Este capítulo fornece uma visão geral do marco jurídico-institucional da política regulatória no Brasil. Ele descreve os instrumentos que apoiam os esforços de melhoria da regulação no país e oferece uma visão dos aspectos que fazem parte de uma abordagem de governo única da qualidade regulatória. Além disso, o capítulo trata da organização e da situação das funções de supervisão regulatória, usando como referência as quatro funções principais dos órgãos de supervisão. A última parte do capítulo concentra-se em outros elementos importantes para a elaboração de uma política regulatória completa.
Reforma Regulatória no Brasil
3. Políticas e instituições de governança regulatória no Brasil
Abstract
Política regulatória no Brasil: uma visão geral
No Brasil, a agenda de melhoria da regulação remonta a 2007 com a criação do programa PRO-REG. Isso coincidiu com o Estudo da OCDE sobre a Reforma Regulatória no Brasil de 2008 (OECD, 2008[1]), o qual forneceu recomendações que impulsionaram a política de melhoria da regulação no país. O principal objetivo do PRO-REG era melhorar a qualidade dos atos normativos publicados pelo governo federal. Em sua primeira fase (até 2013), o programa concentrou-se no diagnóstico do ambiente regulatório e no desenvolvimento de capacidades para melhorar o quadro normativo do país. Após 2013, a principal ênfase da iniciativa foi a divulgação de boas práticas e ferramentas de regulação. A partir de 2016, as iniciativas de melhoria da regulação ganharam força.
Entre 2016 e 2018, a Casa Civil enfatizou os esforços de coordenação a fim promover mudanças culturais voltadas para as melhores práticas regulatórias e acelerar a implementação de melhores ferramentas regulatórias em nível federal. O governo federal aprovou vários dispositivos legais para reduzir a burocracia na administração federal, promover a avaliação dos atos normativos existentes e iniciar um uso mais sistemático das ferramentas de política regulatória.
Estrutura legal da política regulatória no Brasil
Embora a regulação não seja o único caminho para atingir os objetivos das políticas públicas, uma estrutura regulatória de alta qualidade pode ajudar os governos a atingir seus objetivos de maneira efetiva. Os governos adotaram o ciclo de política regulatória como um processo que leva em conta a publicação, implementação e avaliação de normas para garantir a elaboração de uma estrutura regulatória que traga benefícios para a sociedade, o meio ambiente e a economia, entre outros. Nesse ciclo, as normas fazem parte de um processo abrangente que começa com a identificação de um problema de política pública (ver Figura 3.1). A escolha do instrumento para resolver esse problema é feita durante a elaboração de uma análise de impacto regulatório (AIR). De preferência, as AIRs levam em conta várias opções para atingir um objetivo de política pública, sendo a regulação uma das alternativas. Se a regulação for a opção escolhida, ferramentas como controle regulatório, monitoramento e avaliações ex post tornam-se ainda mais relevantes.
A estratégia brasileira para a implementação de uma agenda de melhoria da regulação considera cada um dos blocos como um sistema interconectado que constitui o ciclo de política regulatória, apoiado por atividades horizontais, ou seja, paricipação social, coordenação, cooperação e comunicação, em vez de elementos independentes e autossuficientes. Portanto, a estrutura legal da política regulatória no Brasil está presente em vários instrumentos. Esse marco, entretanto, não é exaustivo em relação às ferramentas de gestão regulatória que aborda, nem em relação à exigência de sua implementação em todo o governo.
A Lei das Agências Reguladoras (Lei nº 13.848/2019) e a Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019) são os dois principais diplomas legais que apoiam a implementação de ferramentas específicas de política regulatória no governo federal brasileiro. O primeiro obriga a adoção de ferramentas de melhoria da regulação para apenas 11 agências reguladoras,1 enquanto o segundo tem uma forte ênfase na concorrência econômica, sendo relevante para a maioria das entidades do governo federal.
Vários decretos e normas resultaram da Lei de Liberdade Econômica. Esses instrumentos criaram um escopo mais amplo para a gestão regulatória e os elementos exigidos, isto é, licenciamento, análise de impacto regulatório e revisão do estoque regulatório (ver Quadro 3.1 para mais detalhes sobre esses decretos). Como no caso da norma que apoia sua elaboração, esses decretos aplicam-se a um subconjunto de atos normativos, atividades e procedimentos. Por exemplo, o Decreto para a revisão do estoque regulatório (Decreto nº 10.139/2019) é relevante apenas para aqueles dispositivos legais que são inferiores a decreto. Além disso, a Lei das Agências Reguladoras (Lei nº 13.848/2019) torna obrigatória a consulta pública da análise de impacto e do projeto de regulação apenas para as 11 agências reguladoras e opcional para o resto da administração pública federal.
Quadro 3.1. Decretos e diplomas legais resultantes da Lei de Liberdade Econômica
Decreto sobre a Análise de Impacto Regulatório: o Decreto nº 10.411/2020 regulamenta a obrigação de realizar as AIRs introduzidas na Lei de Liberdade Econômica e na Lei das Agências Reguladoras. Ele descreve as circunstâncias sob as quais as AIRs e avaliações regulatórias ex post devem ser realizadas, assim como as exigências de conteúdo e os processos de publicação. Além disso, o Decreto impõe a elaboração de uma agenda de avaliações ex post, que deve incluir pelo menos um ato normativo e deve ser publicado no sítio eletrônico da instituição. A agenda deve compreender todo um mandato presidencial (quatro anos). Por fim, a análise de impacto regulatório deve ser disponibilizada ao público no sítio eletrônico de cada instituição.
Decreto sobre licenciamento: o Decreto nº 10.178/2019 define os critérios e procedimentos que o governo deve seguir para classificar os níveis de risco das diferentes atividades econômicas. Com base no nível de risco, as instituições estabelecem um prazo antes de aplicar a regra da aprovação tácita. Ao contrário das outras normas que emanam da Lei de Liberdade Econômica, esse decreto é relevante para o governo federal, estados e municípios.
