Em todo o mundo, a infraestrutura tem papel chave na resposta às pressões sobre os recursos hídricos e na melhoria da segurança hídrica. Essas pressões continuarão a aumentar nas décadas futuras em conseqüência da mudança demográfica, crescimento econômico, poluição, alteração no uso e na ocupação do solo, degradação do ecossistema e mudanças climáticas. O Brasil não é exceção. O País avançou consideravelmente na identificação e no enfrentamento de desafios, bem como no financiamento e na manutenção da infraestrutura por meio de investimento público. No entanto, o modelo de financiamento atingiu um limite. A capacidade e o engajamento das partes interessadas precisam ser melhorados e passar de uma abordagem de risco para uma de resiliência. Este capítulo apresenta opções para se alcançar esses objetivos.
A Promoção da Resiliência Hídrica no Brasil
1. Gestão de infraestrutura hídrica para maior resiliência
Abstract
Infraestrutura para a segurança hídrica no Brasil
O aumento da frequência e da intensidade de eventos extremos relacionados aos recursos hídricos no Brasil, devido às mudanças climáticas, coloca a população em risco, reduz a confiabilidade na infraestrutura hídrica e tem consequências na segurança alimentar e energética. Em 2020, 1,1 milhão de brasileiros foram atingidos por inundações e 15 milhões, por secas (ANA, 2021[1]). Em 2021, o esgotamento dos reservatórios hidrelétricos devido a uma sequência de anos hidrológicos abaixo da média, a partir de 2013, ameaçou o fornecimento de energia elétrica para 213 milhões de pessoas que dependem de energia hidrelétrica. Inundações e secas podem ocorrer simultaneamente em diferentes partes do país, impactando a confiabilidade na infraestrutura hídrica. Durante as secas, por exemplo, a redução da vazão aumenta as incertezas acerca do armazenamento dos reservatórios, enquanto a capacidade reduzida das hidrelétricas multiuso pode gerar tensões entre os usuários.
O crescimento populacional e a rápida urbanização do Brasil afetaram o desenvolvimento da infraestrutura hídrica. No entanto, ainda há lacunas, especialmente entre as áreas urbanas e rurais. Em 1970, 51 milhões dos 93 milhões de brasileiros viviam em áreas urbanas. Em 2010, de 190 milhões de habitantes, 160 milhões viviam em centros urbanos ou próximos ao litoral (IBGE, 2015[2]; ECLAC, 2012[3]). Devido ao aumento populacional, até 2040, a demanda hídrica deverá crescer 43,5%, em relação a 2017, o que representa um aumento de 4.337 bilhões de m³ de água (Trata Brasil, 2020[4]). Aproximadamente 15 milhões de brasileiros que vivem em áreas urbanas não têm acesso a água de modo seguro, sem contaminação externa e disponível nos domicílios (Siwi/Unicef/World Bank, 2020[5]). Nas áreas rurais, 30% da população (7,8 milhões de habitantes) não têm acesso a água tratada (WHO/UNICEF, 2021[6]). O esgoto não-tratado reduziu de 62,2%, em 2010, para 49,2%, em 2020, porém permanece elevado (MDR, 2020[7]). No que se refere à poluição da água, as concentrações elevadas de DBO estão presentes nos rios que atravessam os grandes centros urbanos e que recebem altas cargas de poluentes orgânicos de efluentes não-tratados e poluição difusa (ANA, 2021[8]).
Ao todo, 95,2 milhões de pessoas não possuem serviços de saneamento básico adequados (MDR, 2020[7]). Desse total, 21,6 milhões utilizam instalações sanitárias inadequadas; enquanto 2,3 milhões utilizam fontes de água impróprias para o consumo humano e para higiene pessoal e doméstica. A carência é especialmente crítica em aldeias indígenas, periferias urbanas, assentamentos informais e favelas, onde vivem aproximadamente 13 milhões de brasileiros. De acordo com o Atlas Águas – Segurança Hídrica do Abastecimento Urbano, serão necessários investimentos da ordem de R$ 110,3 bilhões em produção e distribuição de água e em infraestrutura hídrica até 2035 (ANA, 2021[8]).
O Plano Nacional de Segurança Hídrica (PNSH) estabeleceu, em 2019, requisitos estratégicos de infraestrutura e um plano de investimentos até 2035. Os projetos propostos no PNSH beneficiarão 1/3 dos 74 milhões de pessoas que vivem em áreas onde o abastecimento de água está ameaçado e onde se projeta um impacto econômico da ordem de R$ 518 bilhões de reais, causado pela perda de produção industrial e agrícola. De acordo com o PNSH, até 2035, serão necessários R$ 26,9 bilhões para investimentos em infraestrutura hídrica nova, principalmente para permitir a expansão do armazenamento e do abastecimento de água, dos quais R$ 17,6 bilhões em recursos públicos federais (até o momento, já foram investidos R$ 13,2 bilhões) (ANA/MDR, 2019[9]). Assim, é necessário financiamento alternativo para prover parte da infraestrutura hídrica estratégica(ANA, 2019[10]). O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) monitorará e atualizará o PSH e, quando necessário, cuidará de sua implementação de forma proativa. Ao fazê-lo, trabalhará em estreita colaboração com agências federais, instituições estaduais e outras partes interessadas e garantirá que o programa se vincule a outras políticas públicas para o fornecimento de saneamento e para a promoção de desenvolvimento regional.
Estima-se que as necessidades de investimentos sejam quase o dobro das atuais. De 2013 a 2017, o Brasil investiu R$ 12,94 bilhões por ano em água e saneamento (MRD, 2019[11])). Em 2020, esse valor atingiu R$ 13,7 bilhões. No entanto, há necessidade de R$ 357 bilhões para alcançar o acesso universal à água e ao saneamento, o que corresponde a R$ 23,8 bilhões por ano até 2033 (1,8 vezes o investimento médio atualmente observado). Outros estudos estimam que o investimento necessário seja de R$ 498 bilhões, sem contar com R$ 255 bilhões em consequência da depreciação de ativos, representando um total de R$ 753 bilhões (KPMG/ABICON, 2020[12]) ou R$ 50,2 bilhões por ano até 2033 (3,9 vezes a taxa de investimento atual). A novo marco regulatório pretende atrair investimentos privados para fazer frente à demanda por investimento.
Uma abordagem moderna de segurança hídrica não pode depender apenas das infraestruturas. Requer estratégias de desenvolvimento regional de baixo para cima (bottom-up) para fazer face às disparidades econômicas e sociais. A OCDE (2015[13]) destacou a necessidade de se superar o antigo legado da visão keynesiana na política pública brasileira, baseado em robusto investimento público para a construção de grandes obras de infraestrutura. Como tal, as medidas para uma maior segurança hídrica (por exemplo, combinar oferta e demanda, infraestruturas cinzas e verdes, gestão de riscos e resiliência, com uma visão holística em relação ao meio ambiente, desenvolvimento territorial e uso do solo) implicarão governança robusta da água, como destacado nos Princípios da OCDE sobre Governança dos Recursos Hídricos (Quadro 1.1).
