Este capítulo apresenta conclusões fundamentais para compreender o contexto atual e os principais desafios e oportunidades para fortalecer a liderança em integridade e construir uma cultura organizacional aberta na administração federal brasileira. Atualmente, a integridade não é considerada sistematicamente na seleção, nomeação e promoção de altos cargos de gestão, nem faz parte de treinamentos de liderança. Além disso, o Brasil enfrenta desafios em termos de promoção de uma cultura organizacional aberta.
Fortalecendo a Liderança em Integridade na Administração Pública Federal do Brasil
2. Liderança em integridade e cultura organizacional aberta na administração federal brasileira
Abstract
2.1. Entendendo o contexto
A metodologia BASIC requer uma compreensão profunda do contexto em que ocorre determinado comportamento alvo (OCDE, 2019[13]). Tal como enfatizado no Capítulo 1, olhar para a liderança em integridade a partir de uma perspectiva comportamental é interessante a dois níveis: primeiro, o comportamento dos próprios líderes: os líderes se comportam como um modelo? Eles orientam sobre integridade e contribuem para a criação de um espaço seguro onde os colaboradores possam discutir problemas, erros e esclarecer dúvidas? Em segundo lugar, o comportamento dos colaboradores dos líderes: os colaboradores seguem o seu líder, como foi demonstrado em pesquisas experimentais (D’adda et al., 2017[45]), e poderia assim tornar-se uma alavanca chave para influenciar culturas organizacionais de integridade e abertura?
Considerando o papel potencial que os líderes poderiam ter na promoção de uma cultura de integridade no setor público, em junho de 2022, a CGU e a OCDE implementaram a Pesquisa CGU/OCDE sobre integridade e liderança no Poder Executivo Brasileiro. Esta pesquisa teve como objetivo fornecer informações sobre o comportamento dos líderes e outros fatores-chave que poderiam ser considerados para fortalecer ainda mais a integridade pública na Administração Pública brasileira. A pesquisa teve como alvo funcionários de alto nível do poder executivo – isto é, pessoas que no momento da pesquisa ocupavam cargos DAS-4, DAS-5 ou equivalentes – em todo o país, e que adicionalmente supervisionavam diretamente uma equipe de trabalho dentro uma instituição pública. A pesquisa incluiu questões sobre características sociodemográficas, participação em treinamentos relacionados à integridade, exposição a comportamentos antiéticos dentro da instituição pública e na equipe de trabalho direta, percepções sobre abertura ao diálogo e ambiente organizacional, nível de conhecimento e aprovação da gestão das UGIs, preferências de estilo de liderança , e um esboço de experiência destinada a identificar determinantes relativos da percepção do comportamento antiético (para mais informações, ver Anexo A).
Informações adicionais utilizadas como parte da análise deste relatório vêm de trabalhos anteriores e em andamento da OCDE sobre integridade e liderança no Brasil (OCDE, 2023[50]; OCDE, 2019[51]; OCDE, 2021[15]) e de entrevistas e grupos focais realizados pela OCDE no contexto deste projeto e da Revisão de Integridade do Brasil da OCDE, a ser lançada. Nas seções seguintes, este capítulo apresenta algumas descobertas que são fundamentais para compreender a liderança em integridade no Brasil.
2.2. Desafios atuais para a liderança em integridade na administração federal Brasileira
2.2.1. A seleção, nomeação e promoção de cargos de alta administração com base no mérito não são implementadas sistematicamente no Brasil, ameaçando a liderança em integridade
No Brasil, a liderança tem sido identificada como um dos mecanismos para o exercício da governança pública, juntamente com a estratégia e o controle. De acordo com o Decreto 9.203/2017, a liderança compreende um conjunto de práticas humanas ou comportamentais exercidas nos principais cargos das organizações para garantir a existência dos requisitos mínimos para o exercício da boa governança (Art. 5(I)).
Esses requisitos mínimos são:
integridade
competência
responsabilidade
motivação
Considerando o papel que a liderança desempenha na obtenção da boa governança, o Brasil implementou recentemente reformas com o objetivo de esclarecer e consolidar um regime de apoio e gestão de altos líderes, que inclui a concepção e a implementação de um novo sistema de classificação para cargos de alta gestão e um conjunto de competências comuns para líderes.