Decreto sobre a revisão e consolidação dos atos normativos: o Decreto nº 10.139/2019 obriga ministérios, agências reguladoras e outras entidades reguladoras a revisar e consolidar atos normativos inferiores a decreto. Ele fornece uma descrição das medidas a serem tomadas para o cumprimento do decreto, assim como os prazos para cada etapa de revisão.
Fonte: Decreto nº 10.178/2019; Decreto nº 10.139/2019; Decreto nº 10.411/2020.
Em termos de simplificação administrativa e redução do estoque regulatório,2 o Brasil está tomando medidas para melhorar o ambiente de negócios. Em especial, a Lei nº 11.598/2007 que cria a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim) e as medidas tomadas como parte do compromisso do atual governo de aumentar a competitividade do país e a digitalização são os motivadores desses esforços. Alinhada com os aspectos ligados à Lei de Liberdade Econômica, a ênfase das atividades de redução da carga regulatória é melhorar o ambiente empresarial, concentrando-se em um determinado conjunto de formalidades e procedimentos governamentais.
Rumo a uma política regulatória governamental única no Brasil
O Brasil implementou alguns dos pilares para a elaboração de uma política regulatória bem-sucedida. Por exemplo, o país tornou a AIR obrigatória para as entidades do governo federal e instituiu a obrigação de que as agências reguladoras realizem consultas públicas. A implementação desses esforços ainda precisa ser definida como parte de uma estratégia de melhoria da regulação para todo o governo. A abordagem adotada até agora baseia-se no contexto político e econômico para criar uma melhor regulação. Aproveitar as oportunidades existentes e o ambiente atual é uma boa maneira de implementar ferramentas de gestão regulatória sem passar por processos mais formais e demorados. Entretanto, é importante que essas atividades sejam mais integradas para representar uma política clara e abrangente de melhoria da regulação. Além disso, a inclusão da política regulatória do país em um único documento de alto nível protege não apenas os esforços feitos até agora, mas também os futuros contra mudanças no cenário ou prioridades políticas e garante sua sustentabilidade com o passar do tempo (ver Quadro 3.2 para um retrato da política regulatória do Canadá).
Quadro 3.2. Transformar a melhoria da regulação em uma política de governo única
O caso do Canadá
No Canadá, a Diretiva do Gabinete sobre Regulação define a estrutura da política regulatória do governo. Ela estabelece as expectativas, exigências e princípios norteadores para a elaboração, gestão e revisão dos atos normativos federais. Além disso, ela especifica as principais responsabilidades de cada departamento ou agência na agenda de melhoria da regulação. A Diretiva incentiva departamentos e agências a avaliar os atos normativos por meio de uma abordagem de ciclo de vida regulatório. Isso significa que a análise dos atos normativos deve considerar três períodos: a elaboração das normas, a gestão dos atos normativos já em vigor e a avaliação dos atos normativos existentes. Tabela 3.1 enumera os principais elementos e ferramentas de entrega regulatória para cada um dos três períodos do ciclo de política regulatória. Além disso, atividades de participação social, cooperação e alinhamento regulatório e coordenação entre os níveis de governo servem de base para todo o processo de elaboração de normas no país.
Tabela 3.1. Abordagem do ciclo de vida regulatório
Principais aspectos
Etapa do ciclo de vida regulatório |
Principais elementos e ferramentas |
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Durante a elaboração de normas |
Escolha da abordagem regulatória |
Análise de Impacto Regulatório |
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Requisitos do documento de Análise de Impacto Regulatório |
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Gestão dos atos normativos |
Conformidade e controle |
Fiscalizações e licenciamento |
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Atividades de promoção e divulgação da conformidade |
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Coleta de dados |
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Mensuração do desempenho |
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Fornecer informações e serviços claros e transparentes |
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Revisão e resultados das mensurações realizadas |
Revisões de programas regulatórios |
Revisões do estoque regulatório |
Fonte: (Government of Canada, 2018[3]).
É importante ressaltar que a Diretiva fornece uma estrutura geral para a agenda de melhoria da regulação no Canadá e não é impositiva em relação às metodologias ou características que cada um dos pontos mencionados acima deve incluir.
Fonte: (Government of Canada, 2018[3]).
Conforme mencionado acima, alguns avanços proporcionaram uma janela de oportunidades para a implementação de elementos de política regulatória. Por exemplo, o objetivo do atual governo de incentivar a competitividade e a concorrência econômica resultou na aprovação da Lei de Liberdade Econômica. Outro exemplo é o uso de obrigações internacionais para implementar ferramentas de gestão regulatória no processo nacional de elaboração de normas. Esse aspecto foi particularmente destacado durante as discussões no âmbito da missão de apuração dos fatos deste relatório. Em 2020, o Brasil assinou o Acordo de Comércio e Cooperação Econômica entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América Relacionado a Regras Comerciais e Transparência, que conta com um anexo sobre boas práticas regulatórias. Alguns interessados indicaram a possibilidade de utilizar a exigência de consulta pública prevista no Acordo para legitimar sua implementação em todo o governo federal.3 A experiência do México após a aprovação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) em 1994 mostra que o tratado foi um elemento importante para estimular a adoção de algumas práticas no país.
Aproveitar as exigências internacionais para impor a adoção de ferramentas de gestão regulatória é uma forma de iniciar a implementação de determinadas ferramentas. Entretanto, isso não leva em conta a falta de um documento único de política que enxergue o ciclo de política regulatória como um processo holístico com responsabilidades e liderança claras. Uma abordagem governamental única da política regulatória anda lado a lado com a elaboração de um documento abrangente que promova a qualidade regulatória em todo o governo. Essa declaração de política ajuda a dar consistência às ações e responsabilidades das partes envolvidas. Ela também ajuda a definir objetivos e metas, além de fornecer um referencial a partir do qual os esforços podem ser avaliados.
Embora a publicação de uma declaração geral com objetivos e atribuições claros não represente uma condição necessária para a implantação de ferramentas de gestão regulatória na administração pública, uma das principais recomendações da OCDE é alcançar uma estrutura regulatória de alta qualidade (OECD, 2012[4]). Com uma política de governo única, os governos podem criar mecanismos de cooperação que levam em consideração instituições, interessados e comunidades de políticas públicas. Dessa forma, seria possível utilizar os recursos de forma mais eficiente e extrair os benefícios de melhores regulações. O Quadro 3.3 enumera os principais elementos que uma política de governo única de melhoria regulatória deve incluir.