Quadro 1.1. Os Princípios da OCDE sobre Governança dos Recursos Hídricos
Os Princípios da OCDE sobre Governança dos Recursos Hídricos visam a melhorar os sistemas de governança para administrar a água “em excesso”, “em escassez” e “muito poluída” e promover o acesso universal à água potável e ao saneamento, de forma sustentável, integrada e inclusiva, a custo aceitável e em prazo razoável. Os princípios reconhecem que a boa governança é um meio para se compreender a complexidade e gerenciar escolhas (trade-offs) em um setor de política pública altamente sensível a fragmentação, setorialização, incompatibilidade em diferentes escalas, externalidades negativas, monopólios e grandes investimentos intensivos em capital. Os princípios consideram que a boa governança ocorre quando contribui para a resolução dos principais desafios hídricos usando uma combinação de processos de baixo para cima e de cima para baixo, ao mesmo tempo em que promove relações construtivas entre Estado e sociedade. A má governança, por outro lado, gera custos de transação indevidos e não responde às necessidades locais.
Os princípios favorecem sistemas de governança dos recursos hídricos que sejam eficazes, eficientes e inclusivos:
1. A eficácia refere-se à contribuição da governança para definir objetivos e metas claros e sustentáveis em matéria de política de recursos hídricos em todos os níveis de governo, para implementar os objetivos dessas políticas e para atingir as metas previstas.
2. A eficiência refere-se à contribuição da governança para maximizar os benefícios da gestão sustentável da água e do bem-estar ao menor custo para a sociedade.
3. Confiança e engajamento estão relacionados à contribuição da governança para construir a confiança do público e garantir a inclusão das partes interessadas por meio da legitimidade democrática e da equanimidade para a sociedade como um todo.
Os 12 princípios são:
Princípio 1. Alocar e definir com clareza papéis e responsabilidades para a formulação de políticas públicas da água, sua implementação, sua gestão operacional e sua regulação, bem como promover a coordenação entre as instituições responsáveis.
Princípio 2. Gerir a água na(s) escala(s) apropriada(s) dentro dos sistemas integrados de governança da bacia de modo a refletir as condições locais e promover a coordenação entre as diferentes escalas.
Princípio 3. Incentivar a coerência das políticas públicas por meio da coordenação intersetorial eficaz, especialmente entre os setores de recursos hídricos, meio ambiente, saúde, energia, agricultura, indústria, ordenamento do território e uso do solo.
Princípio 4. Ajustar o nível de capacidade das instituições responsáveis à complexidade dos desafios hídricos e ao conjunto de competências necessárias para o exercício das suas funções.
Princípio 5. Produzir, atualizar e compartilhar tempestivamente dados e informações relevantes da política de recursos hídricos de forma consistente e comparável, e utilizar esses dados para guiar, avaliar e melhorar as políticas públicas de água.
Princípio 6. Assegurar que os arranjos de governança ajudem a mobilizar e alocar recursos financeiros para o setor de maneira eficiente, transparente e tempestiva.
Princípio 7. Garantir que marcos regulatórios sólidos sejam efetivamente implementados e aplicados, visando ao interesse público.
Princípio 8. Promover a adoção e a implementação de práticas inovadoras de governança dos recursos hídricos em todas as instituições responsáveis, em todos os níveis de governo e por todas as partes interessadas relevantes.
Princípio 9. Integrar práticas de integridade e transparência nas políticas públicas, das instituições e nas estruturas de governança dos recursos hídricos para obter maior responsabilização (accountability) e confiança na tomada de decisões.
Princípio 10. Promover o envolvimento das partes interessadas, de modo que ofereçam contribuições informadas e orientadas para resultados, na formulação e na implementação das políticas de recursos hídricos.
Princípio 11. Incentivar as estruturas de governança dos recursos hídricos para ajudar a gerenciar escolhas (trade-offs) entre usuários de água, entre áreas rurais e urbanas, bem como entre gerações.
Princípio 12. Promover o permanente monitoramento e avaliação da política pública e da governança dos recursos hídricos, compartilhando os resultados com o público e fazendo ajustes quando necessário.
Acertando a governança da infraestrutura hídrica
Ampliando a coordenação entre níveis de governo
O Brasil possui estrutura institucional que planeja e implementa projetos de infraestrutura hídrica para aumentar a segurança hídrica. Em resposta à necessidade de desenvolvimento de infraestrutura hídrica, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) passou a integrar o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), após desvincular-se do Ministério do Meio Ambiente. Em 2019, a ANA publicou o PNSH (ANA, 2019[10]), com foco em dois tipos de intervenção: (1) barragens multiuso para abastecimento de água e controle de enchentes e (2) infraestrutura para distribuição e transferência de recursos hídricos. As soluções encontradas baseiam-se em ampla avaliação e mapeamento dos riscos hídricos no país, por meio do Índice de Segurança Hídrica (ISH), que combina critérios humanos, econômicos, ecossistêmicos e de resiliência. O ISH revelou que áreas litorâneas e parte da região nordeste do País são as mais vulneráveis.
A implementação do PNSH exigirá coordenação entre os níveis de governo. No Brasil, a gestão dos recursos hídricos é de responsabilidade dos 27 estados e do Distrito Federal, e há histórico de participação democrática entre os mais de 200 Comitês de Bacia Hidrográfica. A OCDE (2015[15]) reconheceu que as bacias hidrográficas do Brasil são muito diversas em termos de características hidrológicas e em nível de desenvolvimento econômico, bem como em termos de capacidade e habilidades institucionais. As soluções para os desafios da gestão da água, portanto, precisam refletir essa diversidade e a realidade dos distintos níveis de progresso rumo a metas abrangentes de políticas públicas. Além disso, as tensões entre prioridades federais e estaduais são acentuadas pelos desafios relacionados ao “duplo domínio” quanto à gestão de recursos hídricos, situação em que as competências sobre rios de domínio da União e sobre rios de domínio estadual são alocadas a diferentes níveis de governo.
Como parte da avaliação de qualquer proposta de um grande projeto, deve-se assegurar que os papéis e as responsabilidades estejam definidos para cada estágio desde a decisão inicial de implantar a política pública até a operação e a manutenção da obra concluída, como destacado nos Princípios da Governança dos Recursos Hídricos da OCDE (OECD, 2015[13]). As opções a serem consideradas incluem:
Reforçar a relação entre todas as instituições relevantes. O Ministério do Desenvolvimento Regional, ao qual pertence a ANA, deve ter papel central em relação à infraestrutura hídrica, com o engajamento simultâneo de entidades relevantes para a gestão dos recursos hídricos e para o desenvolvimento social e econômico do país, como a CODEVASF (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba) e DNOCS (Departamento Nacional de Obras contra as Secas), ambas vinculadas ao Ministério do Desenvolvimento Regional (Ministry of Regional Development, 2021[16]; 2021[17]).
Formalizar arranjos institucionais para a tomada de decisão sobre cada grande projeto de infraestrutura, a fim de garantir que os papéis, as responsabilidades e o financiamento estejam claros e implementados a cada estágio de seu desenvolvimento.