Até 2021, o regime de quadros da alta gestão incluía Grupo de Direção e Assessoramento Superiores (DAS), funções comissionadas (funções comissionadas do poder executivo, FCPE) e vários outros tipos de contrato (OCDE, 2019[51]). O DAS era o sistema dominante de altos gestores no Brasil, estruturado em seis níveis de gestão (gestão operacional, tática e estratégica), sendo o DAS-6 a classificação mais alta (OCDE, 2019[51]). Além disso, vários cargos seniores eram ocupados fora do sistema DAS, inclusive por meio do FCPE, que variava de 1 a 6. A principal diferença entre os cargos DAS e FCPE era que os cargos do FCPE eram reservados para servidores públicos de carreira, enquanto qualquer pessoa poderia ser nomeada para cargos DAS. Adicionalmente, as nomeações para cargos DAS e FCPE eram, por definição, feitas de acordo com a vontade do governo e das autoridades contratantes relevantes. Os critérios de nomeação não eram sistemáticos nem detalhados e grande parte dos cargos de gestão era independente da aprovação em um processo seletivo (OCDE, 2019[51]) . Nesse sentido, em toda a administração federal, havia grande heterogeneidade nos procedimentos, formulários de candidatura e critérios de seleção e nomeação de altos gestores, dependendo da autoridade de contratação e seleção (OCDE, 2019[51]).
A partir de 2021, por meio da Lei 14.204/2021 e do Decreto 10.829/2021, entrou em vigor uma nova classificação para cargos de alta administração, incluindo critérios mínimos para seleção/nomeação de altos agentes públicos anteriormente estabelecidos por Portaria de 2019. Os cargos DAS foram convertidos em Cargos Comissionados Executivos (CCE), variando dos níveis 1 a 18, e os cargos FCPE foram convertidos em Funções Comissionadas Executivas (FCE), variando dos níveis 1 a 17. Como antes, determinados cargos são reservados a servidores públicos: 60% do total de cargos comissionados precisam ser ocupados por servidores de carreira. Além disso, tanto a CCE como o FCE podem ocupar cargos de “Assessoramento”, “Direção” e “Direção de Projetos”; mas apenas os FCE também podem ocupar cargos de “Assessoramento Técnico Especializado”. O Decreto 10.829/2021 estabelece critérios para nomeação de cargos de alta administração (cargos em comissão e de funções de confiança), exigindo, entre outros, “idoneidade moral” e “reputação ilibada”, sem, no entanto, defini-los melhor.
Adicionalmente, pela Instrução Normativa SPG-ENAP/SEDGG/ME 21/2021, a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e o antigo Ministério da Economia (hoje Ministério de Gestão e Inovação em Serviços Públicos) publicou um conjunto de competências transversais para um setor público de alto desempenho, que se aplicam a todos os agentes públicos da administração federal, bem como um conjunto de competências para líderes (competências de liderança), que se aplicam a agentes públicos em cargos de liderança. Embora estas competências não sejam obrigatórias, mas pretendam fornecer às instituições públicas uma estrutura de apoio para a definição do seu Plano de Desenvolvimento de Pessoas, este é um passo no sentido de mapear as aptidões, atitudes e competências que os líderes do setor público necessitam.
Existem sete competências transversais – isto é, resolução de problemas com base em dados, foco nos resultados para os cidadãos, mentalidade digital, comunicação, trabalho em equipe, orientação por valores éticos e visão sistêmica – e nove competências para líderes. As competências dos líderes estão organizadas em três grupos – pessoas, resultados e estratégia – e incluem as seguintes:
Pessoas: i) autoconhecimento e desenvolvimento pessoal; ii) engajamento de pessoas e equipes; e iii) networking e colaboração (coordenação e colaboração em rede).
Resultados: i) geração de valor para o usuário; ii) gestão para resultados; e iii) gestão de crises.
Estratégia: i) visão de futuro; ii) inovação e mudança; e iii) comunicação estratégica.
