas de voz, exceto se as chamadas forem iniciadas na Internet. Isso significa que as operadoras têm liberdade para desenvolver sua própria arquitetura de rede para serviços de voz, com base em tecnologia de sistemas legados ou redes IP (Internet Protocol). As chamadas de redes IP não iniciadas a partir da Internet são reguladas da mesma forma que as chamadas de rede legada.
As tarifas de terminação fixa e móvel no Brasil são reguladas ex ante pela Anatel e aplicam-se a todas as operadoras. Já as tarifas de terminação assimétrica existiram até julho de 2018. Em outras palavras, o ator com poder de mercado significativo no mercado de varejo pagava uma tarifa de terminação até 20% maior que as pagas pelas operadoras sem poder de mercado significativo. No entanto, desde 2018, as tarifas de interconexão ex ante determinadas pela Anatel são simétricas.
Em 2014, a Anatel aprovou uma resolução estabelecendo um glide path, ou trajetória de descida gradual, entre os anos 2014-19 para reduzir as tarifas de terminação fixa e móvel. Com a Resolução n.º 639, de julho de 2014, a Anatel definiu os valores de referência máximos para as tarifas de interconexão fixa e móvel, que incluíam tarifas de terminação móvel e linhas dedicadas alugadas baseadas em modelos de custos adicionais de longo prazo. Tradicionalmente, a Anatel utilizava um modelo de custos totalmente alocados top-down com base na contabilidade de custo histórico (FAC-HCA). No entanto mudou para um modelo ascendente (bottom-up) de custos adicionais de longo prazo (BU-LRIC) para determinar as tarifas de terminação móvel. O glide path das tarifas de terminação móvel foi definido para iniciar com os valores do modelo FAC-HCA e terminar em custos BU-LRIC.
O glide path, para diminuir as tarifas de terminação móvel determinadas pela Anatel, representa uma redução de 93% entre 2014 e 2020. Em 2014, a taxa média de terminação móvel era de BRL 0,25 (USD 0,1064) por minuto. Em 2020, a taxa média de terminação de todas as três regiões era de BRL 0,018 (USD 0,0047). A maior tarifa de terminação na região III do país foi BRL 0,027 (USD 0,0068). Nesse sentido, o Brasil passou de ter uma das mais altas tarifas de terminação móvel em comparação com os países da OCDE para um país com uma tarifa inferior à média da OCDE (Figura 5.1).
Roaming nacional e roaming on-net
O roaming móvel nacional permite aos usuários móveis acessarem serviços de comunicações usando seu próprio número de acesso quando estão fora da sua rede de origem. No Brasil, essa situação ocorre quando o usuário está na rede de outra operadora. Além disso, tarifas adicionais são aplicadas quando os usuários da mesma operadora estão fora da área geográfica que foi registrada como rede doméstica (roaming on-net).
Desde o lançamento dos serviços móveis no Brasil, no início da década de 1990, o roaming nacional e as tarifas de roaming on-net (isto é, para chamadas dentro da mesma rede) em diferentes áreas de registro têm sido comuns, normalmente a preços elevados. As operadoras eram autorizadas a incluir uma cobrança adicional para as chamadas feitas ou recebidas fora da área local do usuário, independentemente se a operadora de origem e a de recepção fossem a mesma empresa.
Uma vez que o Brasil introduziu o modelo de autorização de serviço celular para licenciamento em 2001, essa política começou a mudar. A Tim Brasil (TIM), que expandiu significativamente sua cobertura através de vários leilões de espectro, começou a oferecer roaming on-net gratuito aos seus usuários para comunicação intrarrede (frequentemente conhecida em outros países como chamadas on-net). A Oi, a outra nova entrante, posteriormente passou a seguir a mesma estratégia.
Desde 2012, por pressão das associações de consumidores, vários projetos de lei foram discutidos em ambas as casas do Congresso a fim de abordar a questão das cobranças por roaming on-net, e o objetivo era eliminar todas as cobranças associadas. Em 2015, o Senado aprovou uma lei que proibiria tais cobranças (n.º 85 de 2013), mas a Câmara dos Deputados suspendeu o projeto em 2018.
A questão não foi resolvida por lei, mas as operadoras eliminaram gradualmente as cobranças por roaming on-net nas suas ofertas comerciais. A Anatel também avaliou o mercado de roaming on-net e não detectou qualquer falha geral do mercado para justificar medidas regulatórias simétricas ou assimétricas. Contudo o mesmo estudo concluiu que as cobranças nacionais de roaming (ou seja, entre diferentes redes) eram consideradas prejudiciais para as operadoras regionais. Assim, a Anatel impôs medidas assimétricas para os atores detentores de poder de mercado significativo no mercado doméstico de roaming, como explicado a seguir.
Em meados da década de 2000, a natureza da competição entre operadoras passou a mudar, e as operadoras começaram a considerar o tamanho da sua presença nacional (isto é, a cobertura da rede) como a sua vantagem competitiva. À medida que adotaram essa estratégia, as operadoras com espectro dentro da mesma área de serviços (ou seja, competição baseada em infraestrutura) não realizaram acordos de roaming doméstico.17
Por conseguinte, a falta de acordos nacionais de roaming se tornou uma preocupação crescente para a Anatel. A competição baseada em infraestrutura, em última análise, tornaria as zonas com menor densidade populacional menos atrativas para investimento, o que, por sua vez, prejudicaria estas em termos de cobertura da rede. A Anatel estava preocupada com o fato de que algumas áreas mal poderiam suportar a existência de uma rede como um investimento financeiro razoável.
Em 2007, o leilão de espectro 3G incluiu obrigações de cobertura (ou seja, cobrir todos os municípios com menos de 30 mil habitantes). Ele compreendeu também disposições relativas a roaming doméstico. Especificamente, como muitas dessas localidades tinham apenas uma rede em funcionamento, o vencedor do leilão tinha de oferecer roaming nacional para redes rivais. No entanto a Anatel não estabeleceu a tarifa de roaming de atacado ex ante. Como resultado, todas as operadoras estabeleceram tarifas elevadas para o roaming de atacado. Portanto, o roaming nessas novas áreas foi incipiente.
Para remediar essa situação, a Anatel começou a intervir no mercado de atacado nacional de roaming em 2010, mas só em 2012 – com a publicação do PGMC – todas as operadoras foram declaradas MNOs com poder de mercado significativo no mercado nacional de roaming. Sob as novas regras, todas as quatro operadoras (Vivo, Claro, Oi e TIM) foram obrigadas a enviar um OPI à Anatel para aprovação, sendo que as tarifas de atacado tinham de ser inferiores ao preço de varejo mais baixo de roaming.
Apesar das novas regras, as dificuldades em matéria de compliance permaneceram. A Oi e a TIM estavam atrasando os serviços nacionais de roaming para usuários de redes rivais em municípios com menos de 30 mil habitantes. Em resposta, a Anatel multou ambas as empresas em 2013. A Oi teve de pagar BRL 5,6 milhões (USD 2,6 milhões); enquanto a TIM, BRL 6,9 milhões (USD 3,2 milhões).18
Com a revisão do Plano Geral de Metas de Competição em 2017, a abordagem da Anatel à competição mudou substancialmente. As quatro operadoras foram novamente declaradas agentes detentores de poder de mercado significativo no mercado doméstico de roaming. Além disso, a reguladora fixou as tarifas de referência de atacado (Tabela 5.3) para diminuir as diferenças em relação a ofertas de interconexão existentes, contudo as tarifas de atacado foram calculadas utilizando modelos FAC-HCA. Da mesma forma que a Anatel determina as tarifas de terminação móvel ex ante, a reguladora poder-se-ia beneficiar da utilização da LRIC para fixar as tarifas de atacado de roaming móvel.
Tabela 5.3. Tarifas de referência de atacado para roaming móvel nacional no Brasil
Produto |
Operadora com poder de mercado significativo |
|||
---|---|---|---|---|
Oi |
Vivo |
Claro |
TIM |
|
Voz (BRL/min.) |
0,04 |
0,07 |
0,07 |
0,08 |
Dados (BRL/MB) |
0,03 |
0,02 |
0,02 |
0,01 |
SMS (BRL/SMS) |
0,05 |
0,03 |
0,06 |
0,03 |
Nota: MB = megabyte; SMS= short message service.
Fonte: Resposta da Anatel ao questionário desta avaliação.
Compartilhamento de infraestrutura e coordenação da implantação
O compartilhamento de infraestrutura pode ajudar a reduzir os custos de implantação de rede. Atualmente, a maioria dos países da OCDE incentiva o compartilhamento de infraestrutura, desde que as vantagens superem as desvantagens. Em outras palavras, o compartilhamento não deve prejudicar a concorrência.
A LGT no Brasil reconhece as vantagens do compartilhamento de infraestrutura, em seu artigo 73 estabelece que as operadoras de telecomunicações têm o direito de acessar estações, postes, dutos e direitos de passagem pertencentes ou controladas por prestadora de serviços de telecomunicações de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições “justos”.
Esse princípio de compartilhamento de infraestrutura entre diferentes redes de serviços públicos na LGT foi implementado, pela primeira vez, por meio da Resolução Conjunta n.º 1, de novembro de 1999, pela Anatel, a reguladora do setor de energia elétrica (Aneel) e a reguladora do setor de petróleo Agência Nacional do Petróleo (ANP). A resolução estabeleceu como trabalhariam as operadoras que procurassem utilizar infraestruturas passivas pertencentes a outras redes de utilidade pública e especificou que o compartilhamento de infraestruturas só poderia ser negado por razões de segurança ou técnicas.
A resolução conjunta Anatel-Aneel-ANP de 1999 declarou que as partes negociariam tarifas e, não havendo acordo, as agências relevantes interviriam. O processo de resolução de conflitos foi definido em 2001, dois anos após a publicação do regulamento (Resolução Conjunta n.º 2, de março de 2001). Para tanto, criou-se uma comissão de dois representantes de cada agência que se reuniria em caso de conflitos. Essa comissão aborda disputas de preços que envolvam as distribuidoras de eletricidade e as fornecedoras de telecomunicações, em especial no que se refere à ocupação de postes de eletricidade.
Na prática, as prestadoras de serviços de comunicação que buscam acessar infraestrutura passiva de outras redes de serviços públicos enfrentaram grandes obstáculos no Brasil. As reclamações sobre o preço e o número de cabos por poste elétrico aumentaram. Em resposta, uma resolução conjunta entre a Aneel e a Anatel (n.º 4, de 16 de dezembro de 2014) definiu regras adicionais para regular a instalação em postes. As operadoras foram incentivadas a iniciar negociações de preços; em caso de litígio, a Aneel e a Anatel acordaram um preço de referência de BRL 3,19 (USD 1,36)19 por mês, por ponto de instalação a cada poste elétrico. O acordo também definiu o máximo de um ponto de instalação por poste a cada operadora, sendo que aquelas que ocupassem mais de um ponto de ligação teriam de reduzir o número para um, exceto nos casos em que isso não fosse tecnicamente viável.
Apesar das decisões sobre casos específicos da Comissão Conjunta, a questão relativa às instalações em postes ainda não foi totalmente resolvida. Alguns provedores regionais estão pagando significativamente mais do que o preço de referência, muitas vezes devido à falta de fiscalização, e bem como muitas companhias de energia elétrica, em todo o país, continuam a cortar cabos de fornecedores de serviços de telecomunicações sem a devida notificação ou processo de resolução de conflitos.
O Decreto Presidencial n.º 9.759, de 11 de abril de 2019, extinguiu a Comissão Conjunta Anatel-Aneel-ANP, juntamente com uma série de comissões constituídas sob a Administração Pública. Esse decreto entrou em vigor em 28 de junho de 2019, deixando casos não resolvidos no limbo e casos em curso sem uma autoridade para resolver conflitos.
Até sua abolição, a Comissão Conjunta havia recebido 237 casos e agido para resolver conflitos e evitar longos litígios jurídicos (Faria, 2020[22]). Uma entidade de resolução geral de conflitos em outros casos de infraestrutura passiva (como por exemplo dutos de estradas) sob responsabilidade de diferentes agências regulatórias e ministérios nunca existiu no Brasil.
A implantação da infraestrutura de comunicações, especialmente no que diz respeito ao acesso aos direitos de passagem e à instalação de torres celulares, também tem sido morosa no Brasil. As operadoras devem cumprir as regulações federais e locais que podem variar entre municípios.
Para aliviar o problema, o Senado começou a debater, em 2012, como desenvolver um marco para padronizar, simplificar e agilizar o processo de obtenção de direitos de passagem. Tal iniciativa culminou, três anos depois, na aprovação da “Lei das Antenas” (Lei n.º 13.116, de 20 de abril de 2015), que determinou o compartilhamento de infraestruturas quando tecnicamente possível, bem como obrigou todos os projetos de infraestrutura de interesse público (por exemplo, estradas, infraestrutura de redes elétricas) a acomodarem a implantação de infraestruturas de comunicação, comumente conhecidas como políticas “dig-once” (“escavar uma vez”).
No entanto o conceito de “infraestrutura de interesse público” ainda deve ser definido; um decreto de implementação da Lei das Antenas está sendo desenvolvido e, provavelmente, este definirá as infraestruturas de interesse público como estradas, ferrovias, infraestruturas de transporte público, linhas de transmissão de eletricidade, oleodutos e gasodutos, e redes de abastecimento de água e esgoto.
A Lei das Antenas incluiu duas outras mudanças importantes, como descritas a seguir. Como sua primeira grande mudança, a Lei das Antenas estabeleceu que cada estado deve concentrar os procedimentos sob um único ponto de contato (isto é, um “guichê único”) e responder dentro de 60 dias. O projeto inicial contemplava uma aprovação tácita automática das solicitações em caso de não resposta (isto é, silêncio administrativo positivo ou afirmativa ficta). Tal ideia acabou sendo rejeitada em favor de uma regra que transferisse a decisão do município para a Anatel se este não respondesse dentro de 60 dias.
Essa proposta foi vetada pela Casa Civil, uma vez que tal cláusula foi considerada uma violação da Constituição, porque o uso do solo e zoneamento são prerrogativas dos municípios. O Congresso ainda está debatendo o assunto. Vários projetos de lei que exigem uma aprovação tácita para antenas foram incluídos, em termos gerais, na Lei de Liberdade Econômica (Lei n.º 13.874, de 2019). A lei foi implementada pelo Decreto n.º 10.178, de 2019. Embora tenha havido progresso no sentido de agilizar os direitos de passagem, os estados e os municípios têm sido lentos na adaptação das regras locais conforme a Lei das Antenas.
Em sua segunda grande mudança, a Lei das Antenas estabeleceu que não haveria custo para direitos de passagem em estradas públicas, mesmo naquelas operadas por concessionárias privadas. Contudo o Ministério dos Transportes, mediante o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, considerou tais regras aplicáveis apenas à infraestrutura urbana. Isentando, assim, as estradas rurais de tais disposições. Este assunto ainda está em discussão entre diferentes agências federais; e as operadoras de rede são responsáveis pela instalação, manutenção e custos de operação da infraestrutura implantada.
