Este capítulo analisa a relevância da liderança em integridade na promoção de culturas organizacionais de integridade, enfatizando o duplo papel desempenhado pelos líderes como modelos e gestores de integridade. Através do seu comportamento, os líderes podem tornar-se indutores de mudança no comportamento dos agentes públicos nas instituições públicas.
Fortalecendo a Liderança em Integridade na Administração Pública Federal do Brasil
1. Liderança em integridade como indutor de mudança em instituições públicas
Abstract
1.1. Uma perspectiva comportamental sobre liderança em integridade
Os comportamentos são importantes. A mudança exige que as pessoas comecem a fazer as coisas de maneira diferente. Como tal, os desenvolvedores de políticas públicas precisam compreender melhor o que impulsiona o nosso comportamento. O potencial inovador de incorporar o fator humano com as suas dimensões psicológicas, cognitivas e sociais nas políticas de integridade é amplamente reconhecido. No entanto, o comportamento humano ainda é, muitas vezes, uma dimensão subestimada na formulação de políticas de integridade, que tendem a centrar-se em reformas legais e institucionais. Para cobrir esta lacuna, o relatório da OCDE sobre “Insights Comportamentais para a Integridade Pública” liga insights relevantes da investigação comportamental à elaboração de políticas anticorrupção e de integridade (OCDE, 2018[1]).
Três mensagens principais emergem dessas percepções comportamentais para a integridade pública:
Primeiro, independentemente do contexto, a maioria das pessoas quer agir com integridade. Ao mesmo tempo, elas podem envolver-se em práticas antiéticas, enquanto conseguem sentir-se uma pessoa honesta (Cohn et al., 2019[2]; Fischbacher and Föllmi-Heusi, 2013[3]; Shalvi et al., 2011[4]). Isto tem implicações para a legislação e a elaboração de políticas (Feldman, 2018[5]). As medidas tradicionais anticorrupção concentram-se quase exclusivamente nos indivíduos corruptos. Ao fazê-lo, os custos das medidas anticorrupção para os não-corruptos são largamente negligenciados. Os formuladores de políticas devem concentrar-se mais no apoio à tomada de decisões éticas, proporcionando um ambiente adequado e de confiança (Lambsdorff, 2015[6]). Como a escolha ética é muitas vezes inconsciente, o desenvolvimento de capacidades e as ferramentas podem não ser suficientes para promover decisões éticas reais.
Segundo, as normas sociais são importantes na formação das nossas escolhas (Bicchieri, 2005[7]; Bicchieri, 2017[8]). As pessoas se comportam de acordo com as crenças e expectativas do que é aceitável em seu contexto social. As reformas de integridade podem falhar se não considerarem as normas sociais existentes que podem não estar alinhadas com regulamentos e procedimentos formais. Mais uma vez, em vez de se concentrar nos maus comportamentos e, assim, reforçar potencialmente as normas sociais existentes, tornar visível o bom comportamento para promover culturas de integridade pode ser a chave para o sucesso. Nos níveis organizacionais, os líderes da gestão intermediária podem desempenhar um papel importante na consecução deste objetivo.
Terceiro, as políticas de integridade, mesmo quando bem-intencionadas, podem nem sempre produzir o impacto desejado ou podem até sair pela culatra quando as pessoas não reagem conforme o esperado. Em especial, ao conceber campanhas de sensibilização, os formuladores de políticas públicas precisam considerar como as mensagens transmitidas podem contribuir para a normalização involuntária da corrupção nos grupos-alvo (Cheeseman and Peiffer, 2021[9]; Peiffer, 2018[10]; Corbacho et al., 2016[11]; Ajzenman, 2021[12]). Em vez de fazer suposições ou imaginar como as pessoas se comportariam ou deveriam se comportar, observar e compreender o comportamento real deveria ser o ponto de partida. Além disso, testar antes do aumento de escala é fundamental. A compreensão dos vieses cognitivos e da heurística melhorou; eles podem ser previstos e, portanto, levados em consideração ao projetar políticas.