Apesar destas reformas, a abordagem às altas funções públicas ainda está fragmentada e não é acompanhada por uma estratégia mais ampla para consolidar e fortalecer ainda mais os altos níveis da função pública federal (OCDE, 2023[50]). Isto também implica desafios para o desenvolvimento de uma liderança íntegra de uma forma mais sistemática. Por exemplo, sob o novo regime, ainda existem dois grupos distintos de altos agentes públicos (CCE e FCE), nos quais todos os cargos do FCE são obrigados a ser servidores públicos de carreira, o que significa que o CCE pode ser preenchido com pessoas que não foram obrigadas a passar por um concurso público para ingresso no serviço público. Além disso, não é obrigatório – mas sim voluntário – realizar processos de seleção competitivos para preencher estes cargos, o que significa que a maioria dos altos agentes públicos são nomeados diretamente para os seus cargos, sem qualquer avaliação formal de competências. Adicionalmente, é necessário que os candidatos cumpram apenas alguns critérios para serem elegíveis ou contratados, critérios esses que os ministérios podem contornar mediante justificação dirigida à Presidência (OCDE, 2023[50]).
Por último, ainda existem deficiências em termos de avaliação de desempenho, aprendizagem e desenvolvimento e oportunidades de promoção abertas e transparentes para altos agentes públicos (OCDE, 2023[50]). Na verdade, para além do processo de seleção e contratação, a maioria dos países da OCDE tem um sistema separado e específico de avaliação de desempenho que se aplica aos altos agentes públicos para garantir objetivos bem definidos, incentivos alinhados, oportunidades relevantes de aprendizagem e desenvolvimento e responsabilização apropriada (Gerson, 2020[21]). Mais especificamente, em mais de 60% dos países da OCDE, as avaliações de desempenho dos altos agentes públicos são essenciais, uma vez que existe uma relação clara entre a renovação do contrato e os resultados das avaliações formais de desempenho. No entanto, no Brasil, embora a avaliação de desempenho seja obrigatória durante o período probatório dos servidores públicos e para a maioria dos servidores a cada 6, 12 ou 18 meses, existem alguns grupos que não são avaliados, incluindo servidores públicos que ocupam cargos de alto nível. A falta de avaliação de desempenho dos altos agentes públicos levanta riscos e preocupações de integridade específicos, especialmente quando se considera que muitos desses agentes são nomeados livremente – isto é, nomeados diretamente para o seu cargo sem qualquer avaliação formal de competências.
2.2.2. Atualmente, a integridade não é explicitamente parte dos treinamentos de liderança no Brasil
No Brasil, a ENAP é o principal ator institucional responsável por apoiar e promover programas de capacitação de pessoas em cargos de liderança (Decreto 10.369/2020 e Decreto 11.094/2022). Como parte desta missão, em 2020, a ENAP estabeleceu o Programa LideraGov, um programa de desenvolvimento para potenciais líderes da administração federal brasileira (Quadro 2.1). Além disso, a ENAP tem realizado outras atividades destinadas a apoiar e promover a formação de líderes. Estas atividades incluem a oferta de formação de pós-graduação em áreas de políticas públicas específicas e o fortalecimento de parcerias com instituições internacionais de formação de liderança para desenvolver e ministrar cursos de curta duração em áreas relacionadas com a liderança em organizações públicas (Programa de Capacitação para Altos Executivos).
Quadro 2.1. O Programa LideraGov brasileiro para a administração pública federal
O Programa LideraGov (doravante “LideraGov”) foi instituído pela Portaria Conjunta 254/2020 como resultado de uma parceria inédita entre o antigo Ministério da Economia e a ENAP. O LideraGov faz parte da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoas (PNDP) do governo federal (Decreto 9.991/2019).
O LideraGov tem como alvo os agentes públicos (ocupando DAS 1, 2 ou 3) com potencial e motivação para se tornarem líderes. O objetivo do programa é construir uma rede de profissionais qualificados e comprometidos com a geração de valor público, com potencial para atuar como líderes inovadores e ocupar cargos estratégicos de liderança (ou seja, cargos DAS e FCPE dos níveis 4 a 6, ou equivalentes) na administração federal brasileira.
LideraGov abrange quatro fases, consideradas essenciais para que os participantes desenvolvam as competências e habilidades desejadas:
Primeira fase: processo de seleção. Durante esta fase, são identificados os candidatos que demonstram ter potencial de liderança. O processo seletivo é baseado no mérito e consiste em três etapas: i) análise do perfil e trajetória profissional; ii) análise do potencial de liderança; e iii) análise das competências profissionais.