Uma regulamentação aplicável que agilize os direitos de passagem ajudaria a promover a implantação da banda larga no Brasil. Além disso, a coordenação das obras civis e a criação de uma entidade de apoio à implantação da banda larga deverão reduzir os custos de implantação. Tal entidade harmonizaria as agências e ministérios relevantes em nível federal, bem como reuniria as agências nos níveis estadual e municipal. A agilidade quanto aos direitos de passagem será crucial para garantir que as metas de cobertura de banda larga a preços acessíveis e de qualidade sejam alcançadas no Brasil. E isso é especialmente importante no contexto da densificação das células exigidas pelo 5G. O “5G Fast Plan” dos Estados Unidos oferece um bom exemplo de esforços coordenados por vários níveis governamentais para reduzir atrasos na implantação de infraestrutura (Quadro 5.2).
Quadro 5.2. O 5G Fast Plan dos Estados Unidos
Em janeiro de 2017, a Comissão Federal de Comunicações (Federal Communications Commission, FCC), nos Estados Unidos, criou o Comitê Consultivo de Implementação de Banda Larga (Broadband Deployment Advisory Committee, BDAC) para aconselhar sobre como acelerar a implantação de acesso de banda larga de alta velocidade. O BDAC tem três grupos de trabalho: resposta a desastres e recuperação; aumento do investimento em banda larga em comunidades de baixa renda; e habilidades de trabalho e oportunidades de qualificação relativas à implantação de infraestruturas de banda larga.
Várias iniciativas resultaram do aconselhamento do BDAC e de consultas mais amplas. Estados e municípios, por exemplo, adotaram códigos modelo. Além disso, a FCC adotou regras para reduzir os impedimentos federais de implantação da infraestrutura necessária para o 5G e para ajudar a expandir seu alcance.
Sob o 5G Fast Plan, a FCC também reformou as regras de legado para acomodar células pequenas (small cells) e proibiu certos bloqueios municipais para a implantação de 5G. Ao mesmo tempo, ela deu aos estados e localidades um prazo razoável para aprovar ou reprovar pedidos de localização de células pequenas.
Fonte: FCC (2020[23]), “The FCC’s 5G Fast Plan”, https://www.fcc.gov/5G (acessado em 10 de março de 2020).
Quanto ao compartilhamento de infraestrutura entre as provedoras de comunicações, em 2001, a Anatel publicou regras que também se aplicavam à infraestrutura passiva, como direitos de passagem, dutos, postes e torres, o que replicou parte do regulamento interagências de 1999 sobre o assunto, com alguns detalhes adicionais (Resolução n.º 274, de 5 de setembro de 2001). Seguindo a resolução de 2001, os proprietários de infraestruturas estabeleceriam as condições para o acordo de compartilhamento, desde que não fossem discriminatórias e que o acordo não suscitasse preocupações anticompetitivas. Além disso, os planos de implantação de rede do proprietário da infraestrutura teriam prioridade sobre solicitações de terceiros. Todas as recusas de compartilhamento de infraestrutura teriam de ser respondidas por escrito com uma explicação pormenorizada; qualquer atraso seria considerado comportamento anticompetitivo.
A resolução de 2001 definiu uma fórmula para calcular os preços de referência, considerando os custos totalmente alocados, incluindo as despesas adicionais incorridas devido ao compartilhamento de infraestruturas. As regras definiram prazos de negociação e criaram um mecanismo de resolução de conflitos.
Em 2017, a resolução da Anatel sobre compartilhamento de infraestrutura entre operadoras de redes de comunicação foi atualizada (Resolução n.º 683, de 5 de outubro de 2017) para incorporar disposições da Lei das Antenas. Desde então, o compartilhamento é dispensado em três casos: i) se o limite de exposição humana a campos eletromagnéticos for excedido, nos termos da regulamentação específica; ii) se acarretar interferência prejudicial entre sistemas; ou iii) se comprometer a prestação de serviços de interesse coletivo ou a segurança da infraestrutura. Além disso, a resolução de 2017 determina que toda nova infraestrutura deve considerar o compartilhamento futuro com outras operadoras.
Uma vez introduzidas essas mudanças, todas as operadoras de redes de comunicações devem publicar a sua infraestrutura que está disponível para compartilhamento, incluindo coordenadas geográficas e critérios de precificação, bem como o calendário para uso de um sistema eletrônico gerenciado pela Anatel, chamado de Sistema de Negociação de Ofertas de Atacado (SNOA).20 O SNOA lista ofertas de interconexão, aprovadas pela Anatel, de equipamentos que compõem a infraestrutura de suporte a serviços de banda larga. Normalmente, os atores são mais propensos a atingir preços mais baixos juntos do que os oferecidos no SNOA. Por esse motivo, eles comumente negociam diretamente fora do SNOA. Além disso, alguns atores alegam que as informações no SNOA sobre a capacidade disponível podem estar incompletas.
Ademais, as novas regras estabelecidas pela Anatel exigem que os atores detentores de poder de mercado significativo publiquem uma OPI sujeita ao processo definido no PGMC. O compartilhamento de torres será obrigatório quando as estações de base precisarem estar mais perto que 500 metros umas das outras, exceto quando estão instaladas em telhados ou se foram implantadas antes de 2009.
Em 2018, o Decreto n.º 9.612 estabeleceu que as infraestruturas de backhaul promovidas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e pela Anatel deveriam estar disponíveis a qualquer operador por atacado, mas o decreto não abrangia a coordenação de obras civis (por exemplo, através de políticas dig-once) entre os níveis federal, estadual e municipal.
Em julho de 2019,21 a Anatel publicou um conjunto de ferramentas detalhando aspectos relevantes do compartilhamento de infraestrutura, o que incentivou o uso de seu sistema eletrônico. No entanto essas são apenas diretrizes, e a falta de compartilhamento de infraestrutura pode aumentar os custos de implantação da banda larga no Brasil.
No que se refere ao compartilhamento de infraestrutura ativa, durante 2013 a 2019, as operadoras móveis começaram a experimentar abordagens inovadoras a partir da implementação de acordos de compartilhamento de Rede de Acesso a Rádio (Radio Access Network, RAN) (Quadro 5.3).
Quadro 5.3. Acordos de compartilhamento de infraestrutura entre operadoras brasileiras
Em 2013, a Anatel e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovaram um acordo de compartilhamento de Rede de Acesso a Rádio (RAN) entre a TIM e a Oi na banda de 2,5 GHz para cumprir seus compromissos de cobertura de 4G.
Em 2014, a TIM e a Oi concordaram em negociar a construção conjunta de suas respectivas redes 2G e 3G, o que foi aprovado pela Anatel. Em novembro de 2015, a TIM e a Telefônica Brasil (Vivo) assinaram um acordo para compartilhar suas redes 3G sob uma rede principal de operação múltipla (multiple operation core network, MOCN), o acordo de compartilhamento RAN1. Isso inclui o compartilhamento de frequências em certas cidades com base nas suas obrigações de cobertura rural nos municípios onde existe apenas uma rede. Há também um acordo de cobertura rural entre a Claro e a Vivo.
Em março de 2018, a TIM e a Oi firmaram um novo acordo de compartilhamento RAN, com esse alterando a modalidade de compartilhamento criada em 2012, evoluindo-a da multioperadora RAN para MOCN e incluindo parte das bandas de radiofrequência LTE (bandas de 1,8 GHz).
Em julho de 2019, a Vivo e a TIM anunciaram que começariam a compartilhar seu espectro 2G em um modelo de grade única. Compartilhariam também seu espectro de 3G e 4G em cidades com menos de 30 mil habitantes e, ainda, assinalaram a possibilidade de estender tais acordos a outras partes da rede. As empresas envolvidas consideram que essas iniciativas podem lhes oferecer eficiência operacional e financeira, bem como permitir que seus clientes se beneficiem de uma experiência de usuário melhorada decorrente do aumento da capacidade de tráfego e da cobertura do serviço, com a entrada de uma das operadoras em cidades onde a Vivo ou a TIM não estavam presentes (Telefónica, 2019[24]). Mais acordos assim estão sendo negociados.
No final de 2019, em 11% dos municípios pequenos (onde existe apenas uma rede), as quatro operadoras prestavam serviços por meio de acordos ativos de compartilhamento de infraestruturas.
1. O compartilhamento de Rede de Acesso a Rádio (Radio Access Network, RAN) é uma maneira de múltiplas operadoras de rede móvel compartilharem equipamentos como controladores de redes de rádio, equipamentos de estação base e antenas, bem como a maioria dos equipamentos de backhaul. Se o espectro é compartilhado, ele é considerado uma arquitetura de redes principais multioperadoras (multi-operator core networks, MOCN).
Compliance regulatório
A Anatel deve monitorar constantemente o compliance regulatório das provedoras de comunicações, intervindo quando necessário e aplicando multas em certos casos. Essas funções foram estabelecidas pela LGT, em 1997, e pelas orientações ministeriais relativas à supervisão regulatória (Ministério das Comunicações, 1997[25]).
A primeira década de pós-liberalização viu um aumento exponencial na demanda por serviços de telecomunicações. O consequente aumento de serviços, porém, nem sempre atende aos padrões de qualidade de serviço estabelecidos pela Anatel. A partir de 2007, a Anatel passou a impor seus padrões de compliance às prestadoras de comunicação (Fonseca, 2015[26]), essa medida foi realizada sem uma padronização prévia dos critérios de qualidade de serviço pela Anatel. Como resultado, o número de multas aplicadas aumentou drasticamente de 2008 a 2013 (Figura 5.2). O choque das multas recebidas acumuladas, em pouco tempo, levou as prestadoras de serviços de comunicação a reverem seus processos internos relacionados ao compliance regulatório e resultou em muitos recursos contra as sanções da Anatel.
Desde 1997, a Anatel aplicou 63 mil multas, num total superior a USD 1,9 bilhão (BRL 6,9 bilhões). No entanto, em 2018, só havia arrecadado USD 225,2 milhões (BRL 827,7 milhões), correspondendo a 66% do total de processos, mas a apenas 12% do valor total das multas (Tabela 5.4).
Tabela 5.4. Total das multas aplicadas pela Anatel (1997-2018)
Multas |
Valor (milhões de USD) |
Percentagem do valor total |
Número de processos |
Percentagem do total de processos |
---|---|---|---|---|
Recolhidas |
225,2 |
12 |
41.733 |
66 |
Parcialmente recolhidas |
1,6 |
0,09 |
2.329 |
4 |
Não recolhidas |
1.664 |
88 |
18.942 |
30 |
Suspensas judicialmente |
592,7 |
31 |
731 |
1 |
Pagamento progressivo |
4,4 |
0,002 |
884 |
1 |
Dívida ativa e/ou CADIN1 |
1.066,9 |
56 |
17.327 |
28 |
Total |
1.890,8 |
100 |
63.004 |
100 |
1. Soma de todas as multas em processo de notificação de não pagamento por devedores ou já registradas no Cadastro Informativo de Créditos não pagos do Setor Público Federal (Cadin) e/ou da Dívida Ativa da União.
Nota: Esta tabela usa a taxa de câmbio de 3,65 BRL/USD para o ano de 2018 da OECD.stat (https://stats.oecd.org/).
Fonte: Anatel (2019[27]), Relatório Anual 2018, https://www.anatel.gov.br/institucional/noticias-destaque/2343-relatorio-anual-2018-ja-esta-disponivel.
Os desafios legais e os custos envolvidos na arrecadação de multas relativamente ao período máximo de multas na Anatel levaram à criação de grupos de estudo e consultas públicas com o objetivo de padronizar o compliance regulatório. Em 2012, a Anatel adotou novas regras de monitoramento regulatório que incluíam as Diretrizes de Sanções (Regulamento de Aplicação de Sanções, Resolução n.º 589, de maio de 2012) e as Diretrizes de Monitoramento Regulatório (Regulamento de Fiscalização, Resolução n.º 596, de agosto de 2012). Além disso, a Anatel começou a publicar um Plano Anual de Fiscalização e um Plano Operacional de Fiscalização.
Para promover uma regulação responsiva e objetivos de política pública, bem como reduzir os custos envolvidos nos recolhimentos de multas, a Anatel tem implementado soluções alternativas para o cumprimento das regulações, como, por exemplo, a utilização do instrumento jurídico dos Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TACs).
Quadro 5.4. Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TACs)
A Anatel negociou, pela primeira vez, um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Vivo, em 2013. Este permitiu a conversão de BRL 3,3 bilhões (USD 1,53 bilhão)1 de multas para investimentos que a operadora, em teoria, nunca iria realizar. Essa negociação não foi bem-recebida por outras operadoras nem por muitas autoridades, assim, atrasando sua aprovação até 2017.
À época, o TCU avaliou a negociação e a aprovou com certos ajustes. O TCU deu orientações gerais para serem seguidas pela Anatel em futuras negociações de TAC, que incluíam estabelecer valores intermediários de acompanhamento para os indicadores e possíveis sanções por descumprimento, bem como restrições aos valores de tais sanções.
Por fim, depois de a Anatel ter atendido às solicitações do TCU, a reguladora não conseguiu chegar a um acordo com a Telefônica e ambas desistiram em 2018 (Capítulo 3). Por volta do mesmo período, a Claro e a Oi também iniciaram negociações com a Anatel visando converter multas em compromissos de investimento, mas a reguladora não as aprovou.
A Anatel está convencida de que os TACs podem ajudar a expandir a infraestrutura de banda larga em áreas desatendidas. Em agosto de 2019, a Anatel aprovou um TAC com a TIM e a Algar por BRL 627 milhões (USD 159,65 milhões) e BRL 86,7 milhões (USD 22 milhões), respectivamente2. O acordo com a TIM prevê a implantação de 4G em 369 municípios que têm apenas 2G ou 3G, e de 4G onde não há nenhuma outra Operadora de Rede Móvel (MNO).
Em março de 2020, o TCU aprovou o TAC da Anatel com a TIM, não encontrando irregularidade alguma no acordo. No entanto, ao aprovar este TAC, o TCU incluiu recomendações tanto para o MCTIC como para a Anatel relativas a TACs futuros (Gondim, 2020[28]):
O MCTIC deve definir objetivos de cobertura a serem inclusos nos TACs futuros.
O MCTIC deverá ser capaz de guiar o estabelecimento de metas quando estas forem consideradas úteis para implementar políticas públicas de comunicações.
A Anatel não deve incluir processos de sanção em curso que não tenham sido totalmente avaliados.
A Anatel deve buscar resolver a desigualdade entre regiões ao escolher localidades e projetos que farão parte dos TACs.
A Anatel deve avaliar se a referência de 80% da cobertura, estabelecida como aceitável no TAC, da TIM é de fato suficiente e propor uma solução para alcançar os 20% restantes.
É previsto que essas diretrizes sejam implementadas antes da aprovação de um novo TAC com a Vivo pelo TCU, solicitado em 2019.