É evidente que a aplicação de conhecimentos comportamentais às políticas de integridade requer uma compreensão profunda de um determinado contexto em que as pessoas tomam decisões e agem, considerando seriamente o conceito de “o contexto importa”. Por conseguinte, a OCDE desenvolveu uma metodologia que fornece orientação aos formuladores de políticas públicas sobre os passos para aplicar percepções comportamentais de forma sistemática e responsável para compreender por que razão os cidadãos se comportam daquela forma e pré testar quais as soluções políticas que são mais eficazes antes de as implementar em grande escala (OCDE, 2019[13]).
Esta metodologia, conhecida como metodologia BASIC, consiste nas seguintes cinco etapas:
1. Comportamento (Behaviour): Identificar e compreender melhor os comportamentos que estão impulsionando o problema na política.
2. Análise (Analysis): Revisar as evidências disponíveis para compreender quais fatores psicológicos e cognitivos estão causando os comportamentos visados (por que as pessoas se comportam de determinada maneira?).
3. Estratégia (Strategy): traduzir a análise em estratégias informadas sobre o comportamento que irão efetivamente mudar o(s) comportamento(s) identificado(s) na raiz do problema na política.
4. Intervenção (Intervention): conceber e implementar uma intervenção para testar qual a estratégia mais eficaz para resolver o problema e alcançar o resultado na política.
5. Mudança (Change): Revisitar o exercício, pensar nas implicações a longo prazo da intervenção e decidir se devem ser desenvolvidos planos para expandir para uma intervenção completa na política para sustentar o comportamento ou encerrar o projeto.
No Brasil, a OCDE tem apoiado a Controladoria-Geral da União (CGU) na implementação de um projeto que visa fortalecer as políticas, métodos e instituições para promover a integridade no poder executivo federal do Brasil. Este projeto tem três componentes: i) uma revisão da metodologia de avaliação de riscos de integridade (OCDE, 2022[14]); ii) uma análise do Sistema de Integridade Pública do Poder Executivo Federal (SIPEF) para fortalecer as Unidades de Gestão da Integridade (UGIs) (OCDE, 2021[15]); e iii) a aplicação de insights comportamentais a políticas de integridade pública selecionadas. Além disso, no âmbito deste projeto, a OCDE apoiou a CGU na identificação e definição dos Valores-chave para a Administração Pública Federal (Valores do Serviço Público Federal) por meio de um processo participativo com as principais partes interessadas, incluindo agentes públicos, cidadãos e representantes do setor privado.
Como parte do terceiro componente deste projeto, foi realizado um grupo focal pela OCDE com especialistas da CGU com o objetivo de identificar áreas onde a aplicação de insights comportamentais poderia ser mais explorada. Duas áreas foram identificadas: gestão de riscos de integridade e liderança em integridade. Como resultado, alguns caminhos para considerar as dimensões comportamentais na gestão do risco de integridade foram explorados num relatório anterior da OCDE (OCDE, 2022[14]). Por sua vez, o presente relatório concentra-se na identificação dos principais aspectos que impactam o comportamento dos líderes da administração pública federal. O relatório seguiu a ideia da metodologia BASIC e, além de entrevistas e grupos focais, implementou uma pesquisa com altos servidores públicos brasileiros (ver Anexo A). O relatório fornece recomendações concretas, informadas e inspiradas por insights comportamentais, sobre como o Brasil poderia fortalecer a liderança em integridade em sua administração pública federal.