Segunda fase: curso de qualificação. Treinamentos executivos teóricos e práticos que visam desenvolver competências essenciais para líderes públicos. Esta fase consiste em 120 horas de atividades síncronas organizadas em aulas de 8 horas ministradas ao longo de 9 meses a cada 15 dias. Além disso, os participantes têm 20 horas extras de atividades (síncronas e assíncronas) para apoiar o seu processo de aprendizagem, possibilitando a aplicação das competências aprendidas.
Terceira fase: Acompanhamento e Efetivação. Acontece paralelamente à segunda fase e consiste em orientar os participantes através de mentorias individuais e coletivas, apoiar cada participante na preparação de um plano de desenvolvimento pessoal, oferecer sessões de feedback e realizar eventos de networking.
Quarta fase: avaliação do Programa.
O caminho de formação realizado pelo LideraGov está desenhado com base em três eixos, possibilitando aos participantes vivenciar um processo de aprendizagem centrado no desenvolvimento de um conjunto de competências relacionadas com a auto liderança (eixo 1), envolvimento de pessoas e equipes (eixo 2) e a estratégia da organização (eixo 3).
O LideraGOV está atualmente na segunda fase de sua segunda edição, lançada em outubro de 2021.
Fonte: Entrevistas realizadas pela OCDE durante as missões de averiguação no Brasil.
No entanto, quando se trata de capacitação específica sobre integridade, as evidências sugerem que são necessários esforços adicionais para garantir que os líderes recebam as competências e capacidades para defender os padrões de integridade, dêem aconselhamento oportuno sobre questões éticas relevantes e promovam a tomada de decisões éticas entre aqueles que lideram. Na verdade, a Pesquisa da CGU/OCDE sobre integridade e liderança no Poder Executivo brasileiro mostra que quase metade dos funcionários de alto escalão pesquisados (45%) não participaram de nenhum treinamento relacionado à ética nos dois anos anteriores à realização da pesquisa (Figura 2.1), e apenas 19.7% dos altos agentes inquiridos relataram ter participado em três ou mais cursos relacionados à ética. Estes indicadores sugerem que mesmo quando os líderes participam de capacitações relacionadas à ética, a intensidade das capacitações é relativamente baixa.
Ao longo de sua carreira, os agentes públicos são convidados a aprimorar seus conhecimentos e adquirir habilidades em integridade. Por conseguinte, seria de se esperar que a intensidade das capacitações (entendida como o número de cursos frequentados por um funcionário nos últimos 2 anos) estivesse significativa e positivamente correlacionada com a idade. Contudo, ao testar esta suposição através de uma regressão linear simples, os resultados não encontraram uma relação positiva e estatisticamente significativa entre idade e intensidade de capacitações. Pelo contrário, os dados sugerem que quanto mais jovens são os inquiridos, maior é a sua participação em capacitações para aqueles que responderam ter frequentado mais de cinco cursos. Isto pode refletir a necessidade de concentrar esforços ativos para chegar aos líderes mais velhos, enquanto as gerações mais jovens parecem estar mais intrinsecamente motivadas a participar em capacitações de integridade. Finalmente, ao fazer a diferenciação por gênero, as mulheres entrevistadas parecem estar mais interessadas em capacitações relacionadas à integridade do que os seus pares do sexo masculino. Em média, as colaboradoras participaram em 1.6 capacitações nos dois anos anteriores à realização da pesquisa, em comparação com 1.3 capacitações no caso dos homens. Esta diferença é significativa ao nível de 10%.
O número limitado de agentes de alto nível que participaram em capacitações sobre integridade pública nos dois anos anteriores à pesquisa contrasta com o elevado número de entrevistados interessados em participar de tais treinamentos. Na verdade, a Pesquisa da CGU/OCDE sobre integridade e liderança no Poder Executivo brasileiro revela que 68% dos funcionários pesquisados indicaram estar interessados em participar de um treinamento/intervenção de liderança. Isto sugere que podem haver lacunas entre o tipo, intensidade e/ou cronograma dos treinamentos ministrados pela CGU, pelas Unidades de Gestão da Integridade (UGIs) e/ou outras, incluindo a Comissão de Ética Pública (CEP) e as Comissões de Ética, e o tipo, intensidade e/ou cronograma dos treinamentos esperados pelos altos agentes públicos – por exemplo, os treinamentos podem ser programados durante períodos particularmente movimentados, portanto, mesmo que os altos agentes públicos queiram comparecer, eles não podem fazê-lo. Os resultados destacam, assim, a relevância de recolher o feedback dos participantes e de desenvolver formas inovadoras de ministrar capacitações sobre integridade pública e liderança em integridade.