Mesmo que os países possam adotar diferentes abordagens para integrar a política regulatória em seus governos, a edição de um documento ou declaração abrangente em apoio a essa política é fundamental. Na realidade, a Recomendação da OCDE sobre Política Regulatória e Governança incentiva os países a “editar uma declaração de política formal e vinculativa que apoie a reforma regulatória, incluindo diretrizes para o uso de ferramentas e procedimentos de política regulatória” (2012[4]). Essa recomendação tem sido amplamente adotada pelos países membros da OCDE. Como mostram os dados dos Indicadores de Política Regulatória e Governança (iREG) da OCDE, em 2018, a maioria dos países membros da OCDE já dispunham de uma clara política de govenro única de qualidade regulatória. (OECD, 2018[5]).
Quadro 3.3. Elementos importantes a serem incluídos na política de melhoria da regulação
Recomendação do Conselho sobre Política Regulatória e Governança
A Recomendação do Conselho da OCDE sobre Política Regulatória e Governança incentiva os governos a implementar uma política regulatória que englobe os seguintes elementos:
1. Assumir o compromisso no mais alto nível político com uma clara política de governo única de qualidade regulatória.
2. Aderir aos princípios de governo aberto, incluindo transparência e participação no processo regulatório para garantir que a regulação sirva ao interesse público e esteja embasada nas legítimas necessidades das partes interessadas e afetadas pela regulação.
3. Criar mecanismos e instituições para supervisionar ativamente os procedimentos da política regulatória e seus objetivos, apoiar e implementar a política regulatória e promover a qualidade regulatória.
4. Incluir a Análise de Impacto Regulatório (AIR) nos estágios iniciais do processo da política para a formulação de novas propostas de regulação.
5. Realizar revisões sistemáticas programadas do estoque regulatório em relação a objetivos de política claramente definidos, incluindo a análise de custos e benefícios, para garantir que os atos normativos permaneçam atualizados, consistentes, economicamente viáveis e com seus custos justificados, e atinjam os objetivos de política pretendidos.
6. Publicar regularmente relatórios sobre o desempenho da política regulatória e dos programas de reforma e sobre as autoridades públicas que aplicam a regulação.
7. Elaborar uma política consistente que contemple o papel e as funções das agências reguladoras, a fim de aumentar a confiança de que as decisões regulatórias são tomadas de forma objetiva, imparcial e consistente, sem conflito de interesses, parcialidade ou influência indevida.
8. Garantir a eficácia dos sistemas de análise da legalidade e da justiça processual dos atos normativos e das decisões tomadas pelos órgãos competentes para impor sanções regulatórias.
9. Conforme o caso, aplicar estratégias de análise de risco, gerenciamento de risco e comunicação de risco na elaboração e implementação dos atos normativos para garantir que a regulação seja direcionada e eficaz.
10. Conforme o caso, promover a coerência regulatória por meio de mecanismos de coordenação entre os níveis supranacional, nacional e subnacional de governo.
11. Promover o desenvolvimento da capacidade e do desempenho da gestão regulatória nos níveis subnacionais de governo.
12. Considerar na elaboração de medidas regulatórias todas as normas e estruturas internacionais relevantes para cooperação na mesma área e, conforme o caso, seus prováveis efeitos sobre as partes fora da sua jurisdição.
Fonte: OCDE (2012[4]), Recomendação do Conselho sobre Política Regulatória e Governança, OECD Publishing, Paris, https://dx.doi.org/10.1787/9789264209022-pt.
Por fim, a declaração de política deve identificar as responsabilidades das diferentes instituições e áreas administrativas com um papel na elaboração, gestão e adoção da política regulatória no país. É importante incluir também arranjos claros e explícitos de coordenação para facilitar a implementação das ferramentas de gestão regulatória e para promover a responsabilização. A próxima subseção fornece uma visão geral do arranjo institucional do Brasil para a política regulatória.
Instituições importantes para a política regulatória no Brasil
O cenário institucional da política regulatória no Brasil compreende vários órgãos com um papel na implementação de ferramentas de gestão regulatória. Tendo em vista essa variedade de instituições e a forma como os esforços de melhoria da regulação foram implementados no país, algumas funções importantes de supervisão regulatória ainda não foram claramente definidas nem atribuídas. Além disso, as áreas administrativas que se esforçam para melhorar a regulação parecem trabalhar em silos, inclusive em um mesmo ministério. O Quadro 3.4 descreve as principais responsabilidades das entidades que lidam com aspectos do ciclo de política regulatória no governo federal.
Quadro 3.4. Atores importantes no centro da política regulatória no Brasil
A Secretaria Executiva do Ministério da Economia supervisiona a modernização organizacional e administrativa ligada ao Ministério da Economia. Ela coordena os estudos e as análises relacionadas às propostas de regulação e gerencia a elaboração de projetos de lei que afetam o Ministério.
A Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) é a área administrativa do Ministério da Economia responsável por algumas das ferramentas de política regulatória no Brasil, principalmente a AIR (Decreto nº 9.475/2019, Art. 119). Ela promove a divulgação de boas práticas regulatórias, principalmente por meio da publicação de diretrizes, atividades de capacitação e fornecimento de ferramentas e apoio. A SEAE pode emitir pareceres (não vinculativos) sobre a qualidade das análises de impacto regulatório elaboradas para o projeto de regulação. Por fim, a SEAE pode sugerir a avaliação dos instrumentos regulatórios existentes que podem afetar a concorrência econômica no país e propor medidas para melhorar o ambiente de negócios.
A Casa Civil está no centro do governo federal e está diretamente ligada à Presidência da República. Especificamente, o Vice-Chefe de Análise e Monitoramento de Políticas Governamentais (SAG) é o encarregado de avaliar o mérito e a coerência dos programas e políticas do governo. Se o SAG julgar necessário, pode solicitar uma AIR para uma proposta de regulação (lei ou decreto).
A Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, uma unidade administrativa dentro do Ministério da Economia, lidera os esforços de digitalização das formalidades e serviços governamentais no país. Além disso, é responsável por mensurar a redução da carga administrativa resultante da implementação de soluções digitais.
O Comitê Interministerial de Governança (CIG) assessora o Presidente da República em assuntos de governança relativos ao governo federal. O CIG aprova diretrizes, manuais e práticas para promover a implementação de boas práticas de governança. O Ministério da Economia, a Casa Civil e a Controladoria Geral da União (CGU) são os membros do Comitê.
O Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas (CMAP) avalia as políticas públicas escolhidas que foram financiadas por meio de gastos públicos. Além disso, tem a tarefa de monitorar as modificações sugeridas decorrentes das avaliações.
Tabela 3.2 enumera algumas das mais importantes ferramentas de gestão regulatória e a área administrativa ou entidade responsável por ela. Embora a maioria das ferramentas esteja presente na atual estrutura normativa do Brasil, ainda há espaço para seu aperfeiçoamento e desenvolvimento.
Tabela 3.2. Ferramentas de gestão de políticas regulatórias e entidade responsável por sua supervisão
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Qualidade das AIRs |
Qualidade da participação social |
Qualidade das avaliações ex post |
Simplificação e redução da carga administrativa |
Atividades de conformidade e controle |
Comunicação da política regulatória |
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SEAE |
Apenas para um subconjunto de atos normativos |
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Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital |
Principalmente por meio da digitalização de formalidades e procedimentos |
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Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas |
O CMAP realiza a avaliação, mas apenas para um subconjunto de políticas |
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Casa Civil |
Apenas para um subconjunto de atos normativos |
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Secretaria Executiva, Ministério da Economia |
Publica campanhas de informação e materiais de apoio |
Fonte: Decreto nº 9.203/2017, Decreto nº 9.745/2019.
É fundamental que o departamento que lidera a elaboração e implementação da política regulatória do país tenha competências técnicas necessárias. Isso garante que as ferramentas sejam adotadas e implementadas corretamente em todo o governo e que as funções de supervisão e controle de qualidade sejam baseadas em conhecimento. Ao mesmo tempo, é importante que o órgão de supervisão tenha o poder e o apoio político para garantir que os esforços de melhoria da regulação sigam uma abordagem de governo única (ver Figura 3.2 para um retrato da localização dos ROBs em toda a OCDE).
No Brasil, a Casa Civil era anteriormente a instituição que liderava os esforços na implementação da política regulatória no Brasil, ou seja, a AIR. Com a criação do novo Ministério da Economia, a supervisão da AIR foi transferida para a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE).
Principais funções de supervisão regulatória no Brasil
As atribuições, responsabilidades e arranjos institucionais do sistema de supervisão regulatória variam entre os países da OCDE. Em algumas jurisdições, as funções de supervisão regulatória estão concentradas em um único órgão (ou seja, Comissão Nacional de Melhoria Regulatória do México, CONAMER), enquanto em outras, elas são atribuídas a várias áreas administrativas ou diferentes instituições. Independentemente da composição, Renda e Castro identificam quatro funções principais dos órgãos de supervisão regulatória (Forthcoming[6]). As subseções a seguir descrevem o ecossistema de supervisão regulatória brasileiro sob a ótica dessas funções principais.
Controle de qualidade das ferramentas de gestão regulatória
A função de controle de qualidade das ferramentas de gestão regulatória se concentra em três elementos principais: análises de impacto regulatório, participação social e avaliações ex post, sendo a primeira a mais amplamente desenvolvida nos países membros da OCDE. O órgão de supervisão regulatória (ROB) responsável pelo controle de qualidade desempenha um papel fundamental para garantir que os atos normativos sejam elaborados utilizando uma análise completa e seguindo metodologias que avaliem os possíveis custos e benefícios das alternativas analisadas. Além disso, ao garantir processos adequados de participação social, o ROB promove uma regulação mais aceitável e inclusiva.
No Brasil, o exame das ferramentas de gestão regulatória está em seus estágios iniciais e restringe-se à avaliação das AIRs. A SEAE é o órgão responsável pelo exame das AIRs dos atos normativos infralegais (Decreto nº 10.411/2020). Entretanto, a SEAE não realiza uma avaliação sistemática das AIRs e seus pareceres não são vinculativos. Os pareceres devem ser disponibilizados ao público, o que pode acabar incentivando uma maior qualidade da avaliação, funcionando como um mecanismo de denúncia pública. É importante enfatizar que, para que os mecanismos de denúncia pública funcionem, a autoridade de supervisão da SEAE deve estar protegida de interferências políticas. Quando este relatório estava sendo preparado, a equipe da OCDE não conseguiu identificar evidências para avaliar a eficácia desse mecanismo nem seu possível efeito na qualidade das AIRs. Além disso, a Secretaria não está em condições de devolver a avaliação à agência que a apresentou. Por fim, o Decreto nº 10.411/2020 define as bases para a avaliação ex post dos atos normativos ou avaliação do resultado regulatório (ARR). Entretanto, o decreto não define um órgão supervisor para essas avaliações.
Talvez a necessidade de dispor de recursos adequados para desempenhar essa função seja tão importante quanto outorgar um mandato claro e explícito ao ROB para o controle de qualidade. O papel de proteção do órgão de supervisão regulatória deve ser apoiado por uma equipe com o nível adequado de especialização e com os devidos recursos financeiros. Como o ROB funciona como uma central, que reúne as partes relevantes do governo, os funcionários devem ter as ferramentas para identificar como os possíveis efeitos de uma proposta de regulação podem afetar outras agências e interessados. Quando este relatório estava sendo preparado, a SEAE tinha uma equipe de 22 funcionários para examinar as análises de impacto regulatório de todo o governo federal, além de outras tarefas. É muito cedo para dizer se a Secretaria tem os recursos necessários disponíveis para desempenhar essa função corretamente. Entretanto, representantes do centro do governo enfatizaram que, dadas as condições fiscais rigorosas do país, eles não planejam alocar mais recursos para a política regulatória, mas sim mudar a cultura e fazer melhor uso dos recursos disponíveis.