1.2. Por que a liderança em integridade é importante
O tom no topo é importante para a integridade. Primeiro, os líderes atribuem recursos aos sistemas de integridade, os designam como prioridades organizacionais, supervisionam a sua coordenação e os integram no núcleo da sua gestão organizacional. Em segundo lugar, do ponto de vista comportamental, os líderes podem fornecer uma motivação para que outros no sistema de integridade defendam esses valores (Mayer et al., 2009[16]; Hanse et al., 2013[17]). Na verdade, um compromisso claro e repetido com a integridade por parte da liderança enfatiza valores comuns e sinaliza a todos os agentes públicos que a integridade é uma parte crucial da sua identidade profissional (OCDE, 2018[1]). O topo não se refere apenas aos mais altos níveis políticos e de gestão. A relevância da gestão intermediária e inferior não pode ser subestimada, uma vez que o seu impacto imediato nos comportamentos do pessoal sob a sua responsabilidade direta pode ser ainda maior e mais direto (OCDE, 2022[18]; OCDE, 2018[1]). Por exemplo, um estudo sobre governos locais no Reino Unido encontrou evidências do papel desempenhado pelos líderes na promoção e no reforço de padrões de conduta, especialmente quando intervêm informalmente para orientar o comportamento e resolver problemas emergentes, em vez de apenas confiar em mecanismos formais (Downe, Cowell and Morgan, 2016[19]).
Ao mesmo tempo, a pesquisa mostrou que os líderes éticos não devem ser vistos pelos seus colaboradores como “juízes morais” que desconfiam deles (Stouten et al., 2013[20]). O estudo realizado com amostras da Bélgica, dos Países Baixos e dos EUA sugere, portanto, que os líderes éticos devem reconhecer os valores dos colaboradores e abordá-los com respeito. Mais do que apenas discutir com eles os comportamentos esperados dos funcionários, os líderes também devem se preocupar com como os colaboradores se sentem sobre a aplicação de padrões éticos em seu trabalho diário (Stouten et al., 2013[20]).
Para este relatório, os líderes são considerados “funcionários seniores que ocupam os cargos mais elevados das burocracias administrativas e que lideram os agentes públicos na busca dos objetivos governamentais” (Gerson, 2020[21]). No entanto, muitas das conclusões e recomendações incluídas neste relatório aplicam-se igualmente aos gestores diretos/intermediários. Como mencionado, os gestores diretos/intermediários provavelmente são ainda mais importantes do que os que estão no topo, devido à sua maior proximidade diária com a maioria dos agentes públicos, que tendem a perceber princípios e sinais morais daqueles que veem à sua volta, em vez de aqueles no topo, que eles raramente veem.
A liderança em integridade ajuda a demonstrar o compromisso do setor público com a integridade pública. Mais especificamente, liderança em integridade refere-se à “demonstração de conduta normativamente apropriada por meio de ações pessoais e relações interpessoais, e à promoção de tal conduta aos seguidores através de comunicação bidirecional, reforço e tomada de decisão” (Brown, Treviño and Harrison, 2005[22]). Isto significa que para ser um líder em integridade são necessários dois aspectos inter-relacionados, denominados como o aspecto "pessoa moral" e o aspecto "gestor moral” (Treviño, Hartman and Brown, 2000[23]):
O líder, enquanto agente público de alto nível, precisa ser visto como uma “pessoa moral”, que compreende os valores que sustentam o serviço público e a sua organização específica e os utiliza para tomar as decisões certas, mesmo quando confrontado com um dilema ético. Os altos agentes públicos são obrigados a negociar valores múltiplos e muitas vezes concorrentes e conflitos entre valores – que são comuns e muitas vezes inevitáveis, por exemplo, entre democracia e burocracia; eficiência e igualdade; consistência, mudança e inovação; responsabilização e assunção de riscos (Gerson, 2020[21]). Os líderes devem compreender estas contrapartidas e as implicações das suas decisões. Além disso, a pesquisa evidenciou que o comportamento pró-social é contagioso (Chancellor et al., 2018[24]; Chancellor, Margolis and Lyubomirsky, 2018[25]): ao serem gentis, os líderes podem promover comportamentos pró-sociais, como a gentileza. Em suma, ao mudar e tornar visíveis os seus comportamentos, os líderes podem ajudar a criar normas que outros possam seguir (Acemoglu and Jackson, 2013[26]).
