As medidas previstas em alguns países já se mostraram controversas em termos de riscos de violação da privacidade e de outros direitos fundamentais dos cidadãos, especialmente quando essas medidas carecem de transparência e consulta pública. Mesmo quando os dados pessoais são anonimizados, pesquisas recentes sugerem que os indivíduos ainda podem ser identificados por um conjunto limitado de pontos de dados - quatro pontos espaço-temporais podem ser suficientes para identificar univocamente 95% das pessoas no banco de dados de celulares de 1,5 milhão de pessoas e identificar 90% das pessoas em nobanco de dados relativos aos cartões de crédito cartão de crédito de 1 milhão de pessoas.
Poucos países possuem estruturas para fundamentaressas medidas extraordinárias de maneira rápida, segura, confiável, em escala necessária e e em conformidade com os regulamentos de privacidade e proteção de dados existentes. Como resultado, muitos países aprovaram recentemente ou estão prestes a aprovar leis específicas definindo como a coleta de dados pode ser restrita a uma determinada população, por quanto tempo e com que finalidade. Por exemplo:
O governo italiano publicou um decreto para criar uma estrutura legal especial para coletar e compartilhar dados pessoais relacionados à saúde pelas autoridades de saúde pública e por empresas privadas que fazem parte do sistema nacional de saúde durante o estado de emergência.
O governo alemão propôs emendar a Lei de Proteção contra Infecções para permitir que o Ministério Federal da Saúde exija que pessoas de "risco" se identifiquem e forneçam informações sobre seu histórico de viagens e detalhes de contato. A proposta original, conferindo autoridade geral para utilizar meios técnicos para identificar possíveis doentes e obter dados de geolocalização de fornecedores de telecomunicações, foi retirada em parte devido a fortes críticas da autoridade alemão de proteção de dados (Federal Privacy Commissioner).
Os senadores franceses durante o exame do projeto de lei de emergência propuseram uma emenda para permitir, por um período de seis meses, "qualquer medida" com vistas a a coleta e o processamento de dados de saúde e localização para lidar com a epidemia de COVID-19. A emenda foi rejeitada por ser uma incursão excessiva nos direitos de privacidade.
Outros governos têm coletado e processado dados de geolocalização relacionados ao COVID-19 sem a necessidade de adotar nova legislação. Por exemplo:
As autoridades da República da Coréia já têm poderes extraordinários para coletar dados pessoais, se “necessário para prevenir doenças infecciosas e bloquear a propagação da infecção” (Lei de Controle e Prevenção de Doenças Infecciosas, Artigo 76-2).
Em Cingapura, dados pessoais relevantes podem ser coletados, usados e divulgados sem consentimento durante um surto para realizar o rastreamento de contatos e outras medidas de resposta.
Em Israel, o governo conta com medidas de emergência que permitem o uso de tecnologia desenvolvida para fins de contraterrorismo para rastrear pessoas infectadas monitorando telefones celulares.
As autoridades de proteção da privacidade têm um papel fundamental a desempenhar, à medida que os governos adotam legislação de emergência e os os responsáveis pelo tratamento de dados buscam segurança jurídica
Apesar da escala dos desafios econômicos e de saúde pública colocados pela pandemia da COVID-19, é crucial que os governos e os atores do setor privado não se afastem dos princípios fundamentais de governança de dados e os princípios de privacidade. As autoridades nacionais de proteção de dados (PEAs em inglês) têm papel fundamental a desempenhar assessorando a elaboração de propostas de novas legislações governamentais proporcionando clareza quanto à aplicação das estruturas existentes de privacidade e proteção de dados. As PEAs pode ser ver na contingência de ter que oferecer soluções inovadoras e prospectivas, principalmente quando se trata de questões importantes de exclusão e retenção de dados pessoais, reversibilidade de novos controles governamentais e o exercício de seus poderes de auditoria e investigação.
Em meados de abril de 2020, as PEAs na Argentina, Austrália, Canadá, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Nova Zelândia, Polônia, Eslováquia, Suíça e Reino Unido publicaram diretrizes gerais para controladores e processadores de dados sobre a aplicação das suas leis de privacidade e proteção de dados durante a crise. As PEAs geralmente endossam uma abordagem pragmática e contextual e exercem um poder discricionário, deixando claro que o respeito aos princípios fundamentais de proteção de dados e privacidade não atrapalha as respostas na linha de frente ao COVID-19 que sejam necessárias e proporcionais. O Conselho Europeu de Proteção de Dados e o Conselho da Europa divulgaram declarações semelhantes explicando que o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) e a Convenção 108 não impedem as medidas tomadas na luta contra a pandemia, mas exigem que as restrições de emergência às liberdades sejam proporcionais e limitadas ao período de emergência.
Algumas PEAs publicaram orientações específicas, relativas, por exemplo, às quais regras se aplicam ao uso de informações nas mídias sociais para rastrear possíveis portadores (por exemplo, Hong Kong, China) e às ações governamentais relacionadas a fraudes ligadas ao coronavírus e alegações sem fundamento de que determinados produtos poderiam tratar ou prevenir o vírus (por exemplo, na Espanha e nos Estados Unidos).
Em outros casos, as PEAs estão respondendo de maneira inovadora. O Gabinete do Comissário de Informação do Reino Unido, por exemplo, anunciou que reconhecerá o interesse público urgente na aplicação de sua lei de proteção de dados e permitirá que os responsáveis pelo tratamento de dados equilibrem suas obrigações com sua capacidade de responder a solicitações de acesso dos indivíduos. A Global Privacy Assembly, um consórcio mundial de reguladores de privacidade e proteção de dados, criou um página dedicada que compara as mais recentes orientações e informações de seus membros sobre o tema.