Estabelecer a base jurídica para a infraestrutura verde e para o engajamento estratégico entre setores. A extensão da política pública de infraestrutura verde como medida de adaptação às mudanças climáticas precisa ser acordada entre os ministérios que lidam com a temática. O planejamento, o financiamento e a entrega de infraestrutura verde devem ser conduzidos de maneira mais formal, com apoio legislativo e orçamentário e com clareza sobre a responsabilização (accountability), a depender da natureza do sistema. Um portfólio otimizado de infraestrutura cinza e verde1 parece essencial para construir e manter a segurança e a resiliência hídrica. Soluções baseadas na natureza, por exemplo, estão entre as mais eficientes para aumentar, de forma sustentável, a produção de água (Quadro 1.2).
Quadro 1.2. Colhendo os benefícios da infraestrutura verde no setor hídrico
Infraestruturas verdes são definidas como “uma rede estrategicamente planejada de áreas naturais e seminaturais com outras características ambientais, projetadas e geridas para proporcionar amplo espectro de serviços ecossistêmicos. Incorporam espaços verdes (ou azuis se os ecossistemas aquáticos forem incluídos) e outras características físicas de áreas territoriais (incluindo áreas costeiras) e marinhas”(EC, 2013[18]). Infraestruturas verdes são reconhecidas, cada vez mais, como parte da resposta aos desafios de países da OCDE, especialmente quando as cidades competem com outros usuários (agricultura e energia térmica, por exemplo) pelo acesso à água de que necessitam e quando se considera a gestão da água com relação ao uso do solo e a outras políticas.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (2014[19]) lista infraestruturas verdes para a gestão de recursos hídricos, algumas das quais são úteis em contextos urbanos. Colin Green (OECD, 2013[20]) acrescenta a essa lista a gestão da demanda e o processamento local de águas negras ou cinzas. As tecnologias relacionadas à reciclagem de lodo, à geração de energia a partir do esgoto e à eficiência energética do ciclo da água também poderiam ser consideradas. A infraestrutura verde fornece soluções para todos os quatro riscos que determinam a segurança hídrica urbana: secas, inundações, poluição e resiliência do ecossistema. Ressalte-se, ainda, que a maioria das tecnologias identificadas na Tabela 1.1 estão maduras. Algumas estão em uso há séculos. Por exemplo, Veneza depende da drenagem de água pluvial desde seus primórdios, e Paris adotou, ainda no século 19, um sistema de tubulação tripla que fornece água não-potável para usos que não requereram água potável.
Os benefícios das infraestruturas verdes estão cada vez mais bem documentados. A Nature Conservancy (McDonald and Shemie, 2014[21]) calculou que, se as cidades investissem na conservação de bacias hidrográficas, 700 milhões de pessoas poderiam receber água de melhor qualidade e as concessionárias de água poderiam economizar US$ 890 milhões por ano em custos de tratamento de água. A conservação de bacias hidrográficas pode ser particularmente relevante para cidades de baixa renda que não podem arcar com os custos de capital referentes a operação e manutenção (O&M) das infraestruturas existentes.
Tabela 1.1. Soluções de infraestrutura verde para a gestão dos recursos hídricos
Questão da gestão de águas urbanas |
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Abastecimento de água e saneamento (incluindo secas) |
Regulação da qualidade da água |
Moderação de eventos extremos (cheias) |
Proteção de ecossistemas |
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Purificação da água |
Controle biológico |
Controle de temperatura da água |
Controle de inundações ribeirinhas |
Escoamento de águas pluviais urbanas |
Controle de inundações (tempestades) costeiras |
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Solução de infraestrutura verde |
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Gestão por demanda |
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Processamento local de águas negras ou cinzas |
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Restauração/conservação de áreas úmidas |
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Construção de áreas úmidas |
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Coleta de água |
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Espaços verdes |
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Pavimentos permeáveis |
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Telhados verdes |
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X |
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Proteção/restauração de manguezais, pântanos costeiros, dunas, recifes |
X |
X |
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Infraestrutura cinza correspondente (nível de serviço primário) |
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Barragens, bombeamento de águas subterrâneas |
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X |
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Barragens, diques |
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X |
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Sistema de distribuição de água |
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Estações de tratamento de água |
X |
X |
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Infraestrutura urbana de águas pluviais |
X |
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Muros de contenção do mar (sea walls) |
X |
A infraestrutura verde pode ser significativamente mais econômica que as soluções cinza. No entanto, geralmente ela deve coexistir e interagir com a infraestrutura cinza. A chave para a implementação bem-sucedida é o planejamento territorial, idealmente, em escala de bacia, uma vez que, embora a precipitação não possa ser alterada, a forma como ela escoa depende de estratégias referentes ao uso do solo e das modificações da paisagem.
A infraestrutura verde pode fornecer benefícios multifuncionais. Por exemplo, parques urbanos e outros espaços verdes em La Marjal de Alicante, na Espanha, oferecem amenidades multifuncionais, que são alternativa às opções convencionais construídas contra inundações. Essas soluções estão em uso em muitos países, empregando combinações de túneis de desvio, canais de desvio naturais ou artificiais, ou reconexão em larga escala da planície de inundação com o rio, para restaurá-lo ao seu propósito natural.
Fonte: Adaptado da UNEP (2014[19]), Guia de infraestrutura verde para gestão de recursos hídricos: Ecosystem-based Management Approaches for Water-related Infrastructure Projects, United Nations Environment Programme; OECD (2013[20]),“Barriers to and Incentives for the Adoption of Green Water Infrastructure”, OECD, Paris; OECD (2015[22]), Water and Cities: Ensuring Sustainable Futures, http://dx.doi.org/10.1787/9789264230149-en; McDonald, R. and D. Shemie(2014[21]), Urban Water Blueprint: Mapping Conservation Solutions to the Global Water Challenge, https://www.nature.org/content/dam/tnc/nature/en/documents/Urban_Water_Blueprint.pdf; EC(2013[18]), Building a Green Infrastrcuture for Europe, European Commission, https://ec.europa.eu/environment/nature/ecosystems/docs/green_infrastructure_broc.pdf;
Visando a resiliência
Com base no princípio da subsidiariedade, a legislação brasileira indica a divisão de tarefas entre planos nacionais, estaduais e de bacias hidrográficas, que muitas vezes carecem de implementação efetiva. O estado deve focar em questões estratégicas no contexto mais amplo e tratar de questões estratégicas no contexto regional, enquanto os planos de bacia hidrográfica, com abordagem mais local, devem ter como foco as tarefas executivas e operacionais. De acordo com o artigo 35 da Lei das Águas de 1997, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) deve promover a coordenação dos planos de recursos hídricos em nível nacional, regional, estadual e planos setoriais, além de aprovar o Plano Nacional de Recursos Hídricos, certificando-se de que seus objetivos sejam atingidos. No entanto, o Plano Nacional de Recursos Hídricos é muito abrangente para definir prioridades específicas e falha em estabelecer vínculos com estratégias de desenvolvimento mais amplas. Os planos estaduais e de bacias, frequentemente, são considerados como "tigres de papel”, pois não são implementados devido à falta de adesão das partes interessadas e dos responsáveis pelas decisões. Dependem deles as providências a serem adotadas e os fundos a serem alocados. Frequentemente, os planos carecem de implementação adequada (OECD, 2015[15]).