Publicação ou fornecimento de orientações relevantes sobre o uso de ferramentas de gestão regulatória
A disponibilidade de orientações e apoio adequados é fundamental para a implementação de uma política regulatória sólida. Reguladores, ministérios e outras instituições não devem enxergar os esforços de melhoria da regulação como mais um ônus, mas sim como ferramentas que incentivam a consecução dos objetivos das políticas públicas. Ter um órgão de supervisão regulatória que ofereça atividades de capacitação pode ajudar a reduzir a resistência que os ministérios ou outras entidades possam ter em relação à política regulatória e pode aumentar sua confiança no uso de ferramentas de gestão regulatória.
No Brasil, o Ministério da Economia encabeçou os esforços para fornecer orientações e assessoria na implementação de ferramentas de gestão regulatória. Na realidade, vários ministérios e instituições enfatizaram a disponibilidade da equipe do Ministério da Economia para ajudar a lidar com questões e dúvidas na implementação da AIR. Além disso, para se preparar para a nova exigência de realizar a AIR, o Ministério publicou uma série de manuais e diretrizes para ajudar na análise de impacto regulatório a ser implementada. Esses documentos concentram-se no poder executivo federal e, em alguns casos, com ênfase especial ao Ministério da Economia, mas estão disponíveis ao público e são uma referência para outros ministérios ou instituições. Os documentos orientativos mais relevantes são:
Diretrizes para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório (Ministério da Economia, 2021[7])
Análise de Impacto Regulatório, Perguntas Frequentes (Ministério da Economia, 2021[8])
Participação social no âmbito do Decreto sobre Análise de Impacto Regulatório (Ministério da Economia, 2021[9])
Coleta e tratamento de dados no âmbito do Decreto sobre Análise de Impacto Regulatório (Ministério da Economia, 2021[10])
Modelo de Governança da Análise de Impacto Regulatório do Ministério da Economia (Ministério da Economia, 2021[11])
Diretrizes para a Avaliação de Resultado Regulatório (Ministério da Economia, 2022[12])
Há alguns anos, as agências reguladoras brasileiras implementaram a AIR e outras ferramentas de gestão regulatória. Isso permitiu que desenvolvessem conhecimentos e boas práticas que podem ser compartilhados por todo o governo. A troca de aprendizados pode ajudar a aliviar as preocupações que outras agências possam ter e pode ajudar a incorporar a política regulatória na cultura dos ministérios e outras instituições.
Por fim, a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) também é um ator importante na oferta de treinamento e atividades de capacitação. A Escola realiza cursos sobre análise de impacto e outros estudos regulatórios que podem ser acessados virtualmente e disponibilizados para um grande número de funcionários públicos. O Quadro 3.5 fornece uma breve descrição das atividades de treinamento para gerar conhecimento especializado em AIR na Austrália.
Quadro 3.5. Capacitação em AIR na Austrália
O Escritório de Regulação de Melhores Práticas
O Escritório de Regulação de Melhores Práticas (OBPR) da Austrália oferece capacitação em análise de impacto das propostas de regulação apresentadas pelos ministérios ou outras entidades. O Escritório fornece diferentes tipos de treinamentos e recursos gratuitamente aos funcionários públicos. O conteúdo, escopo e objetivo das atividades de coaching são baseados no público e em suas necessidades. O OBPR tem cinco correntes de desenvolvimento de capacidades:
Treinamento de formuladores de políticas gerais ou “AIR básico”: trata-se de uma sessão de trabalho de um dia inteiro em que os participantes conhecem o marco de AIR da Austrália e o papel da OBPR. A sessão se concentra nas sete perguntas de AIR* de forma interativa, com vários funcionários da OBPR envolvidos.
Treinamento específico para ministérios: fornece uma visão geral da estrutura de AIR, levando em consideração as características específicas do ministério em questão. O(s) ponto(s) de contato do ministério dentro da OBPR realizam o treinamento para promover um relacionamento mais fluido com os formuladores de políticas do ministério.
Treinamento de cohort no primeiro ano: destinado a funcionários públicos que ingressam no governo após concluir seus estudos de graduação. O treinamento concentra-se no objetivo por trás da AIR, que é o de que as evidências são a base da formulação de políticas.
Treinamento ad hoc “baseado em necessidades”: o treinamento concentra-se na solicitação do ministério para tratar de elementos específicos da AIR. Por exemplo, o enfoque da sessão pode ser na definição do problema e das alternativas.
Treinamento internacional e interestadual: treinamento para governos nacionais e subnacionais na Austrália que querem familiarizar-se e aprender mais sobre a estrutura de AIR da Austrália.
Observação: a estrutura australiana de AIR inclui sete perguntas: 1. Qual é o problema que você está tentando resolver? 2. Por que é necessária uma ação do governo? 3. Que opções de políticas resolveriam esse problema? 4. Qual é o benefício provável de cada opção? 5. Quem você consultará e como você os consultará? 6. Qual é a melhor opção dentre aquelas que você analisou? 7. Como você implementará e avaliará a opção escolhida?
Fonte: OBPR (2022[13]), Learning from Australia’s experience of capacity building for Regulatory Impact Analysis (RIA).
Coordenação da política regulatória
No Brasil, nenhuma área ou áreas administrativas estão explicitamente encarregadas de coordenar a agenda de políticas regulatórias. Por exemplo, tanto o Ministério da Economia quanto a Casa Civil participam da avaliação dos possíveis efeitos dos atos normativos. O Ministério da Economia, especialmente a SEAE, está envolvido na garantia de qualidade das AIRs de atos normativos infralegais (Decreto nº 10.411/2020), enquanto a Casa Civil também pode exigir uma análise de impacto para determinados decretos e leis. Entretanto, não existe um vínculo de trabalho entre as duas instituições, mesmo que as duas entidades tenham um papel na edição dos atos normativos. A falta de um mandato claro dificulta a designação de uma agência responsável por garantir a qualidade da AIR, ainda mais de todo o ciclo regulatório.