1. Usando a média anual da taxa de câmbio de 2,156089 BRL/USD em 2013 da OECD.stat. (https://stats.oecd.org/).
2. Usando a taxa de câmbio de 3,330 BRL/USD para o ano de 2015 da OECD.stat (https://stats.oecd.org/).
Conforme essa abordagem, uma operadora que não esteja cumprindo com as obrigações regulamentares pode investir em redes de banda larga em vez de pagar multas. Na prática, os acordos TAC têm enfrentado dificuldades com as auditorias do TCU (Quadro 5.4 e Capítulo 4). Em particular, é um desafio para a Anatel observar o nível de investimento contrafatual nas redes de banda larga pelas operadoras na ausência desses compromissos, particularmente, porque as operadoras escolhem as localidades para o investimento nos TACs. Tais acordos levantam outra questão essencial, ou seja, o investimento em redes negociado via TACs deveria incluir obrigações de acesso aberto, o que não tem sido o caso no momento, para promover o compartilhamento de infraestruturas e o acesso por parte de outras prestadoras de serviços.
Nos Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta, as providências são negociadas após os prestadores de serviços de comunicações já terem sido multados. No entanto a Anatel também tem experimentado com a aplicação de sanções a provedoras antes de multas serem decididas. Especificamente, as sanções não monetárias substituiriam eventuais sanções monetárias com “obrigações de fazer”.
Em fevereiro de 2019, A Nextel foi a primeira prestadora de serviços a ser sancionada por esse tipo de medida não monetária. A sanção envolveu a cobertura de vários municípios não atendidos dentro de 12 meses (Possebon, 2019[29]). Neste modelo, se a operadora optar por não aceitar os termos não negociáveis da Anatel, uma multa monetária será aplicada. A Anatel espera que esse instrumento acelere a resolução dos processos sancionatórios.22
Coleta e comunicação de dados
A implementação bem-sucedida de medidas políticas e regulatórias requer coleta de dados. Tais dados informam o processo de formulação de políticas e ajudam a avaliar o impacto dos projetos públicos e das medidas regulatórias corretivas. Entre os países da OCDE, os indicadores são essenciais para a formulação de políticas públicas “baseadas em evidências”.
Várias entidades no Brasil coletam e analisam dados para informar políticas públicas. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) coleta dados gerais sobre o uso doméstico de tecnologias de informação e comunicação (TICs) (IBGE, 2020[30]). A Anatel coleta dados sobre o acesso a serviços regulamentados, enquanto o MCTIC tem indicadores sobre políticas públicas. O Cetic.br, um centro de estatísticas parte da organização multissetorial CGI.br (Quadro 5.5), recolhe dados relativos ao uso de serviços e aplicações relacionados à Internet em vários setores.
Quadro 5.5. Cetic.br
O Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), criado em 2005, é um departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). O Cetic.br tem como missão monitorar o acesso, o uso e a apropriação das tecnologias da informação e comunicação (TICs) no Brasil. O centro produz indicadores sobre o acesso, o uso e a apropriação das TICs em vários segmentos da sociedade, tais como domicílios, empresas, organizações educacionais, de saúde e culturais. Em 2012, o Cetic.br tornou-se um Centro de Categoria II da UNESCO, o primeiro centro relacionado ao desenvolvimento de sociedades de informação e conhecimento.
Fonte: CGI.br (2020[31]), “Sobre o CETIC.br”, https://cetic.br/pagina/saiba-mais-sobre-o-cetic/92.
A Anatel lançou um ambicioso portal de dados, chamado “Painéis de Dados”, em 2019. Esse portal compila e fornece acesso público a um vasto conjunto de dados sobre o setor das comunicações, incluindo indicadores sobre acesso, cobertura de infraestrutura e tecnologia, investimento, numeração, alocação de licenças, espectro, concorrência, certificação de produtos, qualidade de serviço e questões relacionadas a consumidores. O portal inclui também métricas sobre regulação, fornecendo uma análise quantitativa do número de regulamentos em vigor e dos que foram revogados (Quadro 5.6).
A Anatel também tem se esforçado para melhorar a coleta de dados sobre backhaul e disponibilidade de backbone, inclusive, de ISPs de pequeno porte, para permitir o mapeamento da infraestrutura de comunicação (Anatel, 2019[32]). Além disso, o Departamento de Inclusão Digital do MCTIC encomendou um estudo detalhado e o mapeamento de redes de banda larga no Brasil. O estudo foi atribuído ao Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, uma organização não governamental, com um estatuto especial, que a permite prestar serviços públicos ao MCTIC.
Em junho de 2020, o projeto estava pronto para entregar um mapa interativo e georreferenciado com dados granulares (usando a mesma rede de blocos de nível de censo) de transporte e redes de última milha no Brasil. Todavia, no momento da escrita, não havia informações detalhadas sobre a cobertura de redes fixas de banda larga no Brasil.
A Anatel realiza uma Pesquisa de Satisfação e Percepção da Qualidade anual sobre as principais fornecedoras de telecomunicações desde 2015,23 constituindo-se em um instrumento fundamental para a Anatel avaliar a qualidade de serviço. Ela inclui perguntas sobre satisfação geral, qualidade das chamadas telefônicas, velocidade de banda larga, reparos, instalação e o atendimento ao consumidor. Suas conclusões têm sido utilizadas como evidência para a avaliação da regulação e são fundamentais na formação da política de consumidor da Anatel. Os resultados das pesquisas estão disponíveis no portal de dados da Anatel.
Quadro 5.6. Um portal único de dados para serviços de comunicações da Anatel
Em 2013, a Anatel publicou, pela primeira vez, dados abertos em seu site e no de mapeamento do governo (Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais) (http://inde.gov.br).
Em 2016, a Anatel adquiriu ferramentas autônomas de inteligência de negócios e desenvolveu seu primeiro Plano de Dados Abertos, publicando dados setoriais no portal governamental de Dados Abertos (http://dados.gov.br).
Em 2018, a Anatel iniciou a implementação da segunda versão de seu Plano de Dados Abertos. Isso incluiu a promoção da capacitação, a criação de um dicionário de dados e o desenvolvimento de painéis de dados com as principais informações e os indicadores do setor de telecomunicações no Brasil.
Em 2019, a Anatel publicou seus primeiros painéis; e outros são esperados. Os principais painéis dizem respeito ao acesso, à certificação de produtos, a consumidores, ao espectro, a concessões e ao licenciamento, à qualidade e à regulação (Anatel, 2020[33]). Em cada painel, os usuários podem acessar os dados originais, discriminados por serviço e região, e usar o sistema para construir suas próprias análises e números. Foram desenvolvidos mais de 30 painéis de dados para uso interno da Anatel relacionados a dados de entidades regulamentadas.
O portal único de dados da Anatel é baseado em software de código aberto, um estímulo a que outras agências brasileiras e instituições governamentais também o façam para desenvolver suas próprias soluções.
Ampliar a banda larga e promover seu uso no Brasil
Ampliar o acesso à banda larga para áreas rurais e remotas com o intuito de alcançar a inclusão digital é um objetivo primário da política pública no Brasil. Tem sido desafiador promover a implantação da banda larga e aumentar sua adoção e seu uso no país por várias razões: tem um grande território, uma população considerável em áreas rurais e remotas e diferenças socioeconômicas importantes em esferas regional e local. Além disso, o Brasil, assim como outras economias emergentes, não possui extensas redes fixas de banda larga em contraste com outros países da OCDE.
Estratégias nacionais de banda larga
Em 2009, o governo brasileiro começou a desenvolver seu primeiro Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), que seria publicado um ano depois. Foi então preparado um documento de trabalho que avaliou desafios, estabeleceu uma visão conjunta e definiu um plano de ação com uma estimativa inicial de custos (Ministério das Comunicações, 2009[34]). Em 2010, 73% dos domicílios no Brasil não tinham acesso à Internet (CGI.br, 2010[35]).
Em 2010, o governo publicou o Plano Nacional de Banda Larga, que foi aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 7.175, de 12 de maio de 2010. O plano estabeleceu a meta de fornecer acesso à banda larga para 35 milhões de domicílios até o final de 2014. Isso também gerou as condições necessárias para que a Telebras, detentora anterior das empresas de telecomunicações que foram privatizadas, pudesse contribuir para a execução de parte do plano.
O Plano Nacional de Banda Larga de 2010 incluía iniciativas em diversas áreas, como a implantação de redes e medidas regulatórias que favoreciam a competição. Ele tinha três objetivos principais: aumentar a acessibilidade dos preços da banda larga, aumentar a cobertura e o acesso à banda larga e aumentar a velocidade das conexões de banda larga.
Assim, buscou atingir esses objetivos por meio de iniciativas em quatro dimensões: regulamentação; incentivos financeiros e fiscais; política industrial que promovesse o desenvolvimento de tecnologias nacionais; e infraestruturas. Na área de infraestrutura, o governo decidiu criar um novo backbone nacional de fibra baseado na fibra escura disponível e já implantada por empresas públicas. Este novo backbone visava proporcionar uma capacidade de transporte por atacado adicional em nível nacional. O plano incluía também várias medidas regulatórias destinadas a estimular a competição, incluindo uma implantação muito mais ampla de Pontos de Troca de Tráfego (Cavalcanti, 2011[36]).
O Plano Nacional de Banda Larga de 2010 considerava estratégico para o Brasil possuir e operar um satélite, que apoiaria o fornecimento de banda larga, bem como o desenvolvimento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC).
O satélite SGDC foi lançado em 2017, mas encontrou várias dificuldades: uma tentativa falha de comercializar sua capacidade, problemas para encontrar um parceiro e uma série de problemas legais. Esses contratempos atrasaram seu uso até o final de 2018. O satélite SGDC está sendo usado para expandir a banda larga em áreas remotas, servindo principalmente a escolas e centros de saúde. A Viasat e a Telebras se associaram para garantir a implantação de infraestrutura de banda larga (terrestre) fixa e móvel por meio da tecnologia de satélite. A Telebras também planeja implantar antenas Wi-Fi comunitárias, o que poderia proporcionar um meio de baixo custo de acesso à Internet (Quadros 5.2 e 5.3).
A Lei n.º 12.715, de 2012, estabeleceu um regime especial de tributação para a implantação de banda larga (Regime Especial de Tributação do Programa Nacional de Banda Larga para Implantação de Redes de Telecomunicações, REPNBL-Redes) (Brasil, 2012[37]), e posteriormente este foi regulamentado pelo Decreto n.º 7.921, de 2013 (Anatel, 2013[38]) (ver Capítulo 7).
Em 2016, o Brasil lançou a segunda fase do Plano Nacional de Banda Larga (Programa Brasil Inteligente), essa se destinava, principalmente, a cobrir 70% dos municípios com infraestruturas de fibra de backhaul, contra os 52% de cobertura existentes na época. Essa segunda fase contemplava que 60% dos municípios beneficiários deveriam estar nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Todavia, devido à falta de orçamento e a mudanças políticas no Brasil em 2016, o plano não entrou em vigor e foi revogado em 2018.
Em 2017, o Tribunal de Contas da União (TCU) avaliou as estratégias de banda larga do Brasil (Documento TC 032.508/2017-4 TCU e Acórdão n.º 2.053/2018) (TCU, 2018[39]) e identificou os principais desafios pendentes que precisavam ser enfrentados simultaneamente para maximizar a adoção generalizada da banda larga: i) deficiências de infraestrutura; ii) carências educacionais; iii) renda baixa e desigual; iv) inadequação de conteúdo; e v) barreiras comportamentais.
Esses desafios foram reiterados no documento que o TCU forneceu ao Congresso durante a elaboração do projeto de orçamento federal para 2019 (Acórdão n.º 2.608, de 2018) (TCU, 2018[40]). Registrou-se a falta de um diagnóstico adequado das questões políticas para combater a exclusão digital, gestão e coordenação deficientes entre as partes envolvidas e as falhas na avaliação de programas. O TCU também mencionou que a falta de coordenação entre diferentes ramos do governo federal e os estados gerava redundância e desperdício de recursos públicos, por conseguinte, dificultando a inclusão digital. Pontos de acesso às telecomunicações públicas, por exemplo, foram instalados no mesmo município pelo governo federal e pela cidade.
Em março de 2018, uma nova fase das políticas de banda larga no Brasil começou com a Estratégia Brasileira de Transformação Digital, intitulada e-Digital 2018-2020 (Decreto Presidencial n.º 9.319). A estratégia visa coordenar as diferentes iniciativas governamentais relacionadas às questões digitais dentro de um marco coerente. Fazendo isso, pretende aproveitar o potencial das tecnologias digitais para promover o desenvolvimento econômico e social sustentável e inclusivo, com inovação, aumento de competitividade, de produtividade e dos níveis de emprego e renda no país (Brasil, 2018[41]). Infraestrutura e acesso a TICs é um dos cinco eixos temáticos da Estratégia de Transformação Digital (Figura 5.3).
Os eixos de infraestrutura da Estratégia de Transformação Digital têm três objetivos principais: habilitar o acesso à conectividade de backbone em todos os municípios; ampliar o acesso de banda larga fixa e móvel em áreas rurais e urbanas; e promover iniciativas para a inclusão digital.
O documento de fundo da Estratégia Brasileira de Transformação Digital define o cenário para a ação. Ele fornece um diagnóstico a partir de estudos relevantes e dados disponíveis da Anatel e do CGI.br (Capítulo 3). Identifica também os desafios mais importantes para expandir a banda larga no Brasil, particularmente em áreas rurais. Por fim, fornece uma visão geral das soluções em curso e potenciais para remediar a exclusão de conectividade no país (MCTIC, 2018[42]). As seguintes ações estratégicas para infraestruturas foram identificadas:
Conectar 22 mil escolas públicas à banda larga de alta velocidade (seja com tecnologias terrestres ou de satélite).
Permitir a utilização de fundos para redes de banda larga (por exemplo, reservas financeiras associadas a taxas ou sanções).
Estabelecer prioridades para definir novas obrigações de investimento para banda larga móvel a serem incluídas nos leilões de espectro.
Acelerar a implantação do 4G, agilizando a transição para a DTT para liberar a banda de 700 MHz.
Incentivar os estados a implementar políticas de desoneração fiscal focalizadas nas redes de banda larga móveis.
Adaptar a legislação do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para permitir seu uso para banda larga.
Fortalecer a participação em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e na padronização.
Promover investimentos de longo prazo e coordenar iniciativas de implantação de infraestrutura, processamento e armazenamento de dados para integrar a pesquisa, a educação, a saúde e a segurança digital.
A Estratégia Brasileira de Transformação Digital foi um passo importante na direção do estabelecimento de um modelo de governança coerente para iniciativas digitais. Ela será analisada em profundidade pela publicação A Caminho da Era Digital no Brasil (OCDE, a ser publicado[43]).