Pensar em resiliência do sistema pode ajudar a desenvolver planos mais robustos e soluções mais flexíveis. A resiliência não é simplesmente uma questão de saber se um sistema tem capacidade de manter a oferta na eventualidade de uma seca, mas também de saber como deve responder a uma série de adversidades, tais como perda de energia em larga escala ou um ataque cibernético. A mudança climática cria diversos impactos potenciais contra os quais a infraestrutura precisa ser resiliente. As barragens, por exemplo, precisam ser projetadas para lidar com mudanças de níveis, e os sistemas de drenagem urbana de águas superficiais devem ser projetados para lidar com taxas mais elevadas de escoamento quando comparadas aos registros históricos. A infraestrutura adjacente aos rios, como estações de tratamento de água potável e estações de tratamento de águas residuais, provavelmente enfrentará, cada vez mais, o risco de inundação.
Um sistema resiliente é parte vital do Princípio do Usuário-Pagador, que visa ao compartilhamento equitativo de custos e de acesso ao recurso, bem como ao abastecimento eficiente de água e à conservação do recurso por meio de gestão da demanda. Uma "presunção de mudança" é fundamental para suposições em torno dos níveis de resiliência e para identificar as condições para a reparação da falha. Os arranjos institucionais e de governança são também essenciais à resiliência. Na Inglaterra e no País de Gales, o regulador econômico Ofwat tem o dever legal de garantir a resiliência das empresas de água sob sua supervisão, mediante planejamento e investimento, inclusive no que tange a operação e manutenção (O&M). O Ofwat tem ainda o papel de assegurar que a gestão do uso do recurso hídrico ocorra de forma sustentável e eficiente para os usuários. Todas as empresas são obrigadas, em seus planos de negócios quinquenais, a incluir a resiliência. Elas elaboram, por exemplo, um projeto que não dependa unicamente de ativos de um tipo específico, apresente maior conectividade em suas redes, proteja seus ativos e aprimore seus processos de resposta a incidentes. Dessa forma, quando houver falha, ela poderá ser identificada e corrigida rapidamente antes que possa causar falhas em cadeia.
Para responder ao risco crescente de secas, o planejamento de novas infraestruturas deve levar em conta os seguintes pontos:
Inclusão dos piores cenários em relação ao impacto potencial das mudanças climáticas e aos níveis de demanda hídrica futura. A ANA tem avançado no entendimento e na gestão de riscos para o abastecimento de água e essa abordagem precisa incluir a reflexão sobre a resiliência para que a duração e a magnitude das falhas sejam minimizadas. Essa avaliação deve constar do planejamento do uso dos recursos hídricos, no sentido de “esperar o melhor, mas preparar-se para o pior". Isso ajudará a identificar lacunas (gaps) na capacitação e nas capacidades técnicas que precisam ser aprimoradas e nos gastos que têm de ser priorizados.
Avaliação de vulnerabilidades dos sistemas a choques como secas mais extremas que as esperadas, ataques cibernéticos ou falhas de telemetria e deve considerar as medidas para mitigar os impactos.
Garantia de maior confiabilidade e resiliência dos sistemas de abastecimento existentes, bem como introdução de fontes hídricas alternativas menos vulneráveis à seca. Na Espanha, por exemplo, a incerteza crescente a respeito da confiabilidade das captações gerou dependência maior de fontes menos convencionais de água. Naquele país, existem 765 plantas de dessalinização que processam mais de 100m³ por dia, produzindo em torno de 5 milhões de m³ diários para uso urbano, agrícola e industrial. A água dessalinizada pode ser mais cara que a proveniente de represas e de rios, dependendo das externalidades consideradas, e produzem grandes volumes de salmoura a serem descartados. O reuso de água também é importante na Espanha, com 368 sistemas em operação ou em planejamento, produzindo quase 11% do total de água disponível. Há rígidas regras e padrões de qualidade da água para cada tipo de uso. Alguns usos são proibidos, como para consumo humano, indústria de alimentos, hospitais, aquicultura de moluscos, etc. A UE está analisando quais padrões devem ser aplicados em toda a Europa a fim de responder a preocupações concretas e percebidas sobre os riscos à saúde pública.
Desenvolvimento de planos de gestão de seca para ativos novos e existentes. É importante desenvolver planos de gestão de secas que estabeleçam responsabilidades e ações previamente acordadas com as partes interessadas em todos os setores. Os planos ajudariam a controlar a demanda, com gatilhos definidos à medida que a seca se intensificar. Independentemente do local onde os recursos emergenciais sejam utilizados, é preciso que se acordem as condições para seu uso e as medidas de mitigação que compensem impactos ambientais e sociais. Os planos de gestão de seca contribuem para que se avance nas gestões de crise e de risco, uma vez que demandam avaliações, monitoramento e tomada de decisão baseados em uma série de indicadores.
Garantindo a coerência de políticas
A segurança hídrica é uma política de longo prazo que exige infraestrutura onerosa e longeva.. Ela tem impactos em políticas intersetoriais em nível nacional, regional e local e encontram sinergias fundamentais entre água, meio ambiente e políticas públicas de uso e ocupação do solo. Em primeiro lugar, a conservação dos ecossistemas hídricos deve ser aprimorada para garantir a disponibilidade hídrica em todos os usos no longo prazo. Em segundo lugar, as altas taxas de urbanização ressaltam a necessidade de compatibilização com políticas de desenvolvimento territorial, que têm reflexos na gestão de recursos hídricos. Em terceiro lugar, o uso do solo afeta, de maneira direta, a magnitude dos eventos hidrológicos extremos, especialmente para comunidades vulneráveis. Dessa forma, a coordenação entre as políticas e os setores é essencial para que a infraestrutura hídrica alcance seus objetivos mais amplos de desenvolvimento. Essa visão integrada pode ser alcançada por meio de:
Início de diálogo entre os departamentos dos diversos ministérios, estabelecendo, por exemplo, uma comissão permanente para integração de políticas públicas. Essa cooperação permitirá melhorar a coerência intersetorial e identificar os benefícios múltiplos derivados das decisões sobre políticas que possam impactar direta ou indiretamente os recursos hídricos. Nem sempre se reconhece que planos de recursos hídricos, como o PNSH, geram consequências que podem beneficiar ou impactar negativamente parte da sociedade, ou ainda, que podem estimular ou sufocar o crescimento econômico em diferentes áreas. Uma comissão permanente de planejamento integrado garantiria que o impacto dos planos fosse explicitamente levado em conta e que sinergias, lacunas e consequências adversas fossem identificadas. Ter em mente essa abordagem propiciaria investimentos mais eficientes, melhoraria a coordenação fragmentada entre instituições e asseguraria que a multiplicidade de planos fosse concentrada em entregar resultados positivos.
