O regulador informa ter recursos suficientes para cumprir a maioria dos seus objetivos, embora haja incerteza no financiamento do seu trabalho no setor dos combustíveis. As receitas da ERSE aumentaram 16% nos últimos três anos, impulsionadas pelas contribuições do setor do gás natural e pelos novos recursos do setor dos combustíveis. No entanto, o regulador considera que os recursos para o trabalho no setor dos combustíveis são insuficientes. Além disso, a ERSE carece de autonomia orçamental e segurança de longo prazo nesta componente das suas receitas. O governo determina o montante das taxas devidas pelos intervenientes no setor dos combustíveis, de acordo com uma fórmula que fixa anualmente. Este modelo cria um certo grau de incerteza sobre a autonomia regulatória e financeira da ERSE e dificuldades em planear estas atividades para além do atual exercício . Embora o trabalho com os combustíveis represente uma pequena proporção do orçamento global da ERSE, o atual sistema de fixação de taxas prejudica a independência financeira do regulador.
Em termos de recursos humanos, a ERSE beneficia de colaboradores experientes, conhecedores e tecnicamente proficientes, altamente empenhados na organização. Uma nova geração de colaboradores recentemente recrutados pode trazer novas ideias e perspetivas à medida que a ERSE olha para o futuro. No final de 2019, a ERSE empregava 95 colaboradores. Destes, 80% são quadros especializados, sendo geralmente tidos como o correspondente a força de trabalho do regulador. As partes interessadas consideram os colaboradores da ERSE altamente competentes da perspetiva técnica. As áreas de formação mais representadas na ERSE são a engenharia (24%), o direito (22%) e a economia (22%). Mais de um quarto dos colaboradores (26%) está na ERSE desde a sua fundação (Relatório Anual da ERSE, 2018), ao passo que 27% está na organização há menos de três anos. A coexistência de diferentes “gerações” de colaboradores dentro do regulador pode criar desafios em termos de criação de uma “cultura ERSE” coesa, mas é uma oportunidade para trazer novas ideias e formas de trabalho e para posicionar a ERSE como um regulador voltado para o futuro.
Os longos processos de recrutamento, devido à necessidade de autorização governamental, podem reduzir a agilidade do regulador na introdução de novas competências. Olhando para o futuro, a ERSE destaca a necessidade de reforçar as suas capacidades em áreas emergentes (como a transição energética, a integração de sistemas energéticos, as comunidades de energia e a economia circular), a comunicação e apoio aos agentes do mercado, a ciência comportamental e a análise de dados. Desde 2012, devido a regras que abrangem a administração pública portuguesa, o regulador deve solicitar autorização governamental para aumentar o seu número de colaboradores. Como o processo de aprovação pode demorar até um ano, este facto atrasa a entrada de novos colaboradores e pode reduzir a agilidade do regulador.
Esta restrição é sintomática de um clima mais geral de restrições à autonomia da ERSE a nível dos seus recursos humanos e orçamento desde a crise financeira de 2009. Portugal foi profundamente afetado pela crise, a qual levou a um resgate financeiro e a um período de intensas políticas de austeridade que afetaram toda a administração pública portuguesa e os reguladores independentes. Embora a autonomia orçamental da ERSE esteja consagrada nos seus estatutos e na Lei-quadro das entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica dos setores privado, público e cooperativo, a legislação subsequente introduzida através dos orçamentos anuais do Estado, resultado das políticas de austeridade, reduziu, em certa medida, a autonomia da ERSE na gestão dos seus recursos. As restrições aplicam-se a todos os organismos do setor público, incluindo as autoridades reguladoras independentes de Portugal, embora estas últimas não sejam financiadas pelo orçamento do Estado. Algumas destas restrições foram levantadas, mais ou menos, no último ano, enquanto outras foram acrescentadas mais recentemente, apesar do relaxamento geral das políticas de austeridade em linha com a recuperação económica de Portugal. Entre os exemplos incluem-se:
Em alguns casos, parte do orçamento aprovado não é libertada (cativações) e não pode ser gasta sem autorização prévia do órgão governamental responsável pelas finanças.
O governo procura reter o excedente orçamental da ERSE para o orçamento do Estado, em vez de o devolver aos consumidores de energia através das tarifas, conforme está previsto na lei.6
Foram introduzidos limites de gastos com contratos públicos no orçamento do estado de 2019 e os mesmos foram incluídos ocasionalmente nos anteriores orçamentos do Estado.
Autorização necessária para acrescentar novas rubricas orçamentais ao orçamento anual da ERSE, mesmo para aquelas relacionadas com funções centrais do regulador (por exemplo, para auditorias).
Cortes salariais em 2009 e um congelamento dos salários entre 2009 e 2020.
Eliminação dos bónus relacionados com o desempenho.
Aprovação governamental necessária para as promoções (restrição removida em 2020).
Apesar de algumas restrições, o seu nível de autonomia na gestão dos seus recursos humanos permitiu à ERSE resistir relativamente bem a este difícil período em termos de retenção de colaboradores. A rotatividade dos colaboradores foi, em média, de 4% entre 2016 e 2019. A capacidade da ERSE de definir os seus próprios salários fora das faixas para os funcionários públicos dá ao regulador um potencial significativo para atrair e reter talentos.7 Os salários para inicio de carreira são competitivos em comparação com o setor energético português, tornando-se menos competitivos ao nível dos técnicos mais experientes. A taxa de rotatividade mais elevada ao nível dos quadros superiores (11% entre 2016 e 2019) pode ser um reflexo desta diferença. A ERSE também compensou a sua incapacidade de recompensar o bom desempenho com promoções e bónus, oferecendo outros incentivos, tais como oportunidades de formação.