De sua parte, a presente avaliação verifica brevemente vários desafios com a estratégia. Primeiro, à exceção do número de escolas públicas a serem conectadas, os objetivos de banda larga não são mensuráveis e contam com índices de comparação agregados globais. Em segundo lugar, embora tanto o decreto E-Digital quanto o documento de fundo mencionem “banda larga de alta velocidade”, eles não indicam uma velocidade mínima. A maioria dos países da OCDE incluem um prazo limite para os seus objetivos concretos de banda larga, e possuem medidas em termos de percentuais da população, domicílios ou empresas conectadas a 30 Mbps, 50 Mbps, 100 Mbps ou mesmo 1 Gbps (OCDE, 2018[44]). Em terceiro lugar, a estratégia não organiza o emaranhado de iniciativas de conectividade no Brasil. Em vez disso, oferece simplesmente uma visão geral e uma lista de potenciais ações de infraestrutura para a transformação digital.
Juntamente com a Estratégia Brasileira de Transformação Digital, o Decreto Presidencial de 17 de dezembro de 2018 (Decreto n.º 9.612) deu o tom para a fase mais recente da política de banda larga no Brasil. O decreto de 2018 revogou o Decreto n.º 4.733, de 2003, desse modo, mudando o foco da política pública da telefonia fixa para a banda larga. Ele concluiu as duas fases anteriores do Plano Nacional de Banda Larga e enfatizou a necessidade de implantar redes de backbone e backhaul em zonas desatendidas, bem como infraestrutura de comunicações móveis. Determinou também que a Anatel deveria priorizar as obrigações de cobertura ao estabelecer compromissos de investimento por parte das operadoras, especialmente através de TACs ou leilões de espectro.
Nesse sentido, as obrigações de implantação da banda larga determinadas pela Anatel devem ser direcionadas para três áreas, que compreendem a expansão da conectividade de backhaul e de backbone, o aumento da cobertura da rede móvel e a expansão das redes fixas de banda larga. Estabeleceu, também, que as novas infraestruturas de backhaul implantadas deveriam ser disponibilizadas, em uma base de acesso de atacado aberto, a qualquer operadora.
Em 2019, o MCTIC elaborou o Programa Conecta Brasil com quatro eixos principais para reunir iniciativas em curso e futuras:
Conectividade. Promover a conectividade a partir das seguintes iniciativas: i) Norte e Nordeste Conectado; ii) Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac) e Internet Para Todos; iii) a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP); iv) o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC); e v) leilões 5G.
Tecnologia e inclusão. Promover a difusão tecnológica e a inclusão digital a partir das seguintes iniciativas: i) Cidades Inteligentes; ii) Computadores para Inclusão; iii) Inteligência artificial; e iv) Internet das Coisas (IoT).
Reformas institucionais. Reformar o quadro institucional a partir: i) do envolvimento do Brasil nas revisões por pares da OCDE; ii) da atualização da LGT; iii) da reforma dos fundos orçamentários e setoriais (Fust e Funttel); e iv) da regulamentação da Lei das Antenas.
Parcerias setoriais. Priorizar a cooperação entre diferentes ministérios e partes interessadas nas áreas da educação, da saúde, da agricultura e de segurança e defesa nacional.
A presente avaliação focalizou-se em iniciativas relacionadas com a conectividade e a reforma institucional relacionadas às telecomunicações e à radiodifusão. Tecnologia e inclusão, assim como iniciativas de parceria setoriais, exceto por questões relacionadas à conectividade de IoT, são abordadas na publicação supracitada A Caminho da Era Digital no Brasil (OCDE, a ser publicado[43]).
Para o eixo de conectividade, muitas iniciativas são uma continuação de ações governamentais previamente estabelecidas. Enquanto o Programa Conecta Brasil fornece uma visão geral melhor das iniciativas em curso, metas mensuráveis e informações detalhadas sobre o progresso continuam indisponíveis para a maioria delas. As principais iniciativas de conectividade são analisadas a seguir.
Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão e Internet para Todos
Desde 2002, o programa Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac) tem promovido o acesso universal à Internet, principalmente, visando à inclusão digital destinada aos grupos mais vulneráveis da sociedade (Portaria Ministerial, Ministério das Comunicações, n.º 256, de 2002, alterada pela Portaria n.º 2.662 de 2014). O MCTIC lidera o programa em parceria com outros ministérios, em particular, o Ministério da Educação. O Gesac é servido pela Telebras (Quadro 5.7), por meio do SGDC, o satélite geoestacionário brasileiro para uso civil e militar lançado em 2017 (Quadro 5.8).
O Gesac oferece serviços de banda larga gratuitos através de conexões de banda larga via satélite e terrestres. Essas conexões estão disponíveis em escolas, postos de saúde, aldeias indígenas, postos de fronteira e comunidades “quilombolas”, bem como em telecentros. Os participantes do programa Gesac são instituições selecionadas pela Administração Pública (local ou nacional) que estabelecem um acordo de cooperação com o MCTIC.
O programa inicial previu a instalação de 3.500 pontos de acesso em 2.700 municípios. O governo federal paga pelas conexões de banda larga, que são fornecidas por empresas privadas. Essas empresas se beneficiam de uma isenção fiscal (aplicada ao ICMS) a nível estadual sobre os Serviços de Telecomunicações mediante um acordo com o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). O Confaz é um órgão governamental composta por todos os estados para promover a unidade entre eles no que diz respeito ao ICMS (Capítulo 7).
O programa Gesac foi ampliado em 2017 (Portaria Ministerial n.º 7.154, de 2017) com o nome Internet para Todos e pretende incluir o acesso à banda larga a preços mais acessíveis para pessoas que vivem em comunidades com prestação inadequada ou sem acesso à banda larga, nessa perspectiva, visando mormente às comunidades mais vulneráveis nas zonas rurais e remotas, bem como as periferias urbanas.24
O programa Internet para Todos prevê incentivos fiscais para ISPs (isenção fiscal sobre o ICMS), mas o acordo de isenção fiscal celebrado com o Confaz abrangeria apenas, em princípio, as conexões por satélite. Por isso, o MCTIC está revisando o Gesac/Internet para Todos.
A solução proposta é mais uma vez separar o programa Gesac do programa Internet para Todos. O governo pagaria por conexões para o Gesac, enquanto o Internet para Todos incentivaria as ISPs a fornecerem acesso à Internet em locais remotos a preços acessíveis. O Internet para Todos será reiniciado assim que o MCTIC concluir a negociação de uma isenção de ICMS separada para o programa com o Confaz.
O Internet para Todos, que opera mediante parcerias entre o MCTIC e os municípios, é implementado por operadoras credenciadas pelo Ministério. Para participar do programa, os municípios devem firmar um termo de adesão com o MCTIC; e esse termo define as obrigações do município, como a garantia de infraestrutura básica para a instalação dos equipamentos de conexão.
Os municípios indicam as localidades a serem cobertos pelo programa, por sua vez, os moradores das localidades indicadas pelos municípios podem contratar serviços de conexão com a Internet oferecidos diretamente pelas operadoras, sem contato com o Ministério (embora as empresas tenham de ser credenciadas).
O Internet para Todos não oferece serviços gratuitos para indivíduos, mas as empresas têm de prestar serviços “a preço justo e razoável”,25 sendo que as operadoras têm liberdade de definir esses preços, e os municípios podem supervisionar a prestação de serviços.
O programa Gesac está em sua quinta edição (isto é, a lei brasileira permite contratos de serviços por no máximo cinco anos). Em meados de 2018, ele tinha 4.500 pontos de acesso e era atendido pela Oi, Embratel e Vivo. Em 2018, o contrato foi transferido para a Telebras a fim de atender escolas, postos de saúde e postos de fronteira por meio de seu satélite.
Em 14 de fevereiro de 2020, o Gesac prestou serviços de banda larga a aproximadamente 11.218 instituições e locais públicos. A maioria foi atendida por uma conexão de 10 Mbps sem limite de dados. De todas as instituições atendidas, 80% eram escolas públicas rurais, cobrindo cerca de 3 milhões de estudantes.
Segundo o MCTIC, o Gesac pretendia cobrir, a partir de 2019, 5 mil localidades públicas adicionais, dos quais mais da metade pertenciam ao Ministério da Educação. As conexões do Gesac contratadas pelo Ministério da Educação fazem parte do Programa de Inovação Educação Conectada.
O Programa de Inovação Educação Conectada foi criado em 2017 (Decreto n.º 9.165). Seu objetivo é apoiar a universalização do acesso à internet em alta velocidade e fomentar o uso pedagógico de tecnologias digitais na educação básica por meio de subsídios. O Ministério da Educação continua a liderar o programa com o apoio do MCTIC, da Anatel e do Banco Nacional do Desenvolvimento, bem como diversas instituições de ensino também estão envolvidas, tais como o Centro de Inovação para a Educação Brasileira, o Conselho Nacional de Secretários de Educação e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação.
Quadro 5.7. Telebras
A Telebras é uma empresa parcialmente estatal fundada em 1972. Antes do processo de liberalização, ela controlava as 27 operadoras regionais e a operadora de longa distância (Embratel), prestando serviços de telefonia fixa e móvel no Brasil. Em 1998, durante a privatização, a Telebras foi dividida em 12 empresas distintas (conhecidas como empresas Baby Bras) que foram leiloadas para agentes privados1.
Em 2010, a Telebras foi reativada como uma empresa estatal ligada ao Ministério das Comunicações (atual MCTIC). Ela geria principalmente o Programa Nacional de Banda Larga (PNLB), que inclui o fornecimento de infraestrutura e o apoio a redes necessárias para os serviços de telecomunicações e visa também prestar serviços de banda larga em áreas com baixa cobertura a preços acessíveis.2
À medida que a Telebras implementou o Plano Nacional de Banda Larga, ela geriu a expansão da rede pública de fibra backhaul e da conectividade de backbone. Ela também detém direitos exclusivos sobre o satélite SGDC para fornecer conectividade a populações isoladas, centros de saúde e educação e instituições governamentais.
O papel da Telebras mudou desde sua reativação em 2010. Esse papel nem sempre foi alinhado com o objetivo principal da empresa de promover a universalização dos serviços de Internet. Por exemplo, durante a Copa do Mundo FIFA de 2014, a Telebras prestou todos os serviços oficiais de banda larga e transmissão de imagens dos jogos. Em 2013, estabeleceu-se o objetivo de que a Eletrobras seria a fornecedora todas as comunicações e transmissões de dados para todas as instituições públicas federais,3 no entanto esse objetivo foi removido em 2018.4 Discussões sobre a privatização da Telebras estão em curso (Sabina, 2019[45]).
1. Para mais detalhes, ver OCDE (2008[46]), OECD Reviews of Regulatory Reform – Strengthening Governance for Growth in Brazil, https://doi.org/10.1787/9789264042940-en.
2. Artigo 4º do Decreto n.º 7.175, de 2010.
3. Decreto n.º 8.135, de 2013.
4. Decreto n.º 9.612, de 2018.
O programa tem como objetivo criar um ambiente escolar que esteja preparado para receber uma conexão com a Internet (parcialmente apoiada pelo Gesac), destinar aos professores a possibilidade de conhecerem novos conteúdos educacionais e permitir que os alunos da educação básica entrem em contato com novas tecnologias educacionais. Está sendo implementado em três fases: a fase 1 (2017‑18) desenvolveu o plano e alcançou 44,6% dos alunos da educação básica; a fase 2 (2019‑21) pretende atingir 85% dos alunos da Educação Básica e iniciar a avaliação dos resultados; a fase 3 (2022‑24) visa atingir 100% dos alunos da Educação Básica.
O Gesac também fornece conectividade aos telecentros, que são espaços públicos com computadores, equipamentos de TI e conexões de banda larga e promovem a inclusão digital e social entre as comunidades que servem. Esses telecentros promovem primariamente o desenvolvimento social e econômico para reduzir a exclusão digital e criar oportunidades para a população.26
Proposta de um Sistema de Satélites Geoestacionários de Defesa e Comunicações Estratégicas
O satélite SGDC foi concebido em 2012 e lançado em 2017. Após vários obstáculos judiciais, o SGDC tornou-se operacional em 2019, particularmente para dar suporte ao Gesac (Quadro 5.8).
Além do SGDC, o MCTIC propôs um novo projeto em 2019, chamado “Sistema de Satélites Geoestacionários de Defesa e Comunicações Estratégicas”. Foi proposto o lançamento de um segundo satélite, o SGDC-2, para se ter uma constelação de satélite brasileiro.
A Telebras entrou em acordo com a Visiona, sua joint venture com a Embraer, para selecionar fornecedores para a construção e o lançamento do satélite. No entanto o TCU considerou que esse acordo poderia não estar respeitando a legislação.27 Por isso, o MCTIC e a Telebras estão redefinindo a estratégia. Várias questões em discussão podem afetar a implementação. Essas questões incluem a relação de custo-benefício da produção e manutenção de satélites nacionais com financiamento público para expandir a banda larga acessível em comunidades desatendidas em comparação com a utilização de outras tecnologias.
Quadro 5.8. O Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), lançado em 2017
Durante a privatização da Telebras em 1998, o governo alienou todas as suas ações de comunicação por satélite. Na época, as comunicações na banda X, reservada aos militares, foi transferida para a Embratel Star One. Vários ministérios uniram forças para recuperar o controle desses serviços de comunicação e apoiar o Plano Nacional de Banda Larga de 2010 para prestar serviços de Internet a áreas remotas. O Ministério das Comunicações, o Ministério da Defesa e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação desenvolveram um plano em conjunto para um satélite brasileiro de propriedade estatal.
O Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC) foi criado pelo Decreto n.º 7.769, de 28 de junho de 2012. A Telebras trabalharia com um comitê diretor para planejar e gerenciar o orçamento, esse comitê seria composto por cinco partes para planejar e gerenciar o orçamento: Ministério da Defesa, Ministério das Comunicações, Telebras, a Agência Espacial Brasileira e o Instituto Nacional de Pesquisa Espacial. O comitê diretor seria constituído por um membro de cada uma das partes envolvidas na elaboração do plano.
O primeiro passo para a implementação do SGDC foi a criação da Visiona Tecnologia Espacial, em julho de 2012, como uma parceria público-privada entre a Embraer e a Telebras. Em 2013, a Visiona assinou um contrato de BRL 1,3 bilhão (USD 600 milhões)1 com a Telebras. A data de lançamento original foi marcada para 2016. Thales Alenia Space foi selecionado como o fabricante do satélite e a Ariane Space conduziria o lançamento.
O contrato com esses fornecedores, assinado pela Visiona, incluía cláusulas de transferência de tecnologia que seriam coordenadas pela Agência Espacial Brasileira. Após dois atrasos, o SGDC foi lançado, em maio de 2017, tornando-se plenamente operacional dois meses depois. O centro de operações completo, juntamente com cinco portais, um centro de dados de nível quatro e oito estações de sistema de monitoramento de operadoras, iniciou suas operações em dezembro de 2018. O investimento no projeto ultrapassou o orçamento de BRL 2,7 bilhões (USD 697 milhões).2 O satélite tem transponders de 50 quiloamperes (kA) com uma capacidade de 58 Gbps e 7 transponders de banda X para uso militar. A banda Ka (Ka-Band) seria usada para cumprir parte dos objetivos do Plano Nacional de Banda Larga.