Ampliação do conceito de trabalho integrado para transformá-lo em prática rotineira. Não há, atualmente, nenhum modelo institucional que promova uma visão integrada de planejamento envolvendo horizontalmente diferentes ministérios e, verticalmente, diferentes níveis de governo com intuito de superar a atual abordagem fragmentada e a falta de responsabilização. Cada nível de governo precisa ter a clara responsabilidade de comunicar seu papel e de desempenhá-lo.
Análise das implicações das decisões de políticas mais amplas no abastecimento de água e no saneamento. É preciso adotar medidas proativas desde o estágio inicial do processo de planejamento, de modo que a água se torne um facilitador, ao invés de um desafio. As políticas públicas e a legislação para empreendimentos municipais precisam levar em consideração os impactos sobre os recursos hídricos, responsabilizando empreendedores e autoridades vinculadas aos empreendimentos pela demanda adicional colocada na infraestrutura hídrica, bem como pela garantia de que as construções atendam aos padrões de eficiência hídrica e minimização do escoamento superficial da água. Os instrumentos econômicos podem participar com vistas a garantir que o desenvolvimento seja devidamente monitorado e que esteja de acordo com as regras. A aplicação de penalidades pode ser necessária quando as normas forem ignoradas.
Tomada de decisão sobre política pública em nível de serviço para abastecimento público e de outros setores-chave e para confirmar usos prioritários durante crises hídricas, além das prioridades de uso definidas pela Lei nº 9.433/1997 e modificadas pela Lei nº 14.026. O planejamento do abastecimento de água no Brasil é baseado na pior seca registrada nos registros hidrológicos, mas esse procedimento deixa de reconhecer que o efeito da pior seca nos sistemas de abastecimento de água ainda não ocorreu. Os conflitos entre usuários durante épocas de estresse hídrico provavelmente aumentarão, a menos que se tomem providências para controlá-los. Decisões de políticas públicas sobre níveis de serviço devem ser baseadas em amplas discussões que incluam temas como abastecimento público de água e outros setores-chave, e devem confirmar as prioridades setoriais durante crises hídricas.
Construindo capacidades
O relatório OCDE(2015[15]) demonstra que os estados brasileiros têm diferentes necessidades de capacitação e prioridades para a gestão de recursos hídricos. Os problemas podem estar relacionados à falta de pessoal, subfinanciamento, falta de aplicação (enforcement) e cumprimento (compliance) da lei e sistemas de informação incompletos sobre recursos hídricos. Especialmente em nível estadual, as decisões devem ser cumpridas e os planos devem ser elaborados com a participação dos usuários e da sociedade civil. Maior empoderamento e qualificação das agências estaduais de recursos hídricos podem ajudar a atingir esse objetivo e essas agências devem ser totalmente responsabilizadas pela implementação das decisões. Essa ênfase nos estados não deve excluir o papel dos Comitês de Bacia Hidrográfica nem o das agências, porém serve para traçar uma curva de aprendizado na qual os estados, à medida que se fortalecem, passarão a contribuir também para o fortalecimento das instituições de bacias hidrográficas. Na prática, é preciso agir em duas frentes para fortalecer as autoridades estaduais na gestão dos recursos hídricos: a técnica e a financeira.
É importante que, para a nova gestão da infraestrutura hídrica, os atores estaduais e municipais detenham a capacidade adequada de planejamento e de implementação. Isso implica:
Cuidar da capacidade técnica por meio de programas de treinamento estruturados, em escala apropriada, para garantir a operação e a manutenção de sistemas de abastecimento de água e saneamento. As capacidades técnicas em nível municipal e estadual poderão ser desenvolvidas ou reforçadas para avaliar a eficácia e a eficiência do tratamento de água residual e do abastecimento de água potável de acordo com os padrões internacionais de qualidade de água potável, limites de poluição e custos de referência de outros países.
Desenvolver abordagens diferentes em relação ao desenvolvimento de capacidades para garantir padrões consistentes de profissionais em todo o país.
Criar cursos de capacitação para membros de comitês de bacias para ajudar a entender melhor as complexidades da gestão de recursos hídricos e as escolhas (trade-offs) envolvidas nas decisões. Por exemplo, quando há um grande número de partes interessadas em determinado setor, como o de irrigadores, a capacitação poderia ajudar a deixar claro que a associação de usuários seria capaz de representá-los e ter mais influência na tomada de decisão.
Criar mecanismos para compartilhar as melhores práticas dentro e entre estados, juntamente com programas estruturados para o desenvolvimento profissional contínuo dos funcionários. Isso poderia ser feito por meio de redes e discussões virtuais para especialistas em disciplinas específicas, ou conferências ou oficinas (workshops) periódicos para apresentar estudos de caso e incentivar a aprendizagem entre colegas (peer-to-peer).
Analisar como as instituições podem avaliar e reconhecer a competência e apoiar o desenvolvimento profissional contínuo.
Considerar os benefícios da fusão de prestadores de serviços (como ocorreu em larga escala na Europa) para aumentar eficiências por meio de ganhos de escala e adoção de melhores práticas. Os municípios, principalmente os menores, ficam vulneráveis quando competências técnicas são de conhecimento exclusivo de poucos indivíduos. Deste modo, recursos compartilhados e treinamentos coletivos podem melhorar a resiliência (Quadro 1.3).
Quadro 1.3. Aumentando a capacidade em nível subnacional na UE
Os 28 estados da União Europeia são, até certo ponto, análogos ao Brasil em relação aos diferentes níveis de capacidade de gestão da infraestrutura hídrica. Os padrões são estabelecidos de maneira centralizada, para uma ampla gama de critérios relacionados à água, como qualidade da água potável, qualidade das águas balneares, tratamento de águas residuais e condição ecológica dos rios. Os Estados-Membros têm diferentes níveis de conformidade. Seu desempenho está relacionado a sua capacidade e sua competência e aos fundos disponíveis para investir em melhorias. A água potável tratada chega a 96% da população (dados de 2015), mas a gestão dos efluentes de esgotos é mais variável. A cobertura de redes de esgoto chega a 92%, entretanto, apenas 82% dos efluentes são encaminhados para tratamento.
À medida que a UE avançava no lançamento de normas sobre o tratamento de águas residuais, tornou-se claro que, na maioria dos países, a responsabilidade por essa atividade recai sobre os municípios, que não têm capacidade nem competências técnicas para conduzi-la de forma eficaz. As ações para aumentar a capacidade incluíram:
Escala apropriada: Em muitos países, houve a junção de vários municípios com intuito de atingir uma massa crítica capaz de proporcionar economias de escala. A França concentrou o trabalho de 35.000 municipalidades para 1.200 com o intuito de aumentar a eficiência. A Dinamarca seguiu caminho semelhante, reduzindo 1.350 municipalidades para 98, em 2008. Nos casos em que o tratamento de esgoto é privatizado, torna-se essencial que haja regulação efetiva independente, pois, caso contrário, a empresa prestadora do serviço usufrui dos benefícios, e o cliente arca com os riscos.