Além disso, as evidências sugerem que os líderes não se empenham suficientemente na sensibilização para a integridade e na comunicação dos padrões de integridade nas suas equipes e organizações. Na verdade, a Pesquisa sobre Ética e Corrupção no Serviço Público Federal de 2021 revela que o treinamento dos agentes públicos em programas de integridade é limitada (apenas 31.3% dos entrevistados relataram ter recebido treinamento sobre o programa de integridade da sua organização) e que os programas de integridade são geralmente pouco divulgados pelos líderes (apenas 36% dos agentes públicos afirmaram que os seus líderes promoviam regularmente os programas de integridade das suas organizações) (Banco Mundial, 2021[52]). Essa pesquisa, idealizada e implementada pelo Banco Mundial em parceria com a CGU, o antigo Ministério da Economia e a ENAP, foi implementada em junho de 2021 e teve como alvo servidores da administração federal. A pesquisa incluiu questões relacionadas a recursos humanos, normas e regulamentos sociais, avaliação de comportamento (coletivo e individual) e mecanismos de denúncia de corrupção.
Adicionalmente, evidências da Pesquisa de Percepção com Servidores Públicos Federais sobre Integridade Pública da CGU complementam esses resultados ao mostrar que 65% dos entrevistados nunca participaram de uma reunião ou discussão em sua instituição relacionada à “integridade”, e que 26% dos entrevistados não participaram de um treinamento relacionado à integridade – sobre conflitos de interesses, ética, gestão de informações ou riscos, nepotismo, regime disciplinar e transparência – nos dois anos anteriores à realização da pesquisa. Esta pesquisa foi elaborada e implementada pela CGU em 2022 e teve como público-alvo servidores da administração federal.
2.2.3. O Brasil enfrenta vários desafios para promover efetivamente uma cultura organizacional aberta no setor público
A cultura de integridade numa organização é em grande parte determinada pelo desenvolvimento e promoção de uma cultura organizacional aberta (OCDE, 2022[18]). No contexto da integridade pública, uma cultura organizacional aberta significa que os funcionários, gestores e líderes se sentem seguros para expressar as suas opiniões e identificar e discutir ativamente questões, preocupações e ideias sobre potenciais violações da integridade pública. Construir uma cultura organizacional aberta traz vários benefícios. Por exemplo, pode ajudar a cultivar o orgulho do pertencimento e a motivação entre os colaboradores que sentem que a sua voz é ouvida e valorizada e encorajar as pessoas a levantar e resolver questões de integridade antes que se tornem prejudiciais para a organização.
Uma cultura organizacional aberta tem os seguintes elementos de apoio: líderes que são receptivos e empenhados em fornecer aconselhamento oportuno e resolver preocupações de integridade relevantes, e colaboradores que se sentem confortáveis em levantar preocupações de integridade e reportar má conduta (OCDE, 2017[49]). No Brasil, evidências de pesquisas recentes sugerem que os elementos de apoio de uma cultura organizacional aberta ainda são fracos e que permanecem desafios para promover efetivamente a abertura no setor público.
Primeiro, os líderes têm dificuldades em comunicar sobre integridade e em participar de conversas sobre questões de integridade. Na verdade, de acordo com a Pesquisa da CGU/OCDE sobre integridade e liderança no Poder Executivo brasileiro, a maioria dos funcionários de alto escalão pesquisados (54.7%) relataram achar “difícil” ou “muito difícil” discutir práticas antiéticas em suas instituições (Figura 2.2). No entanto, esta proporção diminui para 33.7% quando se trata de discutir práticas antiéticas dentro da equipe de trabalho direta do agente, o que sugere que os líderes se sentem menos desconfortáveis ao discutir preocupações de integridade com os seus pares diretos (Figura 2.2). A “segurança psicológica” ou um ambiente seguro é uma condição básica para a abertura dentro de uma organização (OCDE, 2022[18]; Liang, Farh and Farh, 2012[53]). Como permitir um ambiente aberto e seguro, portanto, deve ser uma parte fundamental do treinamento em integridade para líderes (ver Capítulo 3).