Além disso, o líder precisa ser visto como um “gestor moral” que comunica abertamente sobre integridade e dá aos funcionários as ferramentas e confiança de fazerem escolhas éticas, encoraja-os a procurar aconselhamento, a expressar as suas opiniões e faz com que se sintam confortáveis para discutir livremente questões de integridade e levantar questões antes que se tornem prejudiciais à organização e ao ambiente de trabalho (Wu and Danqi, 2015[27]). Os líderes podem moldar ativamente um ambiente de segurança psicológica dentro das suas equipes (Newman, Donohue and Eva, 2017[28]; Edmondson, 1999[29]). Em suma, os líderes podem promover e recompensar ativamente o comportamento apropriado e disciplinar a má conduta (Brown, Treviño and Harrison, 2005[22]).
Não só ambos os papéis são importantes, mas também é necessário que haja consistência entre eles (OCDE, 2009[30]). Particularmente preocupante é a situação em que um gestor finge ser um “gestor moral”, isto é, um gestor de integridade, mas não age como uma “pessoa moral” ou modelo de integridade. Um líder tão hipócrita “fala o discurso da ética”, mas não “faz o caminho da ética”; as palavras não estão alinhadas com os atos e refletem uma falta de integridade comportamental (Treviño, Hartman and Brown, 2000[23]; Simons, 2002[31]). Se os colaboradores perceberem discrepâncias entre a retórica e o comportamento, isso pode levar ao cinismo e pode até estimular a capacidade dos colaboradores de justificarem as suas próprias práticas antiéticas (OCDE, 2009[30]; OCDE, 2018[1]; Tenbrunsel and Messick, 2004[32]).
“…filosofias éticas terão pouco impacto no comportamento ético dos funcionários, a menos que sejam apoiadas por comportamentos gerenciais que sejam consistentes com essas filosofias” (Stead, Worrell and Stead, 2013[33])).
Como tal, através da aprendizagem social, uma boa liderança em todos os níveis parece ser fundamental no estabelecimento de uma cultura aberta de integridade dentro das organizações (OCDE, 2018[1]) (Bandura, 1977[34]). Embora a liderança em integridade não seja uma solução milagrosa (Wang et al., 2021[35]; Kalshoven, van Dijk and Boon, 2016[36]), os líderes podem ser vetores importantes para a mudança organizacional, vivendo e promovendo valores e princípios institucionais (Quadro 1.1).
Quadro 1.1. Aplicando Insights Comportamentais às Organizações: Fundamentos Teóricos
Estimular os supervisores ou outras pessoas poderosas ou influentes dentro de uma organização pode ter um efeito multiplicador, de modo que os comportamentos exibidos e endossados por indivíduos influentes tenham mais chances de serem adotados em massa, estimulando toda a organização no processo. Na verdade, acredita-se que os líderes carismáticos e transformacionais possuem qualidades que inspiram os seguidores a se comportarem da maneira desejada a serviço de um objetivo maior. Estimular esses líderes pode provocar mudanças comportamentais em grande escala.
É claro que aqueles que ocupam cargos formais de liderança no topo da hierarquia organizacional também estão em boa posição para efetuar mudanças comportamentais generalizadas, alterando as políticas e procedimentos organizacionais. Os estímulos (nudges) que ajudam os decisores de alto nível (líderes, conselhos de administração, etc.) a optimizar as decisões políticas organizacionais face aos seus próprios vieses e irracionalidades podem ter um efeito. Assim, ajudar os tomadores de decisão a ver a conexão entre políticas, procedimentos e comportamento na base é outra forma de estimular organizações inteiras.
Source: (OCDE, 2020[37]).