Anteriormente, a Casa Civil liderava a gestão da política regulatória no Brasil. Os recursos técnicos disponíveis no Ministério da Economia e o contexto político do país direcionaram a realocação da agenda de AIR para o Ministério da Economia. No futuro, é importante que, uma vez que um departamento ou entidade tiver assumido a frente dos esforços de melhoria da regulação, ele adote uma visão holística do ciclo regulatório e receba o apoio devido. A aprovação da agenda de melhoria da regulação pela liderança política do país ajuda a reforçar a validade da instituição ou da área administrativa encarregada da política. Os arranjos de liderança e governança são fundamentais para garantir a implementação de um sistema bem-sucedido de políticas regulatórias (OECD, 2012[4]). A coordenação e colaboração entre o órgão (ou órgãos) de supervisão regulatória, ministérios e agências são decisivos para garantir a adoção de ferramentas e práticas de gestão regulatória.
Como no caso da AIR, os esforços de simplificação administrativa poderiam tirar proveito de uma coordenação mais estreita entre os atores relevantes do governo. O governo federal criou programas destinados a enfrentar a enorme carga administrativa sobre cidadãos e empresas no Brasil. As três principais iniciativas são: i) O caminho para os Top 50 países mais competitivos, ii) O Programa de Digitalização de Serviços Públicos, e iii) A Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim) (consulte o capítulo 4 para obter mais detalhes). Embora as três estratégias tenham gerado (e continuem a gerar) benefícios e melhorado a eficiência, esses esforços são isolados. Cada iniciativa está sob a gestão de uma área administrativa diferente do Ministério da Economia. Entretanto, nenhuma política ou coordenador central abrange os três programas. Um órgão que coordene a simplificação administrativa e a integre na política regulatória do país pode garantir que as sinergias sejam exploradas e que a regulação gere uma carga mais leve para os brasileiros. Para conhecer um exemplo de coordenação entre instituições em matéria de melhoria da regulação, consulte o Quadro 3.6.
Quadro 3.6. O ecossistema da política regulatória do Reino Unido
No país, as principais funções dos órgãos de supervisão regulatória não estão centralizadas em uma única instituição, mas são atribuídas a várias áreas administrativas. Três atores importantes compõem o ecossistema da política regulatória do Reino Unido: as Unidades de Melhoria da Regulação, o Executivo de Melhoria da Regulação e o Comitê de Política Regulatória.
A Unidade de Melhoria da Regulação (BRU) é uma área administrativa departamental responsável por garantir que o departamento esteja em conformidade com os requisitos de melhoria da regulação. Além disso, a BRU oferece orientações e assessoria sobre a metodologia que os reguladores devem seguir para analisar os impactos dos projetos de proposta. Por fim, a Unidade ajuda os formuladores de políticas a se orientar no processo de aprovação dos reguladores, o que pode incluir o aval do Comitê de Política Regulatória.
O Executivo de Melhoria da Regulação (BRE) é responsável pela política regulatória do país, incluindo sua promoção e execução. Localizado no Departamento de Negócios, Energia e Estratégia Industrial, ele também elabora diretrizes e fornece suporte às BRUs.
O Comitê de Política Regulatória (RPC) é um órgão independente do Departamento de Negócios, Energia e Estratégia Industrial. Ele avalia a qualidade da análise utilizada para elaborar as propostas de regulação (AIRs) e emite um parecer que fundamenta as decisões dos ministros sobre a adoção ou não da proposta. Os pareceres formais do RPC estão disponíveis on-line.
Outro aspecto em que o ROB desempenha um papel importante de coordenação é na consistência regulatória entre os níveis de governo. No Brasil, esse aspecto tem sido considerado apenas de maneira superficial, na medida em que o forte caráter federativo do país tem sido visto como uma desvantagem para o desenvolvimento efetivo de mecanismos de coordenação. Na realidade, a colaboração para a melhoria da regulação entre o governo federal, estados e municípios foi percebida como um tema bastante sensível durante a preparação deste relatório. Embora o capítulo 5 descreva em detalhes os arranjos de governança com governos subnacionais, é importante que o órgão de supervisão regulatória responsável pela coordenação da política de melhoria da regulação em nível federal assuma um papel de liderança na promoção dessa política entre estados e municípios.
Em termos práticos, uma maneira de promover a colaboração entre as agências é criando redes de formuladores de políticas. Atualmente, existem duas redes por meio das quais reguladores e ministérios podem entrar em contato uns com os outros para trocar experiências e boas práticas. A Rede de Articulação das Agências Reguladoras (RADAR), criada em 2018, reúne as 11 agências reguladoras incluídas no âmbito da Lei de Agências Reguladoras. A Rede oferece um espaço para a discussão de temas como regulação baseada em risco, controle e fiscalização da regulação, carga administrativa, entre outros. Por outro lado, os ministérios e agências reguladoras reúnem-se a cada dois ou três meses para compartilhar boas práticas regulatórias no Encontro de Reguladores Federais. Essa iniciativa vai na direção certa, mesmo que a participação nas atividades seja voluntária e bastante informal. Vale ressaltar que existe um grupo de trabalho específico no âmbito dessas reuniões que se concentra na regulação comercial.
Avaliação sistemática da política regulatória
A quarta função principal dos órgãos de supervisão regulatória refere-se à avaliação sistêmica da política regulatória. Como no caso de outras políticas do governo, é importante definir metas e objetivos, mas também ser capaz de avaliar o impacto dos esforços e recursos dedicados a atingir esses objetivos. Como o Brasil ainda está no processo de elaboração de uma política de governo única de melhoria da regulação, este é o momento certo para definir um sistema de monitoramento e avaliação. Ter uma perspectiva global dos esforços em política regulatória permite melhorias em todo o sistema e a criação de ciclos de feedback.
Política regulatória no Brasil: além dos três pilares
Quando se fala de política regulatória, geralmente o foco tende a ser a AIR, a participação social e a avaliação ex post dos atos normativos. Uma regulação de alta qualidade vai muito além desses três pilares e inclui elementos como planejamento prévio, monitoramento e avaliação de sistemas de AIR, controle e fiscalização da regulação, entre outros. No Brasil, várias dessas ferramentas já estão entre as tarefas realizadas por algumas entidades. Entretanto, é importante assegurar que esses mecanismos façam parte do ciclo regulatório do país para se chegar a uma política criteriosa. As subseções a seguir descrevem as realizações e as áreas de oportunidade do governo brasileiro em termos de planejamento regulatório e atividades de controle e fiscalização.