Além disso, ao fazer a diferenciação por gênero, os altos funcionários do sexo feminino inquiridos têm maior probabilidade de considerar “difícil” ou “muito difícil” discutir o mau comportamento em comparação com os seus pares do sexo masculino, tanto a nível institucional como em sua equipe de trabalho direta. Na verdade, 65% das mulheres inquiridas consideram “difícil” ou “muito difícil” discutir o mau comportamento a nível institucional, em comparação com 49% dos seus pares do sexo masculino, e 38% das mulheres inquiridas consideram “difícil” ou “muito difícil” discutir o mau comportamento em nível de equipe, em comparação com 28.2% de seus colegas do sexo masculino. Potencialmente, além de refletir um maior desconforto em se manifestar, essa descoberta poderia refletir questões relacionadas ao assédio sexual na administração pública federal. Essa hipótese poderia ser mais investigada e abordada pela CGU.
Em segundo lugar, a maioria dos agentes públicos não se sente suficientemente segura para denunciar más condutas, principalmente devido à falta de mecanismos de proteção para os denunciantes e ao receio de conflito com outros agentes públicos. Na verdade, de acordo com a Pesquisa sobre Ética e Corrupção no Serviço Público Federal de 2021, embora um terço de todos os agentes públicos tenha testemunhado práticas antiéticas nos últimos três anos até a realização da pesquisa, apenas 12% relataram corrupção no mesmo período (Banco Mundial, 2021[52]). É importante salientar, contudo, que nem todas as práticas antiéticas correspondem necessariamente à corrupção. Além disso, um número maior de mulheres relatou sentir-se inseguras ao denunciar (59.6%) em comparação com os homens (44.3%), o que confirma a conclusão acima de uma perspectiva diferente e fornece um forte argumento para incluir uma perspectiva de gênero nas políticas de integridade da CGU.
O conhecimento sobre programas de integridade parece reduzir esses sentimentos de insegurança quando se trata de denunciar má conduta: 68% dos entrevistados que concordaram totalmente em ter recebido treinamento em programas de integridade indicaram sentir-se seguros para denunciar má conduta, enquanto apenas 36.3% dos entrevistados que discordaram totalmente em ter recebido capacitação em programas de integridade indicaram sentir-se seguros para denunciar má conduta (Banco Mundial, 2021[52]). Estes indicadores sugerem a relevância de reforçar as capacitações em integridade como mecanismo para incentivar a denúncia.
Terceiro, conforme enfatizado no Capítulo 1, pode haver um lado negro da liderança. Às vezes, os líderes promovem práticas antiéticas. Com efeito, de acordo com a Pesquisa sobre Ética e Corrupção no Serviço Público Federal de 2021, líderes e gestores são considerados os principais agentes de pressão para que agentes públicos se envolvam e cometam práticas antiéticas. A pesquisa indica que entre os agentes públicos que relataram ter sido pressionados a envolver-se em práticas antiéticas, 65% indicaram que a pressão veio do seu superior (direto ou indireto) (Banco Mundial, 2021[52]). As principais práticas antiéticas nas quais os superiores hierárquicos exerceram pressão sobre os agentes públicos foram a violação das regras e procedimentos da organização e a omissão em relação a comportamentos inadequados. Uma análise mais aprofundada sobre esta questão revelou que os funcionários ocupantes de posições DAS relataram ter sofrido menos pressão dos seus superiores hierárquicos, mas maior pressão dos políticos (Banco Mundial, 2021[52]). Essas descobertas vão contra a ideia de incentivar um ambiente seguro onde os funcionários expressem suas opiniões e se sintam confortáveis para discutir dilemas éticos e desvendar desafios para promover a abertura nos diferentes níveis da administração pública federal.