Apoio financeiro: A UE fornece apoio financeiro, quando considera necessário, mas também impõe sanções – processos por infração – quando o desempenho é considerado fraco e quando há falta de compromisso para implementar melhorias. O uso de condicionantes para disponibilização de fundos destinados aos sistemas propostos, em nível estadual ou municipal, aumentou o grau de conformidade regulatória. A combinação de recompensas e sanções (carrots and sticks) foi muito eficaz na obtenção de melhorias significativas no acesso à água e ao saneamento, bem como na proteção e no aperfeiçoamento do ambiente hídrico em toda a Europa.
Fonte: OECD/ANA(2019-21[23]),“Oficina de Governança dos Recursos Hídricos”.
Aprimorando a coleta e a análise de dados
Prever a demanda e desenvolver opções constituem a base do planejamento de segurança hídrica. No entanto, as projeções de crescimento populacional, urbanização, uso da água em residências e indústrias e demanda hídrica para irrigação estarão sempre sujeitas a incertezas significativas. Compreender o impacto dessas incertezas nas previsões é essencial para desenvolver um plano robusto e adaptável capaz de apresentar soluções custo-efetivas e gerenciar o risco de falha de abastecimento. As informações relevantes não devem ficar restritas a um único nível de governo e os atores dependem do conhecimento uns dos outros para disseminar informações entre as esferas de governo. Na prática, de acordo com o relatório OCDE (OECD, 2015[15]), os governos subnacionais tendem a ter mais informações que os nacionais a respeito das necessidades e das preferências locais, bem como a respeito da implementação e dos custos da aplicação das políticas públicas em nível local. A menos que eles gerem e publiquem essas informações, em tempo hábil, e as comuniquem ao nível federal, pode haver uma lacuna de informações (information gap). As visões do nível subnacional, no entanto, são apenas “parciais” – limitadas a uma área ou território específico. O governo federal, assim, desempenha papel indispensável na gestão da informação para promover uma visão mais ampla dos objetivos das políticas públicas. Essas informações também podem ser usadas para identificar as necessidades de capacitação. Mais uma vez, isso indica uma relação de dependência mútua. Para melhorar a coleta e a análise de dados, os esforços devem incluir:
Produzir e coletar bons dados para o gerenciamento dos recursos hídricos e avaliar o potencial de diferentes opções além da infraestrutura cinza. O planejamento de segurança hídrica requer ampla gama de dados de diferentes disciplinas, como hidrologia, ecologia, demografia e ciências sociais. É essencial revisar a necessidade de dados para o planejamento da segurança do abastecimento de água e estabelecer os mecanismos para coletá-los e armazená-los, de modo que sejam facilmente acessíveis para uso, dentro de um processo de planejamento hídrico que leve em consideração as mudanças climáticas e adoção de uma abordagem dupla: a implementação de medidas de gestão do abastecimento e o desenvolvimento de alternativas de financiamento.
Melhorar os dados sobre a demanda hídrica além dos dados históricos que têm sido usados para fins de planejamento. Há necessidade de mais e melhores dados sobre a demanda hídrica para melhorar os modelos de previsão. Os dados devem ser orientados para os objetivos. Em outras palavras, os dados devem ser coletados por um motivo específico, o que ajudará a garantir sua qualidade e sua consistência.
Integrar processos de coleta e planejamento de dados com um objetivo geral claro. O planejamento de longo prazo (a cada 10 anos, com horizonte de 30 anos) já existe no setor energético e poderia servir de modelo para a água, que também precisaria garantir sua integração com estratégias de desenvolvimento nacional. Concentrar a supervisão em uma só entidade poderia ser benéfico.
Usar cenários pode ajudar a entender o risco e a incerteza e que contingências poderão ser necessárias caso a realidade se distancie significativamente do plano. O PNSH apenas se estende até 2035 e utiliza registros históricos de precipitações e vazão como base para desenvolver os sistemas. As barragens e as adutoras construídas terão vida útil bem mais longa que essa data. Ao não se levar em consideração as mudanças climáticas, cria-se o risco de que as características de rendimento das fontes se alterem significativamente, comprometendo os benefícios do sistema e das opções escolhidas. O PNSH deve ser avaliado quanto ao risco, resiliência e incertezas utilizando cenários para diferentes níveis de demanda, para a disponibilidade hídrica considerando mudanças climáticas e com prazos compatíveis com a vida útil esperada da infraestrutura hídrica.
Usar a análise de custo-benefício do desempenho da infraestrutura para definir se obras corretivas ou se melhorias de baixo custo são necessárias e se melhores sistemas de controle permitem melhor desempenho. A avaliação do custo-benefício para um novo sistema deve, portanto, considerar a opção “não fazer nada”. Assim, seria possível avaliar se os custos de capital e os custos associados à O&M representam solução mais custo-efetiva e sustentável quando os recursos forem investidos na melhoria e na manutenção das infraestruturas existentes ou quando investidos na gestão da demanda, de modo a dispensar a necessidade de infraestrutura adicional.
Financiando a operação e a manutenção de infraestrutura hídrica multifuncional
O Brasil prioriza financiamento e gastos para novas infraestruturas em detrimento de O&M. O PSH indica que os R$ 27,58 bilhões de novos investimentos exigiriam um gasto médio anual de operação e manutenção de R$ 1,2 bilhão. É igualmente importante fazer a manutenção dos ativos existentes para que funcionem conforme o esperado e para que os riscos sejam minimizados. Um exemplo é a manutenção das 1.454 barragens consideradas de alto risco pelo Relatório de Segurança de Barragens da ANA (ANA, 2021[24]). O relatório apresentou informações do volume de 21.953 barragens, muitas das quais com alto risco de ruptura. Existem milhares (3.355 barragens de uso múltiplo) de pequenas barragens privadas (menos de 1 hm3) e cerca de 400 barragens públicas grandes (mais de 10 hm3). Entre as barragens públicas, 281 pertencem ao governo federal. Um total de 3.690 barragens são classificadas como de alto risco, com potencial de perda de vidas, em caso de rompimento, enquanto 1.161 barragens são simultaneamente classificadas como de alta periculosidade e alto risco. Problemas revelados pelo relatório incluem: deterioração do vertedouro, falhas no concreto, vazamentos, defeitos na tubulação e no talude. Grandes infraestruturas de irrigação, como canais de concreto, também estão se deteriorando. Essas barragens foram priorizadas para receber financiamento, mas os fundos públicos são altamente variáveis ano a ano, tornando o planejamento de consertos e de manutenção corrente muito problemático. Mesmo quando o financiamento foi incluído no orçamento, a despesa real atingiu 42% do montante disponível. Em 2020, foram orçados R$ 162 milhões para intervenções em segurança de barragens e R$ 58 milhões foram efetivamente utilizados, incluindo os gastos federais e estaduais.