As medidas que apoiam uma cultura organizacional aberta operam em diversas dimensões, incluindo conscientização, engajamento, credibilidade/confiança, empoderamento e coragem (Tabela 1.1). Por exemplo, ao analisar a eficácia dos canais de denúncia, antes de ponderar se deve comunicar uma preocupação ética, um colaborador deve primeiro ser capaz de detectar má conduta e violações dos padrões de integridade (Berry, 2004[38]). No entanto, estar consciente não é suficiente: quando os valores e normas organizacionais entram em conflito com os do colaborador, o seu compromisso e envolvimento com a organização provavelmente serão prejudicados. Neste sentido, é necessário envolver os agentes públicos e aprofundar o seu compromisso com os valores e normas organizacionais para os encorajar a denunciar as violações e a defender os interesses da sua organização. Isto é apoiado quando os altos agentes públicos atuam como modelos, garantindo que as normas e valores da organização são acreditados e vividos na organização. Uma cultura organizacional aberta exige capacitação e coragem dos colaboradores para expressar ideias ou preocupações, sabendo que não serão punidos pela sua coragem e iniciativa.
Tabela 1.1. Dimensões de uma cultura organizacional aberta
Dimensão |
Questões guia |
---|---|
Conscientização |
Quais são os padrões nesta organização? Qual é o meu papel na defesa desses padrões? |
Engajamento |
Eu acredito nos valores desta organização? Eles são congruentes com meus valores e crenças pessoais? Quão ligado estou à organização? O que estou disposto a fazer em nome da organização? |
Credibilidade/Confiança |
Se os líderes não seguem ou não defendem os padrões, os padrões não devem ser significativos. Se ninguém segue as regras, então por que eu deveria? Se os líderes não se comportam de forma consistente com o que é formalmente declarado, como podem ser confiáveis? Se não posso confiar na liderança, como posso acreditar na integridade desta organização? |
Empoderamento |
Quem vai me ouvir? Alguém vai acreditar em mim? Posso fazer a diferença? Serei ouvido? |
Coragem |
O que acontecerá se eu seguir em frente? Alguém vai me apoiar? Que riscos estão envolvidos? O que posso me dar ao luxo de perder? Estou cometendo suicídio profissional? Vale a pena? E se eu estiver errado? |
Fonte: adaptado de (Berry, 2004[38]).
Estas dimensões sugerem que os altos agentes públicos, líderes, têm um papel fundamental no incentivo a uma cultura organizacional aberta. Em primeiro lugar, ao dar o exemplo certo a partir do topo, os altos gestores garantem a credibilidade dos padrões das organizações. Em segundo lugar, ao comunicarem sobre valores e padrões e ao envolverem os colaboradores em discussões sobre normas de integridade, os altos gestores promovem o envolvimento dos colaboradores nos valores da organização. Terceiro, ao aconselhar os colaboradores sobre os desafios de integridade e ao ouvir e agir de acordo com as sugestões e relatos de mau comportamento dos funcionários sem puni-los, os altos gestores promovem o empoderamento e a coragem dos colaboradores. Na verdade, em organizações onde o diálogo e o feedback são apreciados pela gestão, os colaboradores estão mais dispostos e sentem-se mais confortáveis para discutir e denunciar internamente suspeitas de má conduta (Heard and Miller, 2006[39]). A pesquisa mostrou que, ao criar um ambiente psicologicamente seguro dentro de sua equipe, os líderes em integridade podem melhorar o comportamento de voz dos empregadores (Walumbwa and Schaubroeck, 2009[40]) e a denúncia interna (Liu, Liao and Wei, 2015[41]; Shaukat Malik and Kashif Nawaz, 2018[42]). A pesquisa também mostrou que um comportamento de apoio e incentivo dos líderes está fortemente associado à disposição dos colaboradores em denunciar (Bhal and Dadhich, 2011[43]).