Planejamento prévio
Os reguladores e as partes reguladas são beneficiados pela elaboração de agendas que descrevem as mudanças normativas previstas. Além de incentivar a transparência e a responsabilidade, melhorando a coordenação das instituições do governo, o planejamento fornece aos interessados um roteiro do trabalho do regulador. No Brasil, a publicação de um planejamento prévio ou agenda regulatória é obrigatória apenas para as agências reguladoras incluídas no âmbito da Lei de Agências Reguladoras. A agenda deve estar alinhada com o planejamento estratégico da agência e estar disponível ao público na sede e no sítio eletrônico da entidade (Lei nº 13.848/2019, Art. 21). Outras instituições podem ter uma exigência interna de publicar uma agenda regulatória, como é o caso da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O regulamento interno da CVM estabelece que a Comissão deve elaborar uma agenda regulatória para o ano subsequente (Portaria CVM/PTE 190/19). Como no caso das agências reguladoras, a agenda proposta é aprovada pelo Colegiado e inclui uma priorização dos projetos e se as propostas estariam sujeitas à AIR.
No caso dos ministérios, o planejamento prévio da regulação está mais institucionalizado para as leis primárias. A partir de 2022, a Casa Civil é obrigada a publicar a agenda prioritária do governo (Decreto nº 10.907/2021). Esse documento inclui uma compilação das propostas legislativas (leis primárias) que os ministérios consideram prioritárias para o ano subsequente. Em 2022, os ministérios apresentaram 531 propostas, que foram avaliadas e aprimoradas pela Casa Civil. A agenda final incluiu 45 propostas agrupadas em dez temas principais4 (Casa Civil, 2022[17]). A publicação da agenda prioritária do governo é um esforço para aumentar a transparência e a previsibilidade do governo em relação ao Congresso e a partes interessadas relevantes.
Embora a obrigação de elaborar uma agenda regulatória não se aplique aos ministérios, algumas áreas administrativas e entidades estão incorporando o planejamento prévio em seu processo normativo. Por exemplo, o Ministério da Infraestrutura (MINFRA) publicou, em 2020, sua Agenda Regulatória de Trânsito para o período 2021-2022 (Portaria nº 2.663/2020). Na mesma linha, o Ministério da Agricultura disponibilizou ao público sua agenda regulatória para 2021-2022 (Portaria nº 277/2020).
Embora essa ferramenta não tenha sido adotada sistematicamente em todo o governo federal, as disposições do acordo recentemente assinado entre os Estados Unidos e o Brasil5 devem ajudar na promoção do uso de agendas regulatórias no governo federal. Não está claro, entretanto, quando essa obrigação entrará em vigor. As agendas regulatórias das agências reguladoras, assim como as de um subgrupo de ministérios, estão disponíveis no sítio eletrônico do Ministério da Economia.
Atividades de controle e fiscalização regulatória
Um ponto relevante no ciclo de política regulatória refere-se aos esforços que os governos fazem para fiscalizar as partes reguladas e impor o cumprimento das normas. Os governos podem incorporar elementos importantes para criar um sistema de controle e fiscalização de alta qualidade na política de melhoria da regulação do país. O Brasil tomou algumas medidas para incentivar a melhoria das fiscalizações, introduzindo considerações sobre risco na Lei de Liberdade Econômica e no Decreto nº 10.178/2019. O enfoque dessas leis foi a classificação das atividades econômicas com base em seu nível de risco e a fiscalização pós-mercado das atividades consideradas de baixo risco. Essas medidas vão na direção certa e poderiam ajudar a elaborar uma estratégia mais articulada de controle e fiscalização sob uma perspectiva de melhoria da regulação (ver Quadro 3.7 para mais detalhes sobre os princípios de bons ecossistemas de controle e fiscalização).
Quadro 3.7. Sistemas de controle e fiscalização de alta qualidade
Conjunto de ferramentas de controle e fiscalização da OCDE
As atividades de controle e fiscalização são um componente necessário de um sistema regulatório eficiente e de alta qualidade. Os 12 princípios abordados no Conjunto de Ferramentas fornecem um instrumento para avaliar a forma como uma instituição está promovendo e garantindo a conformidade com as normas.
1. Controle baseado em fatos: decidir o que fiscalizar e como fundamentar o processo em dados e evidências, além de avaliar os resultados regularmente.
2. Seletividade: o controle e a fiscalização não podem estar em todos os lugares ao mesmo tempo, sendo que existem muitas outras maneiras de atingir os objetivos da regulação.
3. Foco no risco e proporcionalidade: a frequência das fiscalizações e os recursos utilizados devem ser proporcionais ao nível de risco e as ações de controle devem ter como objetivo reduzir o risco real representado pelas infrações.
4. Regulação responsiva: as ações de controle e fiscalização devem ser pensadas em função do perfil e do comportamento de empresas específicas.
5. Visão de longo prazo: devem ser definidos objetivos claros e criados mecanismos institucionais com um roteiro de longo prazo.
6. Coordenação e consolidação: menos duplicação e sobreposições garantirão melhor uso dos recursos públicos, minimizando a carga sobre as partes reguladas e maximizando a eficácia.
7. Governança transparente: as estruturas de governança e as políticas de recursos humanos para o controle da regulação devem apoiar a transparência, o profissionalismo e a gestão orientada para resultados. A execução do controle da regulação deve ser independente da influência política e os esforços de promoção da conformidade devem ser recompensados.
8. Integração de informações: as tecnologias de informação e comunicação devem ser usadas para maximizar a coordenação e o compartilhamento de informações com foco no risco, assim como o uso otimizado dos recursos.
9. Processo claro e justo: é necessário adotar e publicar uma legislação coerente para organizar as atividades de controle e fiscalização, assim como é preciso comunicar de forma clara os direitos e obrigações dos funcionários e das empresas.
10. Promoção da conformidade: a transparência e a conformidade devem ser promovidas por meio do uso de instrumentos apropriados, como orientações, conjuntos de ferramentas e listas de verificação.