Melhorar a O&M pode ser uma opção mais econômica que construir nova infraestrutura. O custo de manutenção é específico para cada ativo e depende de uma série de parâmetros tais como: o tipo de instalação (por exemplo, barragem, bomba, tubulação etc.), a idade das instalações, os materiais utilizados em sua construção etc. O custo tende a ser visto isoladamente e não se leva em consideração o custo do rompimento. A inspeção rotineira e a manutenção preventiva podem ajudar a evitar rompimentos dispendiosos e constituem uma despesa que deve ser avaliada como parte do processo de aprovação de qualquer nova infraestrutura. Além do financiamento pelo governo ou pelos proprietários e operadores de barragens (a maioria das barragens é operada pelo DNOCS e pela CODEVASF), outras opções de O&M incluem o pagamento pelos beneficiários ou novas fontes, como recreação ou geração de energia renovável. Ainda não há exemplo de diferentes modelos de financiamento desenvolvidos e é duvidoso o quão realista isso seria para o futuro próximo. O Quadro 1.4 apresenta visão geral dos financiamentos aplicados na União Europeia.
Entre os usuários de serviços hídricos, praticamente inexiste a cultura de pagar pelo benefício que recebem da infraestrutura associada. Mesmo quando há cobrança pelo uso da água, não fica claro se essa receita deverá ser gasta em O&M ou em novas instalações. O resultado é um subinvestimento progressivo em manutenção e a deterioração das condições das instalações, o que provavelmente anularia o benefício da nova infraestrutura. Em geral, como as barragens estão geralmente distantes da população atendida, isso resulta em falta de consciência sobre o verdadeiro custo do serviço, ou de disposição de custeá-lo. Uma exceção é Arroio Duro, no Rio Grande do Sul, onde os usuários assumiram a operação de um reservatório que beneficia comunidades locais e agricultores. Cobram uma taxa aos usuários para cobrir os custos operacionais. Opções de financiamento inovadoras também foram testadas, como o desenvolvimento de geração de energia solar flutuante, que pode ser uma opção de fonte de financiamento adicional para a O&M de barragens. Propõe-se que o licitante vencedor do direito de instalar energia solar flutuante assuma a responsabilidade pela O&M da barragem. O incentivo ao investimento nessa alternativa depende das condições estabelecidas na licitação, principalmente se houver um histórico de subutilização de recursos e se a condição da infraestrutura for problemática.
O relatório da OCDE (2017[25]) analisou como as cobranças pelo uso de recurso hídrico podem contribuir para os objetivos das políticas atuais e de longo prazo, oferecendo resultados para melhorar a gestão de recursos hídricos. O relatório apresentou um caso de mudança, identificou desafios para sua implementação e definiu um caminho a ser seguido. Uma conclusão fundamental foi que as cobranças pelo uso de recursos hídricos devem operar dentro de um regime regulatório eficaz e serem aplicadas para captações e descargas. Sem elas, a poluição, o desperdício e a má alocação dificultarão o crescimento econômico e as melhorias no bem-estar social. As cobranças pelo uso de recursos hídricos devem ser definidas e implementadas em coordenação com outros instrumentos de política pública, como regimes de alocação de recursos hídricos e metas de qualidade das águas. Cobranças bem planejadas podem influenciar o comportamento, porém devem ser aplicadas dentro de um regime claro de regulação, monitoramento e fiscalização. Os pagadores dessa cobrança precisam entender em que o dinheiro está sendo usado e como eles se beneficiarão das despesas. Definir as cobranças em um nível em que provavelmente atingirão os objetivos das políticas públicas é um desafio no Brasil. O grande problema é que os investimentos de capital planejados no Brasil exigem recursos financeiros muito maiores do que a receita potencial oriunda da cobrança pelo uso do recurso hídrico, que legalmente não pode ser utilizada para custeio operacional.
Sugere-se, então, desenvolver uma abordagem mais bem estruturada e mais explícita para o financiamento de O&M oriundo de diferentes fontes orçamentárias, bem como aplicação de cobranças aos beneficiários, alocação de recursos suficientes para manutenção periódica da infraestrutura e desenvolvimento da capacidade institucional. Na prática, um modelo funcional de financiamento e manutenção da infraestrutura hídrica, no contexto de políticas públicas mais integradas e coordenadas, poderia ser alcançado por meio de:
Esclarecimento da responsabilidade pela O&M, transferindo-a para os governos estaduais, o que não ocorre atualmente, e aumento do envolvimento das partes interessadas.
Realização de manutenção preventiva para que as instalações funcionem de forma mais confiável e sejam mais baratas que as instalações sem manutenção adequada e que falham repetidamente, no longo prazo . A implementação de programa de manutenção preventiva de rotina para as instalações de abastecimento e de águas residuais ajudaria a garantir o fornecimento dos serviços aos consumidores de forma confiável e dentro do planejamento.
Repasses federais aos estados e aos municípios condicionados à conformidade regulatória e à operação e à manutenção efetivas da infraestrutura hídrica.
Uso de outros mecanismos de financiamento, incluindo o uso de imposto territorial como mecanismo de financiamento de algumas infraestruturas hídricas, como para a gestão de riscos de inundações, e o potencial para empreendedores ajudarem a financiar os consequentes impactos hídricos. Existe o risco de que o financiamento da infraestrutura hídrica seja visto como responsabilidade de um departamento ou um ministério do governo. As instalações construídas podem, no entanto, proporcionar um benefício muito mais amplo. Dessa forma, pode-se justificar a criação de abordagem mais estruturada e explícita para o financiamento do desenvolvimento e a manutenção de infraestrutura hídrica por meio de diferentes fluxos orçamentários. A proporção de custos e de receita de uma fonte orçamentária que forneça benefícios à energia e à agricultura, por exemplo, poderia ser financiada pelo ministério do setor. Além disso, a aplicação de cobranças aos beneficiários finais poderia proporcionar um fluxo confiável de receitas. O financiamento de estruturas com múltiplos beneficiários dependeria de se estabelecer um processo ao qual todos os beneficiários pudessem pagar a sua parte. Embora a agricultura seja citada como setor que pode ter dificuldades em pagar, é importante distinguir a agricultura em grande escala, orientada para a exportação, e agricultores de subsistência. Pode ser necessária a existência de regimes diferenciados de cobrança que reflitam a capacidade de pagamento dos usuários. A forma como os subsídios agrícolas são direcionados deve ser revista como parte desse processo. Os municípios são obrigados a cobrar um imposto sobre a propriedade territorial rural, mas poucos o fazem, embora isso possa ser uma fonte de receita para financiar medidas de prevenção de inundações ou garantir o abastecimento durante as secas.
Aplicação de diferentes estruturas tarifárias com base setorial ou geográfica (escassez). Nesse caso, algumas questões a serem consideradas são: o grau de escassez hídrica; o nível de sensibilidade ambiental e o grau de estresse ao ecossistema; a proporção de água usada que poderia ser reutilizada; e a qualidade dos efluentes. Também é fundamental que se identifiquem formas de proteger domicílios de baixa renda e vulneráveis por meio de subsídios cruzados, tarifas sociais, apoio à renda, reduções ou descontos especiais. Coloca-se a questão de saber se, em um período de recuperação econômica, é viável que os fundos para a operação sustentável e manutenção da infraestrutura hídrica sejam mantidos pelo governo central ou se os usuários devem ser obrigados a pagar de acordo com o benefício que obtêm para financiar totalmente a O&M. Fazendo analogia com o Fundo de Coesão, na Europa, que dá apoio financeiro aos estados mais pobres, pode haver a oportunidade para um tratamento equivalente no Brasil: os usuários individuais que não conseguem pagar sua conta seriam subsidiados pelos outros. Os subsídios cruzados podem criar maior equidade, mas também podem criar tensões – assim como a diferença entre ricos e pobres.