Após vários atrasos, os dois blocos foram postos em leilão, em outubro de 2017, ambos incluindo as obrigações do Plano Nacional de Banda Larga. O ganhador do maior bloco seria também obrigado a fornecer todo o equipamento para a Telebras explorar a sua capacidade. No entanto não foram recebidas propostas. E, uma vez que os equipamentos para uso próprio da Telebras estavam sujeitos a um licitante vencedor, a empresa não pôde iniciar a implantação generalizada da sua rede terrestre. A Telebras demorou mais quatro meses para encontrar um novo parceiro.
Em fevereiro de 2018, ela celebrou um acordo de compartilhamento de receitas com a Viasat, uma empresa sediada nos Estados Unidos. A Viasat ajudaria a cumprir os objetivos do Plano Nacional de Banda Larga. Ao mesmo tempo, exploraria serviços de satélite para os mercados de aviação comercial e empresarial, bem como hotspots de Wi-Fi por satélite e serviços residenciais (Viasat, 2018[47]).
No entanto o acordo foi temporariamente suspenso, em março de 2018, pelo Poder Judiciário, em resposta a uma demanda da Via Direta, uma empresa brasileira. A Via Direta argumentou que teve conversas com a Telebras para operar um dos blocos a partir da licitação deserta. Entretanto o Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (Sinditelebrasil) e a Associação Brasileira das Empresas de Telecomunicações por Satélite apresentaram as suas próprias queixas judiciais. O primeiro argumentou que a Telebras tinha sido atribuída diretamente ao contrato do Gesac sem um processo de licitação. A segunda alegou que o acordo entre a Telebras e a Viasat era substancialmente diferente das condições estipuladas na licitação inicial.
Em julho de 2018, os tribunais autorizaram o contrato entre a Telebras e a Viasat. Enquanto isso, em resposta a uma solicitação da Sinditelebrasil, o TCU avaliou a legalidade dos contratos entre a Telebras e o MCTIC relativos ao programa Gesac, e entre a Telebras e a Viasat. Embora o TCU tenha aprovado ambos os atos, solicitou à Telebras que renegociasse várias cláusulas do contrato que considerava desfavoráveis à Telebras. As condições revistas foram aprovadas em maio de 2019.
1. Usando a taxa de câmbio de 2,160 BRL/USD para o ano de 2013 da OECD.stat (https://stats.oecd.org/).
2. Usando a taxa de câmbio do final do ano (2018) de 3,8742 BRL/USD da OECD.stat (https://stats.oecd.org/).
Rede nacional de educação e pesquisa
A Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) é a rede dorsal (backbone) de banda larga que conecta instituições acadêmicas no Brasil. Criada em 1989, ela foi implementada em 1991 e continua a crescer a cada ano. Por meio da Rede Ipê, a RNP tem 27 pontos de presença (em cada um dos estados brasileiros e o Distrito Federal) e interconecta 16 redes estaduais e mais de 1.522 instituições de ensino, pesquisa e saúde em mais de 40 cidades, beneficiando mais de 3,5 milhões de usuários (RNP, 2020[48]).
Além disso, a Rede Universitária de Telemedicina conecta 138 universidades, permitindo a troca de informações técnicas sobre saúde e ciência. A RNP é conectada à RedCLARA, que conecta as redes acadêmicas da América Latina. Ela também está ligada à rede AmLight Exp (Americas Lightpaths Express and Protect), que vincula pesquisas científicas e de engenharia a comunidades educacionais nos Estados Unidos e no hemisfério ocidental.
Iniciativas conectadas entre o Norte e Nordeste
O MCTIC está desenvolvendo duas iniciativas para conectar as regiões Norte e Nordeste do Brasil, as mais desatendidas do país. Por meio da iniciativa Ciência Conectada - Ciência Forte, oficialmente anunciada em agosto de 2019, o MCTIC planeja expandir a conectividade de backhaul e backbone de fibra ótica do RPN. A primeira fase irá atingir as regiões Norte e Nordeste com vistas a ampliar a conectividade de backhaul em 77 localidades, 16 cidades e 64 instituições de pesquisa. O plano consiste em implantar 16 redes metropolitanas até 2021, conectando 1.317 escolas à Internet. A RNP irá operar e manter a fibra ótica.
Na região Nordeste, a Ciência Conectada fornecerá acesso à banda larga a 16 locais (Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia e Ceará), desse modo, conectará 52 instituições de pesquisa e 824 escolas urbanas por meio de acordos com governos municipais e ISPs locais.
Para a região Norte, o MCTIC tem planos para expandir o Projeto Amazônia Conectada. Essa iniciativa foi lançada em 2015 como uma iniciativa conjunta entre o Ministério de Defesa, o Ministério de Comunicações e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, antes de se juntarem para formar o MCTIC em 2016. O objetivo é ampliar a infraestrutura de comunicações para alcançar as metas estabelecidas no Plano Nacional de Banda Larga.
Até 2017, 849 km de cabos de backbone de fibra ótica subfluviais já haviam sido implantados no Rio Solimões entre Manaus e Tefé (i.e. 690 km). O trecho do Rio Negro, entre Manaus e Novo Airão (i.e. 127 km), recebeu mais 24 km de conexões terrestres. Apenas um dos 12 pares de cabo de fibra ótica foi ativado. A implantação e manutenção desse tipo de infraestrutura tem sido um desafio. Por exemplo, a arquitetura de anel não fornece redundância de cabo. Portanto, cortes aos cabos, que já ocorreram em 12 pontos até o presente, têm sido difíceis de consertar.
Em 2019, o projeto Amazônia Conectada foi reconfigurado e tornou-se o Projeto Amazônia Integrada e Sustentável. O novo objetivo é implantar cerca de 10 mil km de backbone de fibra ótica subfluvial de Macapá até Tabatinga. O projeto também se estenderá até Porto Velho, Boa Vista e Rio Branco, consertando e conectando os cabos já implantados (de Manaus a Tefé). O projeto visa, ainda, conectar o Peru e a Guiana Francesa. A RNP envolver-se-á na gestão do cabo, mas, em certo ponto o plano, um investidor privado, por meio de uma parceria público-privada, assumirá todas as responsabilidades de operação da infraestrutura subfluvial.
Medidas regulatórias para promover a expansão da banda larga
Além das iniciativas ministeriais, outras medidas importantes para promover acesso à banda larga no Brasil foram estabelecidas por meio de regulações da Anatel (Capítulo 2). Em 2008, a Anatel sugeriu uma emenda ao Plano Geral de Metas de Universalização (emenda aos objetivos do PGMU, Decreto n.o 6.424, de 4 de abril de 2008). Em resposta, a reguladora enfatizou que um backbone nacional, capaz de suportar altos volumes de tráfego de dados, era a condição-chave para aumentar a adoção da banda larga no Brasil.
Em 2018, a quarta versão do PGMU foi publicada (Decreto n.o 9.619, de 20 de dezembro de 2018), desenvolvida com base nas versões anteriores. O principal desafio foi a obrigação de instalar serviços de banda larga sem fio fixos em 1.473 localidades, usando tecnologia 4G ou superior. Ademais, esse serviço tinha de estar disponível em pelo menos 10% das localidades até o final de 2019.
O esforço mais recente da Anatel para promover a implantação ampla da banda larga foi o Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações (PERT). O PERT realiza diagnósticos de redes de banda larga no país, enfatizando o papel dos ISPs na implantação de banda larga. Esse plano identifica lacunas e áreas onde a implantação não é rentável, propõe sete projetos de infraestrutura de banda larga e sugere possíveis fontes de financiamentos28. O projeto focaliza principalmente a expansão da conectividade de backhaul em municípios desatendidos, assim como visa promover a implantação de redes móveis. O PERT foi publicado recentemente e, portanto, a maioria das iniciativas propostas ainda não foi implementada.
Devido ao crescimento de ISPs de pequeno porte, a Anatel tem implementado várias medidas regulatórias para incentivá-los a fornecerem cobertura de banda larga em áreas sem atendimento. Por meio do Comitê de Prestadoras de Pequeno Porte de Serviços de Telecomunicações (Resolução n.º 698, de 2018), a Anatel espera aprimorar a regulamentação que beneficia pequenos ISPs. A finalidade da resolução também é de consolidar as informações sobre a demanda em áreas onde essas operadoras estão presentes. Em janeiro de 2020, a Anatel explicitamente reconheceu as Redes Comunitárias como uma opção para o acesso à Internet no Brasil (Anatel, 2020[49]). Assim, a agência abertamente vinculou sua decisão a um resultado do Fórum de Governança da Internet de 2018 – “The Community Network Manual: How to build the Internet yourself” (O manual de redes comunitárias: como construir a Internet você mesmo) (Belli et al., 2018[50]).
Ademais, a Anatel também vem tentando expandir a cobertura de banda larga móvel por meio de leilões (preços de reserva com obrigações de cobertura, ver subseção sobre o desenho de leilões de espectro) e por meio de Termos de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TACs) (ver subseção sobre o monitoramento de compliance regulatório). Leilões têm provado ser uma ferramenta poderosa de investimento, cobertura e expansão; os TAC ainda estão sendo projetados para que cumpram plenamente as expectativas.
A promoção da Internet das Coisas
Há uma expectativa do crescimento exponencial da IoT, conectando vários bilhões de aparelhos em um tempo relativamente curto (OCDE, 2015[51]). A IoT representa o próximo passo na convergência digital – em uma escala sem precedentes – depois da convergência de redes fixas e móveis e dos setores de telecomunicações e radiodifusão. Ademais, a IoT promete contribuir substancialmente ao progresso da inovação, do crescimento e da prosperidade social (OCDE, 2018[52]). Ao mesmo tempo, ela demanda mais das redes e cria desafios para os marcos regulatórios de comunicações tradicionais.
Junto com os benefícios potenciais da IoT, novas políticas e novos desafios regulatórios podem surgir em algumas áreas (e.g. privacidade/preocupações de segurança, assim como a interoperabilidade, a numeração e questões de padronização). Para promover o ecossistema da IoT, várias questões se tornam cruciais: a interoperabilidade; a gestão de espectro; o uso extraterritorial de números; e soluções para ajudar os usuários a trocarem de provedores e impedirem o aprisionamento tecnológico. Da mesma forma, é preciso construir privacidade, segurança, responsabilidade e confiabilidade em torno do uso da IoT (OCDE, 2018[52]).
Para além do aumento das exigências em torno da qualidade e das redes universais, outro desafio relativo ao desenvolvimento da IoT diz respeito ao roaming móvel internacional. O roaming foi projetado para aparelhos de comunicações usados por pessoas viajando entre países. Inicialmente, ele não foi concebido para aparelhos permanentemente implantados entre fronteiras, como no caso da IoT.
Quando se trata de aparelhos conectados massivos e dispersos e à medida que as cadeias de suprimento se tornaram mais sofisticadas, a IoT evoluiu para fornecer novas soluções, especialmente em âmbito global. Muitos aparelhos IoT podem ser ativados, inicialmente, em um país e, depois, exportados para outro permanentemente. Em outros casos, por exemplo, muitas das soluções IoT entre setores (i.e. logística, automotivo e aeroespaço, entre outras) exigem aparelhos para acessar redes de forma coordenada, independentemente de onde estejam localizados. Isto é, muitas aplicações e serviços da IoT transcendem fronteiras.
Dispositivos IoT que são ativados inicialmente em um país, mas usados ou vendidos em outro, podem exigir conectividade permanente. O roaming permanente também permite que aparelhos de IoT usem dados internacionalmente sem restrições. Entre outros benefícios, conexões de IoT por meio de roaming permanente tendem a ser mais confiáveis do que outras conexões locais. Isso porque esses aparelhos podem acessar, na maioria das vezes, qualquer rede disponível e a cobertura não é limitada a uma rede específica. Isso também pode simplificar soluções de contratação e faturamento para provedoras de serviços de IoT, pois as conexões em diferentes redes podem ser contratadas e faturadas apenas uma vez, por meio de único relacionamento de prestador-cliente. O roaming permanente pode, sem dúvida, levar a distorções do mercado, porque as condições diferenciadas (i.e. impostos, cobertura e preços) podem colocar operadoras locais em desvantagem. Contudo também pode criar oportunidades significativas para expandir serviços de IoT inovadores, e já está sendo empregado em países ao redor do mundo.
Em 2017, a União Internacional de Telecomunicações (UIT) publicou diretrizes estratégicas para o roaming móvel internacional. Essas diretrizes incentivaram as reguladoras a explorarem soluções relativas à IoT e a serviços M2M para promover medidas e aplicar serviços permanentes de roaming e a aplicação de preços e condições específicas para o tráfego de IoT/M2M (UIT, 2017[53]).
Com o objetivo de promover serviços inovadores, muitos países permitem, ou não proíbem explicitamente, o roaming permanente para a IoT. Contudo alguns países (como o Brasil e a Turquia) o baniram por completo. Em 2012, a Anatel determinou que operadoras estrangeiras que usassem cartões SIM estrangeiros não poderiam oferecer serviços no Brasil de forma permanente. Isso seria considerado um serviço de telecomunicações não autorizado, o que é explicitamente proibido pela LGT. A Anatel também argumentou que existem importantes questões de defesa do consumidor, pois provedoras de serviços de IoT estrangeiras não estão dentro de seu alcance regulatório. Isso implica que apenas operadoras licenciadas nacionalmente com cartões SIM locais podem oferecer serviços M2M e IoT no Brasil.
Operadoras de rede brasileiras, em geral, são contrárias ao roaming permanente. Elas argumentam que as redes nacionais foram dimensionadas para construir e hospedar cartões SIM domésticos, e, portanto, aparelhos de roaming permanente podem criar problemas de capacidade e gestão de rede. Elas também consideram essas provedoras internacionais como concorrência desleal, pois não estariam sujeitas às regulações e à tributação locais (Capítulo 7), mas essas preocupações podem ser atenuadas se os acordos de roaming permanente forem sujeitos às tarifas comerciais livremente negociadas entre operadoras de redes brasileiras e provedoras internacionais.
Como o roaming permanente no Brasil é proibido, existem intermediárias que fornecem muitos serviços de IoT para cumprir com a regulamentação do país. Em geral, são MVNOs especializadas em M2M e na IoT. Mais recentemente, a Anatel argumentou que a questão do roaming permanente já foi superada pelo eSIM (SIM embutido).29 Por um lado, vários atores já lançaram essa solução no Brasil,30 por outro, apesar dos eSIMs conseguirem hospedar várias provedoras de conectividade, não solucionam os custos de integração e as complexidades contratuais de relacionamentos entre múltiplas operadoras para alguns atores da indústria.
Como discutido no Capítulo 7, o sistema fiscal para serviços de telecomunicações é oneroso e complexo. Para o desenvolvimento da IoT, a questão se tornou um gargalo considerável. Países como o Brasil, nos quais se paga uma taxa fixa por conexão (uma vez na ativação e depois de forma recorrente), aumentaram os custos da conexão IoT comparado a países que aplicam impostos e taxas com base no uso.31
No Brasil, qualquer linha ativa deve contribuir ao Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) ‒ não apenas no momento da ativação, mas também anualmente. Para serviços de comunicações com baixa receita média por usuário (average revenue per user, ARPU), como no caso de muitas conexões de IoT, essa cobrança pode tornar o serviço não rentável ou simplesmente inviável.