11. Profissionalismo: os fiscais devem ser treinados e geridos para garantir uma atuação com profissionalismo, integridade, consistência e transparência.
12. Verificação da realidade: as instituições encarregadas do controle e fiscalização devem ter o desempenho que delas se espera em termos de satisfação dos interessados, de eficiência (custo-benefício) e de eficácia total (segurança, saúde, proteção ambiental, etc.).
Fonte: OCDE (2018[18]), Conjunto de Ferramentas de Controle e Fiscalização Regulatória da OCDE, OECD Publishing, Paris, https://dx.doi.org/10.1787/9789264303959-pt.
As agências reguladoras tomaram algumas medidas para fortalecer seus sistemas de controle e fiscalização. Entretanto, esses esforços não são sistematizados nem difundidos em todo o governo. As evidências coletadas pela equipe do estudo mostram que existem problemas graves a serem resolvidos para garantir que as atividades de conformidade regulatória sejam adequadas, eficientes e baseadas em evidências. Entre as principais áreas de oportunidade estão:
As diferentes interpretações das leis e normas
Pouca padronização de procedimentos e coordenação entre as instituições e níveis de governo envolvidos no processo de fiscalização
Estruturas de alocação de recursos das entidades de fiscalização.
Referências
[17] Casa Civil (2022), Agenda Legislativa prioritária do Governo Federal para 2022, https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/noticias/pautas-prioritarias-de-2022 (accessed on 16 March 2022).
[15] Department for Business, E. (2020), Better Regulation Framework, Interim guidance, https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/872342/better-regulation-guidance.pdf (accessed on 18 June 2020).
[3] Government of Canada (2018), Cabinet Directive on Regulation, https://www.canada.ca/en/government/system/laws/developing-improving-federal-regulations/requirements-developing-managing-reviewing-regulations/guidelines-tools/cabinet-directive-regulation.html (accessed on 26 April 2022).
[19] Government of Canada (n.d.), Guide to Making Federal Acts and Regulations: Cabinet Directive on Law-Making, https://www.canada.ca/en/privy-council/services/publications/guide-making-federal-acts-regulations/guide-making-federal-acts-regulations-cabinet-directive-law-making.html (accessed on 6 April 2020).
[14] Government of the United Kingdom (2022), Regulatory Policy Committee, https://www.gov.uk/government/organisations/regulatory-policy-committee (accessed on 2 February 2019).
[12] Ministério da Economia (2022), Guia Orientativo para Elaboração de Avaliação de Resultado Regulatório-ARR, https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/air/guias-e-documentos/GuiaARRverso5.pdf (accessed on 16 March 2022).
[8] Ministério da Economia (2021), Análise de Impacto Regulatório; Perguntas Frequentes, https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/air/o-que-e-air/copy_of_1.AIRFAQ.pdf (accessed on 7 February 2022).
[10] Ministério da Economia (2021), Coleta e Tratamento de Dados no Âmbito do Decreto da Análise de Impacto Regulatório-AIR, https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/air/o-que-e-air/3.AIREstrategiadeColetaeTratamentodeDados.pdf (accessed on 7 February 2022).
[7] Ministério da Economia (2021), Guia para Elaboração de Análise de Impacto Regulatório (AIR), https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/air/o-que-e-air/SEPEC_guiadeair_vfinal_1504211.pdf (accessed on 7 February 2022).
[11] Ministério da Economia (2021), Modelo de Governança da Análise de Impacto Regulatório do Ministério da Economia, https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/air/o-que-e-air/4.AIRModelodegovernanca1.pdf (accessed on 7 February 2022).
[9] Ministério da Economia (2021), Participação Social no Âmbito do Decreto de Análise de Impacto Regulatório-AIR, https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/air/o-que-e-air/2.AIRManualdeParticipacaoSocial.pdf (accessed on 7 February 2022).
[13] OBPR (2022), Learning from Australia’s experience of capacity building for Regulatory Impact Analysis (RIA).
[16] OECD (2021), OECD Regulatory Policy Outlook 2021, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/38b0fdb1-en.
[18] OECD (2018), OECD Regulatory Enforcement and Inspections Toolkit, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/9789264303959-en.
[5] OECD (2018), OECD Regulatory Policy Outlook 2018, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/9789264303072-en.
[4] OECD (2012), Recommendation of the Council on Regulatory Policy and Governance, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/9789264209022-en.
[2] OECD (2011), Regulatory Policy and Governance: Supporting Economic Growth and Serving the Public Interest, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/9789264116573-en.
[1] OECD (2008), OECD Reviews of Regulatory Reform: Brazil 2008: Strengthening Governance for Growth, OECD Reviews of Regulatory Reform, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/9789264042940-en.
[20] Regulatory Policy Committee (2019), The RPC-How we work with departments, https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/795424/The_RPC_Offer_to_departments_logo.pdf (accessed on 29 June 2020).
[6] Renda, A. and J. Castro (Forthcoming), Defining and Contextualising Regulatory oversight and Co-ordination.
Observações
← 1. e Saneamento Básico Nacional
← 2. Entulho regulatório: “atritos excessivos ou desnecessários, tais como a burocracia, que custam tempo ou dinheiro; que podem tornar a vida mais difícil; que podem ser frustrantes, estigmatizantes ou humilhantes; e que podem acabar privando as pessoas do acesso a bens, oportunidades e serviços importantes”. (ver Sunstein, Cass R. (2019), Sludge Audits, 27 April). Harvard Public Law Working Paper No. 19-21, Forthcoming, Behavioural Public Policy, http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3379367.
← 3. As agências reguladoras incluídas na Lei de Agências Reguladoras já são obrigadas a realizar consultas públicas. Consulte o capítulo 3 para obter mais detalhes sobre as atividades de participação social do governo federal brasileiro.
← 4. Econômico, Custo Brasil, Social, Ambiental, Segurança e Defesa, Agricultura, Mineração, Educação, Infraestrutura e Saúde.
← 5. Acordo de Comércio e Cooperação Econômica entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América Relacionado a Regras Comerciais e Transparência.