Embora as restrições pareçam estar a ser levantadas é importante estar preparado para medidas semelhantes no futuro, dadas as previsões económicas atuais. Numa evolução positiva, algumas das restrições orçamentais em vigor em 2019 foram eliminadas no mais recente orçamento do Estado. Embora pareça que as medidas de austeridade estejam a ser atenuadas, as limitações que foram impostas à independência financeira dos reguladores abriram um precedente. No momento em que este relatório foi escrito, a perspetiva de outra recessão após a pandemia do novo coronavírus parece possível. É concebível que um governo possa introduzir medidas de austeridade semelhantes no futuro. A experiência da ERSE no período pós-2009 pode oferecer lições valiosas sobre como reagir, caso a situação se repita.
Recomendações:
Defender o levantamento de certas práticas que limitam a autonomia financeira do regulador e antecipar os desafios futuros na economia pós-COVID e efeitos nas finanças públicas. O regulador deve contactar o executivo como parte de uma atitude proativa para fazer face às práticas destacadas no parágrafo 26 e salvaguardar a sua autonomia no que toca aos recursos humanos e orçamento, caso hajam futuras medidas de austeridade. Como parte desta estratégia, a ERSE poderia:
Reforçar o envolvimento direto com o ministério responsável pelas finanças sobre o orçamento anual da ERSE e o plano de atividades antes da sua submissão oficial para aprovação.
Recolher informações sobre o impacto das restrições atuais e previstas na sua capacidade de desempenhar eficazmente as suas tarefas e avaliar as suas implicações práticas para o setor e para os consumidores;
Defender a fixação de taxas para o setor dos combustíveis com base no longo prazo e com critérios definidos na legislação;
Explicar como a ERSE oferece uma relação de custo-benefício (value for money), maximizando o cumprimento dos seus objetivos e minimizando os custos. Por exemplo, mostrar como a ERSE integrou alguns destes critérios como a eficiência e eficácia na cultura da organização (por exemplo, através do uso eficiente de equipas intersetoriais) e como é que uma estratégia custo-benefício é tida em conta ao longo do processo de tomada de decisão.
Trabalhar com outros reguladores económicos e figuras influentes do setor energético para defender publicamente a importância e o valor de uma regulação económica independente e desenvolver posições comuns;
Comunicar proativamente às principais partes interessadas, como os deputados, o valor da regulação económica independente, em conjunto com outros reguladores, como estratégia preventiva em caso de futuros desafios à independência financeira.
Encorajar a mobilidade dos colaboradores juniores ou de nível intermédio no setor energético e em outros organismos públicos, em Portugal e no estrangeiro, incluindo noutros reguladores, como parte de um esforço global para promover a inovação (Caixa 7). A mobilidade dos colaboradores pode assegurar um fluxo de novos conhecimentos e ideias e uma maior diversidade de perspetivas. Tal pode ser conseguido através de destacamentos ou colocações temporárias como parte de um programa de desenvolvimento profissional. Incentivar a mobilidade é particularmente importante no contexto de um país relativamente pequeno como Portugal. A ERSE pode ter de defender a remoção de obstáculos legais ao recrutamento ou ao destacamento de outros agentes do setor energético (público ou privado) ou de destacamentos de outros organismos.
Assegurar que a ERSE continua a ser um local atrativo para trabalhar e reforçar a cultura meritocrática, aumentando a visibilidade e as oportunidades, inclusive para os colaboradores juniores ou de nível intermédio.
Desenvolver uma série de opções internas de carreira, nomeadamente lugares não-diretivos para os colaboradores especializados que não queiram exercer funções de direção.
Aumentar as oportunidades para o desenvolvimento dos colaboradores, tais como formação, publicação de artigos ou apresentações em conferências.
Recolher informação sobre os salários nos setores regulados e noutros reguladores portugueses para permitir analisar e comparar e assegurar que os salários da ERSE se mantêm competitivos relativamente a entidades homólogas, particularmente a nível superior.
Aproveitar o sistema de avaliação de desempenho e recompensar o bom desempenho com progressão na carreira, complementando os incentivos já existentes, tais como oportunidades de formação.
Incentivar a mobilidade de colaboradores dentro do regulador, aproveitando a oportunidade da reestruturação como primeiro passo. Por exemplo, a ERSE poderia fazer um “convite à manifestação de interesse” para os colaboradores indicarem se estão interessados em mudar de equipa. Um programa de mobilidade mais formal poderia ser desenvolvido no médio-longo prazo. A ERSE poderia, por regra, anunciar as vagas (internas e externas) a todos os colaboradores.
Implementar medidas para reunir diferentes “gerações” de colaboradores da ERSE, no interesse da cultura institucional e da apropriação de valores e do enquadramento estratégico do regulador. Medidas concretas poderiam incluir programas de ”parcerias” ou planos de mentoria entre os colaboradores de longa data e os colaboradores recrutados mais recentemente.