A numeração também é uma questão relevante, nesse sentido, projeta-se um crescimento exponencial de aparelhos IoT, ultrapassando as comunicações pessoais. O uso do atual plano de numeração para a telefonia móvel (um recurso escasso) talvez não seja a solução adequada. Uma possível solução seria estabelecer planos de numeração separados e promover a implantação do protocolo de numeração IPv6.
O governo brasileiro tem tomado várias medidas para promover a implantação da IoT. Em 2014, foi criada a Câmara IoT (Decreto n.o 8.234, de 2 de maio de 2014). Essa câmara, por sua vez, elaborou o Plano Nacional de IoT, publicado em junho de 2019 (Decreto n.o 9.854, de 25 de junho de 2019). Antes do Plano de IoT, o MCTIC lançou duas consultas públicas sobre a questão, a primeira em dezembro de 2016 e a segunda em março de 2017. O roaming permanente e a tributação são duas das questões polêmicas em jogo.
Depois da publicação do Plano Nacional de IoT, a Anatel acelerou a avaliação da regulação de aparelhos e serviços IoT. Em agosto de 2019, ela lançou uma consulta pública sobre o licenciamento, a tributação, a numeração, a qualidade de serviço, o espectro e a regulação dos MVNOs.32 A Anatel afirmou que não iria considerar a IoT como um novo serviço de comunicações e que suas conexões e aparelhos estariam isentos da regulamentação de qualidade de serviço. Ademais, a Anatel está considerando tornar a regulamentação do MVNO mais flexível para ajudar operadoras a viabilizarem a IoT. As decisões sobre as mudanças da regulamentação da IoT estão previstas para até o final de 2020.
De acordo com o Plano Nacional de IoT, a IoT é “a infraestrutura que integra a prestação de serviços de valor adicionado com capacidades de conexão física ou virtual de coisas com dispositivos baseados em tecnologias da informação e comunicação existentes e nas suas evoluções, com interoperabilidade” (Brasil, 2019[54]). O plano também estabelece que serviços de IoT são de valor adicionado e inerentemente empacotados com serviços de telecomunicações. Isso tem criado um problema de definição que ainda está em debate. A definição é relevante não apenas por causa dos diferentes graus de regulamentação, mas também em função da tributação (Capítulo 7). Se aparelhos de IoT estiverem isentos de alguns impostos (i.e. ICMS e Fistel), os preços para os usuários finais seriam significativamente mais baixos, e isso, por sua vez, poderia aumentar a taxa de adoção.
O Plano Nacional de IoT quer reduzir as taxas para o Fistel no caso da IoT, mas isso depende de uma reforma legal da lei do Fistel. O Congresso tem debatido a isenção de taxas do Fistel para conexões de IoT desde 2016, porém ainda não chegou a um acordo. O Poder Executivo tem considerado uma medida provisória que zeraria essas taxas para a IoT; contudo o Ministério das Finanças solicitou uma avaliação do impacto da perda de receita antecipada.
Defesa do consumidor
Duas grandes instituições, a Anatel e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), têm mandatos sobre comunicações em termos de defesa do consumidor (Capítulo 4). A Anatel define as regras e os processos que governam a defesa do consumidor no setor, bem como aplica cláusulas legais que definem os direitos e obrigações de provedoras de telecomunicações (incluindo provedoras de TV por assinatura, de acordo com a definição brasileira de serviços de telecomunicações).
A Anatel regula contratos de consumidores indiretamente, i.e. geralmente, de forma ex post, monitorando e inspecionando os processos implementados por entidades regulatórias. A agência reguladora verifica se as provedoras cumprem com o Código de Defesa do Consumidor e outras disposições legais, como a LGT e o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (Anatel, 2014[55]). A Senacon é responsável por planejar, coordenar e executar as políticas gerais para o relacionamento entre consumidores e provedoras, incluindo as de telecomunicações. Ambas as agências partilham informações sobre ações administrativas e procedimentos relativos ao direito do consumidor.
As multas aplicadas pela Senacon e pela Anatel relativas à defesa do consumidor são depositadas no Fundo de Direitos Difusos, administrado pelo Ministério da Justiça. Antes de 2012, todas as multas aplicadas pela Anatel eram depositadas no Fistel. Em vários casos, a Anatel também determinou compensações por faturas incorretas ou danos a serem pagos diretamente aos usuários finais.
Em 2014, a Anatel consolidou toda sua regulamentação de defesa do consumidor no Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC) (Resolução n.o 632, de 2014). Esse regulamento reuniu e atualizou todas as normas que regem a relação entre provedoras e consumidores, inclusive, as regras estabelecidas pela Anatel ou as regras gerais de consumo estabelecidas pela Senacon.
O RGC se aplica a todos os serviços, suas regras exigem que provedoras cancelem um serviço automaticamente quando solicitado (por meio de central de atendimento, call center ou portal na Internet). O regulamento também determina que reclamações sobre valores cobrados sejam resolvidas em até 30 dias; que a validade mínima do saldo de créditos pré-pagos é de 30 (trinta) dias; e que o consumidor deve ser comunicado quando os créditos estiverem na iminência de acabar ou de expirar. As operadoras devem incluir contratos padrão de serviço em seus sites, assim como faturas passadas e histórico de uso (disponível sob solicitação). O Serviço de Atendimento ao Cliente deve estar disponível de forma gratuita a qualquer hora e as ligações devem ser gravadas e armazenadas por seis meses. Ademais, o RGC estipula que todas as ofertas promocionais devem estar disponíveis para todos os consumidores, não apenas para novos assinantes. Além disso, ofertas conjuntas de serviços precisam informar o preço de cada serviço ou componente de forma avulsa.
Historicamente, uma parte substancial dos problemas de comunicações para consumidores no Brasil foi relativa à forma como os serviços são tarifados e anunciados. A maioria das reclamações diz respeito a cobranças, pagamentos e cláusulas contratuais. Recentemente, porém, novas questões de defesa do consumidor têm surgido. Em 2016, por exemplo, operadoras de banda larga fixa começaram a aplicar limites de dados em suas ofertas. Isso resultou em um debate ainda em andamento sobre o conflito entre permitir o desenvolvimento de ofertas comerciais versus a defesa do direito do consumidor. A Anatel já tomou medidas nesse sentido e parcialmente suspendeu limites de dados impostos pelas maiores ISPs.
Questões de defesa do consumidor no Brasil também estão relacionadas a preocupações sobre a redução do uso de telefones celulares falsificados e da reutilização de aparelhos roubados. Essas práticas afetam tanto os consumidores como as indústrias locais. Várias entidades no Brasil têm coordenado respostas para enfrentar o problema. A Anatel, a Receita Federal do Brasil, a Polícia Federal e o Ministério da Justiça, por exemplo, implementaram a iniciativa Celular Legal. Ela promove o uso de aparelhos certificados e o compartilhamento de informações entre operadoras e o processo necessário para desativar aparelhos roubados. Essa iniciativa também fez com que fosse mais fácil para consumidores reativarem seu número quando usassem um aparelho diferente.
Ademais, como nos países da OCDE, questões relativas ao consumidor começaram a coincidir com preocupações sobre o uso de dados pessoais. Isso se tornou especialmente relevante para a defesa do consumidor e para o compartilhamento de informações entre provedoras de serviços de telecomunicações. Essa questão será abordada com mais detalhes na avaliação A Caminho da Era Digital no Brasil (OCDE, a ser publicado[43]). Esse documento inclui uma avaliação da implementação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei n.o 13.709, de 14 de agosto de 2018).
O processo padrão para abrir uma reclamação sobre serviços de comunicações no Brasil começa com os usuários entrando em contato com a prestadora do serviço. Se o consumidor não receber uma resposta satisfatória, ele pode entrar em contato com a Anatel por meio da portal web, aplicativo ou call center. Se a questão não for resolvida, a Anatel pode reabrir o protocolo de reclamação ou o usuário pode entrar em contato com seu Procon local ou o portal eletrônico de reclamações da Senacon.
A partir de junho de 2020, as provedoras de serviços são obrigadas a terem uma ouvidoria interna. Se os consumidores não ficarem satisfeitos com a resposta da provedora, podem entrar em contato com a ouvidoria. Se a questão não for resolvida pela ouvidoria, eles podem entrar em contato com a Anatel. Essas práticas são estabelecidas no Regulamento de Qualidade dos Serviços de Telecomunicações (Resolução n.º 717, de 23 de dezembro de 2019).
As operadoras de comunicação estão constantemente no topo das reclamações dos consumidores, mas, nos últimos anos, elas têm conseguido resolver melhor as reclamações recebidas. Essas reclamações, recolhidas por vários Procons e administradas pela Senacon, são publicadas no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec). Desde 2015, cinco das dez principais provedoras com o maior número de reclamações foram consistentemente operadoras de comunicações (i.e. Claro, Oi, Vivo, Sky e TIM).
Em geral, o número total de reclamações relatadas pelo Sindec diminuiu ligeiramente desde 2015. Até 2017, as telecomunicações eram classificadas como o setor com o maior número de problemas com consumidores, tanto em número total de protocolos de reclamações como em número de reclamações em todos os Procons. Desde 2018, o setor financeiro começou a liderar os rankings do Sindec no que diz respeito a número de protocolos e reclamações. As operadoras de telecomunicações, por sua vez, têm demonstrado um desempenho melhor do que a média total em termos da taxa de resolução de reclamações (Tabela 5.5).
A Anatel também monitora o status e o número de reclamações de consumidores sobre prestadoras de serviços. A escala das reclamações recebidas pela Anatel é quase o dobro daquelas registradas no Procon (Tabela 5.6).
As operadoras de comunicações apresentaram as taxas mais altas de resolução de conflito no portal eletrônico criado recentemente. Em 2014, a Senacon lançou um portal eletrônico (www.consumidor.gov.br) para ajudar a resolver conflitos entre consumidores e provedoras. As provedoras se inscrevem de forma voluntária e aceitam os termos de participação. Todas as principais operadoras de comunicações participam ativamente do portal, que, em 2014, recebeu um total de 37.151 reclamações.
Tabela 5.5. Reclamações de consumidores e resoluções no Brasil por meio do portal consumidor.gov.br (2015‑19)
|
Protocolos de reclamação |
Taxa média de resolução (% das reclamações) |
||||
---|---|---|---|---|---|---|
Ano |
Total |
Reclamações (percentagem dos protocolos) |
telecomunicações (percentagem dos protocolos) |
Finanças (percentagem dos protocolos) |
Provedores de telecomunicações1 |
Total |
2015 |
2.646.941 |
84,3 |
32,6 |
23,8 |
79,7 |
76,8 |
2016 |
2.457.167 |
83,6 |
29,1 |
25,3 |
81,6 |
77,6 |
2017 |
2.287.459 |
84,3 |
28,2 |
26,8 |
82,1 |
76,8 |
2018 |
2.274.395 |
85,1 |
25,9 |
29,8 |
85,8 |
80 |
2019 |
1.589.006 |
85,9 |
26,2 |
30,1 |
84,3 |
79,3 |
1. Taxas de resolução para operadoras de telecomunicações se referem a operadoras de telecomunicações que formam as 60 empresas com o maior número de queixas notificadas pelos Procon no Sindec.
Nota: Os dados de 2019 foram recuperados em outubro de 2019.
Fonte: Senacon (2019[56]), Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), https://sindecnacional.mj.gov.br/ (acessado em 15 de março de 2020).
Tabela 5.6. Reclamações dos consumidores registradas pela Anatel (2015-19)
Ano |
Número de reclamações de consumidores de telecomunicações |
---|---|
2015 |
4.072.464 |
2016 |
3.891.209 |
2017 |
3.383.374 |
2018 |
2.920.737 |
2019 |
2.963.212 |
Fonte: Resposta da Anatel ao questionário desta avaliação.
Em 2018, o número de reclamações chegou a 609.644, dos quais 40,3% eram relacionados a operadores de comunicação e 22,2%, a instituições financeiras. Consistente com os dados do Sindec, as reclamações no portal eletrônico também mostraram que as operadoras de telecomunicações apresentaram as maiores taxas de resolução de conflito (89,9%). Em segundo lugar estavam os bancos, com 76,9% (Brasil, 2019[57]).
Em novembro de 2019, a Anatel lançou um portal eletrônico de reclamações, o Anatel Consumidor (https://apps.anatel.gov.br/AnatelConsumidor/). Os consumidores, assim, podem avaliar as respostas das provedoras e ver os rankings relacionados a vários assuntos, que incluem a satisfação média com cada provedora, a resolução de reclamações, o tempo médio de resposta e outros indicadores de desempenho.
Uma abordagem alternativa ao direito e defesa do consumidor desenvolvida pela Anatel tem reduzido o número de reclamações relativas a serviços de valor adicional significativamente. Desde 2017, a Anatel tem usado o diálogo com operadoras de telecomunicações com foco na resolução de questões que apresentam um dano potencial ou real a usuários finais. Essa abordagem responsiva ajudou a reduzir o número de reclamações relacionadas a contratos com serviços de valor adicionado. Entre o final de 2016 (antes da ação da Anatel) e o final de 2019, as reclamações caíram de 7.500 para pouco mais de 1.500 por mês. Isso representa uma queda de 80% em três anos.
Questões regionais e internacionais
Cooperação internacional e regional
Como resultado da globalização, a cooperação internacional tornou-se parte fundamental da agenda regulatória. As instituições reguladoras do Brasil têm investido na cooperação regional e internacional para evitar duplicações, beneficiarem-se de possíveis sinergias e adotarem as melhores práticas de regulamentação e política de concorrência.
A Agência Brasileira de Cooperação (ABC) é responsável pela cooperação internacional entre o Brasil e outros países ou organizações internacionais e está vinculada ao Ministério de Relações Exteriores. Ela negocia, coordena, implanta e monitora projetos e programas de cooperação técnica decorrentes de acordos assinados entre o Brasil e outros países e organizações internacionais.33
Quanto ao setor de comunicações, a Secretaria de Telecomunicações do MCTIC é responsável pela interação com organismos nacionais e internacionais. Ela também administra a participação em fóruns internacionais centrados no desenvolvimento das TIC.34 A Anatel tem o mandato legal de representar o Brasil em organizações internacionais de telecomunicações, sob a coordenação do Poder Executivo (art. 19 da LGT).35 Nesse sentido, a Anatel vem coordenando a participação da delegação brasileira em discussões internacionais de telecomunicações. Entre outras, isso inclui a UIT, a Comissão Interamericana de Telecomunicações (CITEL) e o Fórum Latino Americano de entidades Reguladoras de Telecomunicações (Regulatel).