Por sua vez, a pesquisa enfatiza que existe também um “lado negro da liderança” quando os líderes se comportam de formas que são destrutivas e contraproducentes tanto para os seus colaboradores como para a sua organização (Schyns and Schilling, 2013[44]; D’adda et al., 2017[45]). Líderes são seres humanos. Podem estar sujeitos a vieses que podem levá-los inconscientemente a tomar decisões que não são éticas ou que os tornam cegos para práticas antiéticas no seu ambiente. Por exemplo, a pesquisa mostra que os líderes e indivíduos de alto escalão que se identificam fortemente com a sua organização podem apresentar um risco maior de deixarem as violações de integridade passarem incontestadas. Isto acontece porque esta forte identificação os leva a perceber como éticas as práticas das suas organizações, mesmo quando não o são (Kennedy and Anderson, 2017[46]). Além disso, os líderes podem superestimar a sua própria capacidade de evitar uma violação da integridade ou subestimar a probabilidade de uma violação da integridade entre os seus pares e funcionários. A supervisão gerencial é, portanto, insuficiente como única defesa da integridade. É, portanto, importante lembrar que existem sempre duas faces da liderança, com algumas “patologias de liderança” que precisam ser compreendidas e levadas em conta nas formações e nas políticas organizacionais (Washbush and Clements, 1999[47]). Neste sentido, investir na liderança em integridade precisa promover e capacitar bons líderes, torná-los conscientes das potenciais consequências das suas posições de poder e vieses, mas também prevenir ou detectar oportunamente líderes destrutivos que possam estabelecer práticas antiéticas como norma a seguir.
A Recomendação da OCDE sobre Integridade Pública reconhece o papel que a liderança desempenha na construção de uma cultura aberta de integridade nas instituições públicas (Quadro 1.2). Da mesma forma, a Recomendação da OCDE sobre Liderança e Capacidade do Serviço Público enfatiza a relevância de uma cultura e liderança orientadas por valores no setor público e apela à definição dos valores do serviço público, à promoção da tomada de decisões baseada em valores e ao desenvolvimento de capacidade de liderança no setor público (OCDE, 2019[48]). Mais especificamente, foram definidas quatro capacidades principais de liderança para um serviço público de alto desempenho: (1) liderança baseada em valores, (2) inclusão aberta, (3) gestão organizacional e (4) colaboração em conjunto (Gerson, 2020[21]). Esses aspectos serão abordados nas seções seguintes.
Quadro 1.2. Liderança em Integridade na Recomendação da OCDE sobre Integridade Pública
A Recomendação da OCDE sobre Integridade Pública recomenda aos aderentes que “invistam na liderança em integridade para demonstrar o compromisso de uma organização do setor público com a integridade”.
Isto pode ser conseguido, em particular, através de:
Inclusão de liderança em integridade no perfil dos gestores em todos os níveis de uma organização, bem como um requisito para seleção, nomeação ou promoção para um cargo de gestão, e avaliação do desempenho dos gestores no que diz respeito ao sistema de integridade pública em todos os níveis da organização.
Apoio aos gestores no seu papel de líderes em integridade, estabelecendo mandatos claros, fornecendo apoio organizacional (como controle interno, instrumentos de recursos humanos e aconselhamento jurídico) e fornecendo capacitações e orientações periódicas para aumentar a consciencialização e desenvolver competências relativas ao exercício de julgamento apropriado em assuntos onde questões de integridade pública possam estar envolvidas.
Desenvolvimento de estruturas de gestão que promovam responsabilidades gerenciais para identificar e mitigar riscos à integridade pública.
Além disso, a Recomendação da OCDE sobre Integridade Pública incentiva uma cultura de abertura no setor público “onde dilemas éticos, preocupações de integridade pública e erros podem ser discutidos livremente e, quando apropriado, com representantes dos trabalhadores, e onde a liderança é receptiva e empenhada em fornecer aconselhamento oportuno e em resolver questões relevantes”. Como tal, uma cultura organizacional aberta exige líderes que sejam receptivos e empenhados em fornecer aconselhamento oportuno e resolver questões relevantes, e funcionários que se sintam confortáveis em levantar preocupações éticas.
Fonte: (OCDE, 2017[49]; OCDE, 2022[18]).
O próximo capítulo (Capítulo 2) fornece uma visão geral da liderança em integridade e das culturas organizacionais abertas na administração federal brasileira, identificando desafios e oportunidades para fortalecer a liderança em integridade. Esta análise leva a um conjunto de recomendações para promover o comportamento de liderança em integridade no Brasil, que são explicadas em detalhes no Capítulo 3.