Finalmente, outro desafio para a promoção efetiva de uma cultura organizacional aberta consiste nos baixos níveis de percepção da presença de certos valores-chave nas equipes de trabalho dos altos agentes públicos. Na verdade, a Pesquisa da CGU/OCDE sobre integridade e liderança no Poder Executivo Brasileiro (Figura 2.3) mostra que, no nível da equipe, apenas 17% dos entrevistados “concordam totalmente” que as pessoas dentro de sua equipe priorizam o interesse público sobre seus interesses individuais no exercício das suas funções públicas, apenas 19% dos entrevistados “concordam totalmente” que as pessoas da sua equipe demonstram respeito pelas opiniões dos outros, e apenas 21% dos entrevistados “concordam totalmente” que as pessoas da sua equipe dão apoio (são solidários). Estes indicadores mostram claramente a relevância de fortalecer uma cultura organizacional aberta onde as pessoas se sintam seguras para discutir as suas preocupações éticas e partilhar as suas opiniões, bem como reforçar a solidariedade e o respeito nas equipes de trabalho.
Apesar dos vários desafios para promover uma cultura organizacional aberta na administração federal brasileira, a Pesquisa CGU/OCDE sobre integridade e liderança no Poder Executivo brasileiro revela que a abertura ao diálogo é muito apreciada por funcionários de alto nível quando se trata de lidar com situações antiéticas com subordinados. Na verdade, quando questionados sobre um estilo de liderança quotidiano ideal, os altos agentes públicos classificaram a “abertura ao diálogo e tolerância” e os “com integridade e valores” como mais importantes do que liderar com “mão de ferro e saber fixar limites”.
Essa conclusão também foi apoiada pelos resultados de uma vinheta realizada no âmbito da Pesquisa CGU/OCDE sobre integridade e liderança no Poder Executivo brasileiro. Na verdade, a pesquisa incluiu duas secções de amostragens destinadas a revelar as preferências pessoais dos altos agentes públicos com base em cenários fictícios sistematicamente variados (ver Anexo A para mais detalhes sobre esta metodologia). Entre outros, a Vinheta 2 (o segundo conjunto de cenários) explorou a importância da abertura ao diálogo na perspectiva dos líderes quando se trata de reagir a comportamentos antiéticos dentro da sua equipe. Os resultados mostram claramente que os altos funcionários que participaram na pesquisa apoiam o cenário onde o líder abriu um espaço seguro para discutir má conduta com o seu colaborador, permitindo-lhe partilhar a sua versão da situação em vez de apenas chamar-lhe para comunicar uma sanção. Isto sugere que, apesar dos desafios descritos anteriormente, os líderes brasileiros valorizam e estão cientes dos benefícios de uma cultura organizacional aberta dentro de suas equipes e apoiam um diálogo aberto entre supervisores e colaboradores para lidar com questões antiéticas.
Principais conclusões
Reformas recentes foram implementadas no Brasil para esclarecer e consolidar o regime das funções públicas de alto escalão. Apesar das melhorias relevantes, ainda há margem para reforçar a liderança em integridade, nomeadamente no que diz respeito à falta de critérios e procedimentos sistemáticos e baseados no mérito para selecionar e nomear agentes para altos cargos públicos, à falta de referências explícitas à integridade no quadro de competências dos líderes e o fato de o desempenho dos altos agentes públicos não ser avaliado periódica e sistematicamente.
A demanda e a oferta de treinamento específico em integridade pública direcionado a funcionários de alto escalão são limitadas em toda a administração federal brasileira. Como resultado, poucos funcionários de alto escalão participaram de capacitações sobre integridade pública e menos ainda promoveram o envolvimento dos seus colaboradores em capacitações sobre integridade pública.
Os elementos-chave de uma cultura organizacional aberta na administração federal brasileira são fracos, e desafios premanecem para promover efetivamente a abertura no setor público: os líderes têm dificuldades para comunicar sobre integridade dentro de suas equipes e participar de conversas sobre questões de integridade em suas instituições, enquanto os servidores públicos não se sentem seguros o suficiente para denunciar má conduta.
As diferenças observadas entre funcionários de alto escalão do sexo feminino e funcionários de alto escalão do sexo masculino em relação ao nível de conforto e segurança para discutir mau comportamento e denunciar casos de corrupção sugerem a relevância de conceber e implementar políticas de integridade específicas de gênero para encorajar eficazmente uma cultura organizacional aberta.
Apesar dos diversos desafios para promover uma cultura organizacional aberta na administração federal brasileira, os líderes valorizam e estão cientes dos benefícios de um diálogo aberto com seus colaboradores para lidar com questões e preocupações antiéticas.