O Brasil adotou várias das recomendações da OCDE relativas à economia digital, que incluem a Declaração sobre a Economia Digital de 2016 da OCDE (OECD Ministerial Declaration on the Digital Economy: Innovation, Growth and Social Prosperity [OCDE, 2016[58]]), a Recomendação sobre os Serviços de Roaming Móvel Internacional de 2012 do Conselho da OCDE (Recommendation of the Council on International Mobile Roaming Services [OCDE, 2012[59]]) e a Recomendação para o Desenvolvimento da Banda Larga de 2004 (Recommendation of the OECD Council on Broadband Development [OCDE, 2004[60]]), também do Conselho. Um dos quatro eixos principais da Estratégia Brasileira de Transformação Digital de 2018 enfatiza os aspectos internacionais para a promoção da integração regional e a integração de empresas brasileiras em cadeias de valor globais.
Em termos de política de concorrência, em particular, o Brasil aderiu às recomendações da OCDE. O país também adotou modelos sugeridos pela Rede Internacional da Concorrência para fusões e cartéis. Ademais, o Cade estabeleceu acordos de cooperação relevantes com outras agências de defesa da concorrência para promover o compartilhamento de dados e informações, promover o aprendizado mútuo e evitar conflitos de jurisdição.36
Roaming móvel internacional
O roaming móvel internacional permite que usuários de aparelhos móveis acessem serviços de comunicações em países estrangeiros, com isso, ampliando a cobertura da operadora do consumidor. Em geral, essa ampliação de cobertura é possível por meio de acordos de atacado entre a operadora doméstica do consumidor e a operadora móvel estrangeira. Embora novos desenvolvimentos tecnológicos estejam viabilizando alternativas, as tarifas internacionais de roaming móvel continuam a ser um desafio. Muitos substitutos exigem que assinantes mudem seu número de celular ou não fornecem a mobilidade suficiente (Bourassa et al., 2016[61]).
Como no caso de países da OCDE, o roaming internacional tem sido historicamente polêmico no Brasil. Como o roaming móvel internacional é fornecido por acordos comerciais com operadoras internacionais, esses serviços não estão sob a jurisdição da Anatel. Portanto, na ausência de uma entidade regulatória supranacional, fica difícil impor uma regulação top-down das tarifas.
Uma regulação desse tipo depende das condições da negociação entre operadoras domésticas e estrangeiras. Nesse contexto, em geral, nenhuma operadora tem incentivo a reduzir tarifas. Ademais, tributação dupla é uma preocupação: usuários finais acabam pagando tributos no país onde fizeram roaming, assim como no Brasil.
No Brasil, o roaming móvel internacional não foi usado como uma vantagem significativa para competir no mercado até 2008. Em 2008, a Claro – cujas tarifas variavam de acordo com tecnologia (GPRS, EDGE e 3G) e a operadora originária – reduziu seu preço por MB a uma tarifa fixa. A TIM seguiu o exemplo, oferecendo descontos de até 30% de sua tarifa básica. Isso resultou em preços comparáveis entre as operadoras. Em 2011, ofertas incluindo serviços de roaming internacional tanto para serviços de voz quanto de dados móveis começaram a difundir-se, com descontos de até 80% dos preços de atacado. Em 2012, o Brasil lançou pacotes de roaming internacional de voz e dados ilimitados a uma tarifa fixa por dia.
Apesar da redução do preço ter-se dado principalmente em resposta às dinâmicas competitivas no Brasil, tanto a Anatel como as associações de defesa do consumidor já haviam exercido uma pressão significativa. A Anatel já incorporou uma regra para evitar surpresas na conta em termos do roaming dentro de seu Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações. O regulamento determina que consumidores sejam notificados quando os créditos ou o pacote de roaming estiverem na iminência de expirar, de preferência por SMS. Além disso, em 2012, as operadoras brasileiras, juntamente com a maioria das operadoras da América Latina, por meio do GSMA, lançaram uma iniciativa para tornar o roaming de dados mais transparente e mais fácil de entender para os consumidores.
O Brasil aderiu a uma recomendação da OCDE, em 2018, para equilibrar as necessidades de diferentes partes com o interesse em serviços de roaming internacional. Em 2012, o Conselho da OCDE adotou a Recomendação do Conselho de Serviços de Roaming Móvel Internacional. A recomendação visa garantir uma concorrência efetiva, a conscientização e a proteção de consumidores, bem como um nível de preço justo dos serviços de roaming móvel internacional. Assim, ela estabelece uma série de medidas – das mais básicas às mais intervencionistas – que os governos devem considerar para enfrentar os desafios relacionados aos mercados de roaming móvel internacionais (OCDE, 2012[59]).
O Brasil tem participado de discussões internacionais sobre o roaming móvel internacional. O país propôs uma regulação mais proativa do roaming móvel internacional na Conferência Mundial sobre Telecomunicações, em Dubai, em 2012 (WCIT-12). Embora a proposta do Brasil para uma regulamentação multilateral completa não tenha sido bem-sucedida, quatro disposições foram incluídas nos Regulamentos Internacionais de Telecomunicações nos acordos da conferência:
Os Países deverão tomar medidas para garantis que operadoras forneçam informações acuradas, atualizadas e tempestivas aos usuários a respeito das tarifas internacionais de roaming.
Os Países deverão promoter a concorrência em serviços de roaming internacional e fomentar políticas que levem a tarifas competitivas de roaming.
Qualidade de serviço satisfatória deve ser fornecida aos usuários de roaming.
Os Países deverão tomar medidas para mitigar quaisquer cobranças inadvertidas de roaming em zonas fronteiriças, onde usuários podem inadvertidamente ser servidos por uma operadora do outro lado da fronteira.
O Brasil começou a usufruir dessas disposições logo depois do WCIT-12. Até o final de 2013, o Peru e o Brasil concordaram em considerar ligações entre cidades fronteiriças como sendo ligações locais, contudo esse acordo só foi implementado em 2016. Ele estava agendado para ser discutido na Comissão Vice Ministerial de Integração Fronteiriça de 2020.
Desde o WCIT-12, ocorreram vários desenvolvimentos no roaming móvel internacional. A União Europeia, depois de muitos anos de discussão, concordou em eliminar por completo as tarifas de roaming móvel internacional em 2017 (iniciativa “Roam Like at Home”). Devido à pressão da concorrência, tarifas de roaming entre os Estados Unidos, o México e o Canadá têm desaparecido rapidamente. Em 2016, o Grupo de Estudos 3 do Departamento de Padronização de Telecomunicações (ITU-T SG3) publicou uma recomendação importante. O documento propôs que os países chegassem a acordos para o desenvolvimento de modelos de tarifação, bem como afirmou que deveriam estabelecer limites máximos de preço para preços de roaming de atacado e varejo. A Assembleia Mundial de Padronização das Telecomunicações da UIT, realizada na Tunísia, em 2016, adotou essas recomendações.37
O Brasil continua a negociar acordos internacionais de roaming com seus vizinhos. As negociações com a Argentina, o Uruguai e o Paraguai começaram em 2017. Em março de 2018, a CITEL assinou a Declaração de Buenos Aires e, assim, concordou "em incentivar medidas destinadas a promover maior transparência, acessibilidade dos preços e eliminação de tarifas adicionais para o usuário final dos serviços de roaming internacional, focalizando especialmente as realidades e necessidades das zonas fronteiriças” (OEA, 2018[62]).
A região alcançou vários marcos na redução do roaming internacional em 2019. Em julho de 2019, o Chile e o Brasil assinaram um acordo de livre comércio com o compromisso de eliminar esses encargos na 54ª Cúpula do Mercosul. O acordo, que envolve a Argentina, o Paraguai e o Uruguai, ainda, aguarda aprovação do Congresso Brasileiro.
Annex 5.A. O futuro leilão do 5G no Brasil
Tabela 5.A.1. Divisão dos blocos para o futuro leilão do espectro 5G no Brasil
Banda de frequência |
Divisão dos blocos por rodadas |
Obrigações de cobertura |
---|---|---|
700 MHz |
1ª rodada |
|
1 bloco nacional de 10 MHz pareado (10+10 MHz) |
Ampliação da cobertura móvel em localidades sem 4G e estradas |
|
2ª rodada |
||
2 blocos nacionais de 5 MHZ pareados (5+5 MHz) |
Ampliação da cobertura móvel em localidades sem 4G e estradas |
|
3,5 GHz |
1ª rodada |
|
1 bloco regional de 60 MHz exclusivos para ISPs de pequeno porte |
Ampliação da cobertura móvel em municípios com até 30 mil habitantes, preferencialmente sem 4G (Obs.: compromissos de cobertura podem ser descontados do preço de reserva [até 90%]) |
|
2ª rodada |
||
2 blocos de 100 MHz e 1 bloco de 80 MHz, nacionais |
Ampliar o backhaul em municípios não atendidos |
|
3ª rodada |
||
Bloco de 60 MHz regional (com restrição a quem adquirir blocos anteriores na Banda de 3,5 GHz) |
Ampliar o backhaul em municípios não atendidos |
|
2,3 GHz |
1ª (e única) rodada |
|
Bloco de 50 MHz e de bloco de 40 MHz regionais |
Ampliar cobertura localidades e municípios sem 4G |
|
26 GHz |
1ª rodada |
|
5 blocos nacionais e 3 blocos regionais de 400 MHz |
Sem compromissos |
|
2ª rodada |
||
Até 10 blocos nacionais e 6 blocos regionais de 200 MHz que não forem vendidos na rodada anterior |
Sem compromissos |
Fonte: Anatel (2020[11]), Anatel aprova consulta pública para implementar o 5G, https://www.anatel.gov.br/institucional/component/content/article/171-manchete/2491-anatel-aprova-consulta-publica-para-licitar-faixas-de-frequencias-para-o-5g.
Annex 5.B. Duração de licenças de espectro e política de renovação nos países da OCDE
Tabela 5.B.1. Duração típica das atuais licenças de espectro em países da OCDE
País |
Duração das atuais licenças de espectro |
As licenças podem ser prorrogadas sob pedido? |
Política geral de renovação de licenças |
Como a autoridade reguladora calcula os preços de prorrogação ou de renovação? |
---|---|---|---|---|
Austrália |
15 anos |
Sim (sob pedido) |
As licenças de espectro duram até 15 anos e não são renovadas automaticamente. Dois anos antes da expiração da validade da licença, o titular da licença deve manifestar interesse em renová-la. A ACMA decide se renova a licença ou aloca a banda de frequências para outros fins. |
O preço de renovação é determinado administrativamente ou por meio de um novo leilão. |
Áustria |
16-20 anos |
Não |
Novo leilão. |
Novos preços de licença determinados pelo leilão. |
Bélgica |
15-20 anos |
Não |
Novo leilão. |
Novos preços de licença determinados pelo leilão. |
Canadá |
10 anos com alta expectativa de renovação para 10 anos subsequentes (i.e. até 20 anos) |
Sim (sob pedido para os 10 anos seguintes) |
O Marco para Leilões de espectro no Canadá (Framework for Spectrum Auctions) afirma que licenças têm alta expectativa de serem renovadas por mais 10 anos, a menos que haja uma violação da condição da licença, haja uma necessidade fundamental de realocar o espectro para um novo serviço ou surja uma necessidade de política pública mais premente. |
Preço de leilão ou de renovação da licença. Para as licenças concedidas por meio do processo de renovação, uma consulta independente determina o preço de licença de espectro para refletir o valor de mercado. |
Chile |
30 anos |
Não |
Novo processo de seleção comparativa. |
Novo processo de seleção comparativa. |
Colômbia |
20 anos |
Sim1 (para licenças atuais) |
A Lei de Modernização das TIC amplia o período de licença de espectro de 10 a 20 anos. |
Leilão. |
República Tcheca |
10-15 anos |
Sim |
A reguladora é obrigada a renovar a licença a pedido do titular da licença. |
A entidade reguladora indica um perito independente para determinar o preço da renovação. |
Dinamarca |
15-23 anos |
Não |
Novo leilão. |
Novos preços de licença determinados pelo leilão. |
Finlândia |
13-20 anos |
Não especificado |
Novo processo de seleção comparativa. |
Nenhum preço de renovação específico. |
França |
12-20 anos |
Não |
Prorrogação de licença2 ou leilão. |
A agência reguladora francesa Arcep geralmente conduz os leilões. Nenhum preço de renovação específico. |
Alemanha |
15-19 anos |
Não |
Novo leilão. |
Política geral: novos preços de licença determinados pelo leilão. |
Hungria |
15 anos |
Sim |
.. |
.. |
Irlanda |
15 anos |
Não |
Novo leilão. |
Novos preços de licença determinados tanto pelo leilão como pelos “preços anuais de espectro”. |
Itália |
15-20 anos |
Sim |
.. |
Nenhum preço de renovação específico; no entanto, uma revisão dos preços anuais de espectro. |
Japão |
5 anos com possibilidade de renovação |
Sim |
Se uma avaliação do ministério (MIC) mostrar que o pedido está de acordo com as Leis Regulatórias da Radiodifusão, a licença será renovada. |
Preços determinados por seleção comparativa. |
Coreia do Sul |
5-10 anos |
Sim |
Ministério (MSIT) e operadoras discutem renovação. |
Preço normalmente determinado por leilão. |
México |
20 anos |
Sim3 (se não houver interesse na Banda por outros atores, caso contrário, leilão) |
Leilão ou prorrogação da licença. |
Preço de renovação determinado pela agência reguladora (IFT) ou por meio de leilão. |
Países Baixos |
20 anos |
Não |
Novo leilão. |
Novos preços de licença determinados por leilão. |
Polônia |
15 anos (licenças mais antigas até 30 anos) |
Sim |
Prorrogação da licença com base no pedido da operadora. |
Calculado com base no preço por megahertz aplicado na última concessão de uma faixa com ajuste à inflação. |
Portugal |
15 anos |
Sim |
Prorrogação da licença. |
A ANACOM não divulga valores. |
República Eslovaca |
10 anos |
Sim |
Prorrogação da licença. |
O preço de renovação da licença depende da agência reguladora. |
Eslovênia |
15 anos |
Sim |
Novo leilão. |
Novos preços de licença determinados por leilão. |
Espanha |
16-30 anos |
Sim |
.. |
Nenhuma política geral sobre preços de renovação. |
Suécia |
10-25 anos |
Não |
Novo leilão. |
Novos preços de licença determinados por leilão. |
Suíça |
12-16 anos |
Não |
Novo leilão. |
Novos preços de licença determinados por leilão. |
Reino Unido |
Licenças indefinidas4 (i.e. 20 anos no primeiro período; depois a Ofcom pode revogar a licença por razões de gestão do espectro com um aviso prévio de 5 anos) |
Sim |
Renovação ou leilão. |
Em 2015, a Ofcom calculou o preço de renovação das Bandas de 900 MHz e 1,8 GHz: I) analisando os montantes pagos no leilão de 4G de fevereiro de 2013; ii) comparando os montantes oferecidos em leilões de espectro estrangeiros; e iii) avaliando as características técnicas e comerciais. |
Estados Unidos |
10 anos5 |
Sim, (apenas na ausência de pedidos de licenças iniciais mutuamente exclusivas) |
A Lei do Orçamento Equilibrado (Balanced Budget Act), de 1997, exige que a FCC use leilões para resolver pedidos mutuamente exclusivos de licenças iniciais, a menos que se apliquem determinadas isenções (por exemplo, isenções para serviços de rádio de segurança pública, licenças de televisão digital para substituir licenças analógicas e estações de radiodifusão públicas e educativas não comerciais). |
Preços de leilão ou renovação. |
1. Após as alterações introduzidas na Lei de Modernização das TIC, as licenças atuais podem continuar por um período adicional.
2. Excepcionalmente, o governo concordou com os compromissos de investimento das MNOs para acelerar a cobertura móvel (ou seja, 900 MHz, 1.800 MHz e 2 GHz) por um período de renovação de 10 anos sem leilão (ou seja, “the new deal” de novembro de 2018).
3. As licenças de espectro podem ser renovadas por um período adicional. A operadora licenciada tem de manifestar interesse em sua renovação um ano antes do término da licença. O Instituto Federal de Telecomunicações (Instituto Federal de Telecomunicaciones, IFT) tem um ano para decidir se existe interesse público na recuperação da Banda de frequências e, em caso afirmativo, notificará a operadora licenciada da revogação da licença. Se não houver interesse público, o IFT pode autorizar a renovação (artigo 114 do Capítulo VI do LFTR).
4. As licenças por tempo indeterminado significam que a Ofcom tem direitos limitados de revogação por um período inicial de 20 anos, depois do qual ela pode revogar a licença por razões de gestão do espectro, dado que tenha notificado a operadora licenciada com uma antecedência de pelo menos 5 anos. O direito de revogar licenças por razões de gestão do espectro foi mantido devido ao risco de deficiências específicas do mercado.
5. As licenças para áreas de serviço serão concedidas por períodos de 10 anos a contar da data de emissão ou renovação original. Em 1993, o Congresso aprovou a Lei de Reconciliação do Orçamento compreensivo (Omnibus Budget Reconciliation Act). Ela deu autoridade à Comissão Federal das Comunicações (FCC) para recorrer a licitações competitivas para escolher entre dois ou mais pedidos de licença inicial e mutuamente exclusiva.
Notas: .. = não disponível; ACMA = Autoridade de Comunicações e Mídia Australiana (Australian Communications and Media Authority); FCC = Comissão Federal de Comunicações (Federal Communications Commission - Estados Unidos).
Fontes: Austrália: Governo Australiano (1992[63]), Radiocommunications Act of 1992, www.legislation.gov.au/Details/C2019C00262; ACMA (2020[64]), Modernising the Management of Spectrum, www.communications.gov.au/departmental-news/modernising-management-spectrum. Canadá: Governo do Canadá (2019[65]), Policy and Licensing Procedures for the Auction of Spectrum Licences in the 2 300 MHz and 3 500 MHz Bands, www.ic.gc.ca/eic/site/smt-gst.nsf/eng/sf08621.html. Chile: Subtel (2005[66]), Manual de Trámites de Autorizaciones, www.subtel.gob.cl/manual_autorizacion/manual/manual_autorizaciones.pdf. Colômbia: OCDE (2019[67]), OECD Reviews of Digital Transformation: Going Digital in Colombia, https://doi.org/10.1787/781185b1-en. União Europeia: Cullen International (2019[68]), Licence Extension and Renewal Policy, www.cullen-international.com/radiospectrum.html. Japão: MIC (2019[69]), Process of Frequency Assignment, www.tele.soumu.go.jp/e/adm/proc/type/again/index.htm. Coreia do Sul: MSIT (2019[70]), A Public Notice for the 5G Frequency Auction, www.msit.go.kr. México: Governo do México (2014[71]), Ley Federal de Telecomunicaciones y Radiodifusión, www.dof.gob.mx/nota_detalle.php?codigo=5352323&fecha=14/07/2014. Reino Unido: Ofcom (2017[72]), The Award of 2.3 and 3.4 GHz Spectrum Bands, www.ofcom.org.uk/__data/assets/pdf_file/0030/81579/info-memorandum.pdf. Estados Unidos: FCC (2020[73]), About Auctions, www.fcc.gov/auctions/about-auctions; FCC (2017[74]), Wireless Licence Renewal and Service Continuity Reform, http://transition.fcc.gov/Daily_Releases/Daily_Business/2017/db0713/DOC-345790A1.pdf. Todas as fontes foram acessadas em 12 de fevereiro de 2020.
Referências
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Observações
← 1. As alterações legais recentes introduzidas com a Lei n.º 13.879, de outubro de 2019, permitem que as concessionárias antecipem o fim dos seus contratos sem devolver os ativos reversíveis, ao mesmo tempo que assumem compromissos de investimento.
← 2. Usando a taxa de câmbio de 3,65 BRL/USD para o ano de 2018 da OECD.stat (https://stats.oecd.org/).
← 3. Ambos os conceitos são estabelecidos na Lei n.º 9.472, de 1997, artigos 60 e 61: “Artigo 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação. § 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza. [...]
Artigo 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, ao armazenamento, à apresentação, à movimentação ou à recuperação de informações.
§ 1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.”
← 4. Decreto n.º 2.617 de 1998.
← 5. Constituição, artigo 222, §1º.
← 6. De acordo com a UIT-R: “O monitoramento do espectro é um dos instrumentos essenciais da gestão do espectro. Técnicas de monitoramento do espectro são desenvolvidas para garantir o cumprimento dos parâmetros técnicos e das normas dos sistemas de radiocomunicação. Além disso, o monitoramento do espectro contribui para promover a utilização eficiente do espectro de radiofrequências e da órbita de satélite.” (UIT, 2011[79])
← 7. A história da telefonia móvel no Brasil começou em 30 de dezembro de 1990, quando as primeiras concessões do Serviço Móvel Celular (SMC) começaram a operar na cidade do Rio de Janeiro, com capacidade para 10 mil terminais. A Banda A (ou seja, 850 MHz e 900 MHz) foi inicialmente atribuída ao titular público brasileiro fixo, Embratel (GSMA e Deloitte, 2012[77]).
← 8. O artigo 14 da resolução menciona: “A cobrança a que se refere este Regulamento aplica-se, quando aplicável, sobre a emissão ou prorrogação do prazo de validade da autorização para uso de radiofrequência e pode ser paga em até 3 (três) prestações semestrais iguais, desde que o valor das prestações seja igual ou superior a R$ 500,00 (500 reais) e o termo de autorização seja maior do que o prazo concedido para o pagamento da última prestação.”
← 9. De acordo com o documento apresentado pelo Brasil para a CITEL, em 2015, o leilão de 700 MHz incluía: “procedimentos estabeleceram que os investimentos para construir redes 4G devem incluir um percentual mínimo de tecnologia desenvolvida no Brasil (15% até 2016 e 20% até 2022) e um percentual mínimo de equipamentos produzidos por empresas brasileiras (50%).”
← 10. Resolução Anatel n.º 625/2013. Disponível em http://legislacao.anatel.gov.br/resolucoes/2013/644-resolucao-625.
← 11. Os Leilões de Espectro n.º 002/2007/SPV – ANATEL (“3G”), e n.º 002/2010/PVCP/SPV – ANATEL (“Banda H”).
← 12. Em 2017, quando o Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Eletrônicas (ORECE) avaliou a proposta inicial da Comissão Europeia de estabelecer uma duração mínima de licença de espectro de 25 anos (que foi alterada para 15 anos com uma prorrogação de 5 anos), salientou a importância dos leilões de espectro como instrumentos para reforçar a concorrência. A saber, quanto ao artigo 50 sobre a duração da licença, o ORECE mencionou: “a fixação de uma duração mínima de licença pode resultar no estabelecimento de estruturas de mercado e limitar o potencial de entrada no mercado. Por exemplo, o processo de realocação de espectro a intervalos regulares pode permitir a possibilidade de novas operadoras entrarem no mercado, o que é particularmente importante se os mercados em toda a União enfrentarem problemas de competição estruturais. Mesmo a ‘ameaça’ de nova entrada no mercado tem efeitos positivos sobre a competição. Esse é o caso especialmente dos mercados em que o número de operadoras é limitado ou onde já não existe competição efetiva.” (ORECE, 2017[75])
← 13. Paul Milgrom, um economista especializado em criação de leilões, trouxe um forte argumento contra o uso de seleção administrativa. Ele ressalta que se o bem é inicialmente alocado nas “mãos erradas” no mercado primário, não há maneira de desenhar um processo privado de negociação (ou seja, mercado secundário) sem atrasos ou falhas (Milgrom, 2000[14]; Hazlett, Muñoz e Avanzini, 2011[15]).
← 14. O artigo 167 da Lei n.º 9.472, de 1997, alterado a partir do Artigo 2 da Lei de n.º 13.879, de 2019: “No caso de serviços autorizados, o prazo de vigência será de até 20 (vinte) anos, prorrogável por iguais períodos, sendo necessário que a autorizada tenha cumprido as obrigações já assumidas e manifeste prévio e expresso interesse.”
§ 1° A prorrogação, sempre onerosa, poderá ser solicitada até três anos antes do vencimento do prazo original, devendo o requerimento ser decidido em, no máximo, doze meses.
§ 2° O indeferimento somente ocorrerá se o interessado não estiver fazendo uso racional e adequado da radiofrequência, se houver cometido infrações reiteradas em suas atividades ou se for necessária a modificação de destinação do uso da radiofrequência.
§ 3º Na prorrogação prevista no caput, deverão ser estabelecidos compromissos de investimento, conforme diretrizes do Poder Executivo, alternativamente ao pagamento de todo ou de parte do valor do preço público devido pela prorrogação.” Disponível em: http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L9472.htm.
← 15. Ato administrativo SEI 53500.025122/2014-48.
← 16. Isto é a exigência para que os prestadores de serviços de comunicação disponibilizem suas redes para interconexão de forma não discriminatória, se tecnicamente viável.
← 17. Após o leilão de espectro de Banda B, em 1997, havia dez áreas de serviço móvel no Brasil.
← 18. Usando a taxa de câmbio de 2,160 BRL/USD para o ano de 2013 da OECD.stat (https://stats.oecd.org/).
← 19. Usando a taxa de câmbio de 3,330 BRL/USD para o ano de 2015 da OECD.stat (https://stats.oecd.org/).
← 20. Mais detalhes em: https://www.anatel.gov.br/setorregulado/snoa.
← 21. Acórdão n.º 371 – sobre o Processo n.º 53500.078714/2017-13, de 17 de julho de 2019.
← 22. A Anatel também colaborou com partes interessadas do setor privado para promover uma regulação responsável. Um exemplo é a ABR Telecom (Associação Brasileira de Recursos em Telecomunicações), a associação de operadoras responsáveis pela gestão dos aspectos técnicos de portabilidade, fraude, listas para os consumidores para bloquear telemarketing e consulta se seus números de identidade foram associados a uma conta pré-paga (Cadastro de Pessoa Física).
← 23. Para mais informações sobre o marco do estudo, ver Resolução n.º 654, de 13 de julho de 2015. Ver também: www.anatel.gov.br/paineis/consumidor/pesquisa-de-satisfacao.
← 24. O MCTIC estimou o número dessas comunidades em 30 mil em 2017, embora os critérios utilizados para esta estimativa não estejam claramente definidos no ato jurídico que estabelece o programa.
← 25. Artigo 5º, § 1, alínea a), da Portaria Ministerial n.º 7.154 de 2017.
← 26. Dois programas apoiam telecentros em todo o país: Telecentros.BR, lançado em 2009, e o Programa de Telecentros Comunitários, que teve início em 2014 (Decreto n.º 6.991 de 2009).
← 27. Acórdão do TCU AC-1796-28/19-P.
← 28. Os sete projetos incluem: i) Ampliação da rede de transporte de alta capacidade (backhaul) com fibra óptica chegando nos municípios que ainda não dispõem dessa infraestrutura; ii) Ampliação do backhaul com rádio IP, satélite ou outra tecnologia de alta capacidade nos municípios sem viabilidade econômica para a implantação da fibra óptica; iii) Expansão do Serviço Móvel Pessoal (SMP) com tecnologia 3G ou superior em distritos não sede, ainda sem atendimento (i.e. 2.012 de 4.929 municípios, com a exceção de capitais); iv) expansão do SMP com tecnologia 4G ou superior em distritos sede com população abaixo de 30 mil habitantes, ainda sem atendimento; v) expansão da infraestrutura de fibra ótica de última milha, fibra ótica em municípios sem atrativos comerciais e em áreas periféricas de grandes cidades com baixa média de velocidade de acesso à internet; vi) implantação de “redes públicas essenciais” referindo-se às redes que atendem a serviços de interesse público (e.g. educação, pesquisa, saúde, segurança pública e de defesa); e vii) a expansão do SMP com tecnologia 3G ou superior em estradas e áreas rurais ainda sem atendimento.
← 29. Os cartões universais de circuito integrado embutidos (embedded universal integrated circuit card – EUICC). Os eSIMs representam a próxima geração de tecnologia SIM, substituindo cartões físicos com software capaz de trocar um aparelho entre operadoras de forma remota. A tecnologia permite que um aparelho hospede várias provedoras de conectividade e é projetada para ser usada em todo o espectro de aparelhos sem fio, incluindo smartphones e módulos de IoT.
← 30. Algumas vantagens do eSIM incluem a simplificação da logística da implantação global. Um só eSIM programável pode ser embutido em todos os aparelhos de IoT e enviados a qualquer mercado onde o eSIM tenha um acordo local com a MNO, o que reduziria a necessidade de usar o roaming permanente (Rehak e Freire, 2019[78]).
← 31. Outros países que aplicam impostos e taxas no momento de ativação são a República Dominicana, o Egito, a Itália, a Nicarágua e a Turquia. Alguns – como a Itália – abriram exceções para aparelhos IoT (GSMA, 2019[76]).
← 32. A consulta pública submetida em 2019 está disponível em: https://www.anatel.gov.br/institucional/noticias-destaque/2333-anatel-aprova-consulta-publica-para-diminuir-barreiras-a-expansao-de-iot-e-m2m-no-brasil.
← 34. Decreto n.o 9.677, de 2019.
← 35. Art. 19 da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), Lei n.º 9.472/1997: “À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade e, especialmente:
I – implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de telecomunicações;
II – representar o Brasil nos organismos internacionais de telecomunicações, sob a coordenação do Poder Executivo; [...].”
← 36. Esses acordos foram assinados com diversos países e instituições: Federação da Rússia (doravante “Rússia”), Argentina, Estados Unidos, Portugal, Canadá, Chile, Comissão Europeia, França, Peru, Colômbia, República Popular da China (doravante “China”), Equador, Japão, Internacional, Banco de Desenvolvimento, Banco Mundial e os países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
← 37. Recomendação D.97 do Grupo de Estudo 3 da UIT do Departamento de Padronização das Telecomunicações da UIT (ITU-T SG3).