Acordo sobre regras de restrição e fundo de compensação: há um consenso geral de que o Brasil precisa ter planos prontos antes de uma crise, para que ações, responsabilidades e resultados desejados estejam claros em cada fase de uma seca; medidas de mitigação, estabelecidas; bem como regras de restrição de uso, acordadas. O processo para se fazer isso deve ser inclusivo e ter um sistema de governança formalizado. Por exemplo, podem-se incluir medidas acordadas de adaptação à seca, como regras para restrições a certos tipos de uso, à medida que a seca se agrave, possivelmente estabelecendo um fundo de compensação por meio de cobranças pelo uso de recurso hídrico para que os usuários com menor prioridade não sejam financeiramente prejudicados se sofrerem restrições durante uma seca. Esse processo deve ser inclusivo e ter a governança formalizada para assegurar que os fundos sejam utilizados exclusivamente para essa finalidade específica.
Estabelecimento de incentivos e penalidades para garantir que a infraestrutura seja mantida e operada adequadamente. Secas e falhas de abastecimento têm custo econômico e social, tanto para as populações urbanas quanto para a agricultura, mas isso é difícil de quantificar. Há a percepção, por parte de alguns atores, de que as secas anteriores afetaram alguns setores de forma desigual (em particular, a agricultura), mas há pouca cultura de planejamento preventivo. Incentivos e penalidades podem ser necessários.
A revisão dos subsídios é importante para entender se os subsídios agrícolas estão levando à má gestão de recursos hídricos ou à práticas agrícolas insustentáveis, que podem ter um impacto adverso sobre os recursos hídricos, como no caso de fertilizantes e biocidas que causam poluição. A extensão da aplicação do Programa Produtor de Água a mais bacias hidrográficas pode ser também considerada.
A melhoria da transparência sobre a necessidade dessas decisões nos mais altos níveis de governo. A disponibilidade de financiamento será sempre um limitador para o nível de serviço desejado. No entanto, maior transparência sobre o serviço que está sendo prestado torna mais fácil avançar para níveis de cobrança que sejam suficientes e necessários para O&M e novos investimentos de capital.
Quadro 1.4. Apoio financeiro para infraestruturas hídricas na UE
Em toda a União Europeia existe apoio financeiro para infraestruturas hídricas. Para obtê-lo, é necessário que haja cobrança pela gestão dos recursos hídricos. No entanto, em alguns países, isso ainda não está totalmente desenvolvido. Alguns dos Estados Membros mais pobres, como a Romênia e a Bulgária, têm dificuldades de encontrar recursos para investir na melhoria ou no desenvolvimento de infraestruturas. Nesses casos, a UE pode subsidiar a atividade para entregar melhorias e garantir a coerência multinível das políticas públicas, a fim de reduzir as disparidades entre os Estados Membros no que diz respeito ao PIB per capita. O chamado "financiamento de coesão" de cerca de € 63 bilhões pode fornecer até 85% do investimento necessário para que o país alcance os padrões da UE, como no tratamento de águas residuais. No entanto, esse financiamento está condicionado, entre outros critérios, à existência de planos coerentes de gestão de bacias hidrográficas, que devem incluir planos de ação para entregar melhorias identificadas. Os países também devem aplicar tarifas. Em outras palavras, para que um país receba assistência financeira, deve parecer estar fazendo o seu melhor, dentro das limitações de sua economia, para alcançar a resiliência.
Fonte: OECD/ANA(2019-21[23]),“Oficina de Governança dos Recursos Hídricos”.
Desenvolvendo a gestão da demanda
Técnicas de gestão de demanda, como educação e conscientização sobre oportunidades de economizar água em residências e empresas, geralmente, são alternativas de custo mais baixo que desenvolver grandes infraestruturas. Isso, no entanto, exige bons dados sobre o uso da água e comunicação eficaz com os usuários. Assim como a infraestrutura verde pode fornecer alternativas mais flexíveis e econômicas para difíceis soluções de engenharia (Quadro 1.5), a gestão da demanda pode oferecer uma alternativa às barragens e às transposições. No entanto, pode ser desafiador convencer usuários a ter mais consciência no uso da água, caso as perdas da rede de distribuição sejam altas. Reduzir os vazamentos não apenas disponibiliza mais água para o abastecimento, mas também transmite a mensagem de que o fornecedor leva a sério a necessidade de conservação da água. O desenvolvimento da gestão da demanda como componente essencial do abastecimento de água sustentável e resiliente inclui:
Compreender as ações necessárias para gerir a demanda em diferentes setores, como indústria, agricultura e uso domiciliar.
Estabelecer mecanismos para compartilhar recursos de forma equitativa e eficiente. Um bom começo seria avaliar os potenciais benefícios de diferentes técnicas de gestão da demanda e desenvolver estratégia de gestão de demanda e programa de comunicação para alcançar todos os setores, com um plano de entrega para implementar as ações com maior potencial.
Criar uma cultura de gestão de demanda em que a água seja considerada um recurso escasso e valioso. Técnicas como o uso de tarifas ou a introdução de instalações, equipamentos e aparelhos mais eficientes, assim como educação e conscientização, podem ajudar a criar essa cultura. A aplicação de tarifas pode depender do uso, da escassez hídrica ou do impacto ambiental e deve haver salvaguardas para aqueles com dificuldades de pagar por um serviço essencial.
Definir metas de eficiência hídrica para impulsionar as ações. Para que isso seja eficaz, no entanto, é preciso haver uma gestão coerente da demanda e uma estratégia de comunicação, bem como mecanismos acordados para alocação e cobrança equitativas.
Avaliar os potenciais benefícios de diferentes técnicas de gestão de demanda e desenvolver uma estratégia de gestão e de comunicação para alcançar todos os setores, com um plano de entrega para implementar prontamente as ações de maior potencial. Isso deve incluir um programa de redução de perdas com metas de desempenho, baseadas em boas práticas internacionais, juntamente com programas de conscientização para melhorar a eficiência dos processos industriais e agrícolas. A gestão da demanda doméstica poderia também incluir programas educativos e de conscientização, distribuição de equipamentos e assessórios eficientes, tais como chuveiros de baixa pressão, dispositivos de deslocamento de cisterna, melhoria das informações contidas nas etiquetas dos eletrodomésticos e envio de mensagens nas contas de água. Penalidades e incentivos regulatórios poderiam ser aplicados nas áreas com maior escassez hídrica.
Quadro 1.5. Experiência internacional em sair da gestão da oferta para a gestão da demanda
A Comissão Europeia adotou a gestão de demanda como prioridade para a gestão de recursos hídricos, incluindo medidas de eficiência e políticas de preços eficazes. Além da precificação, várias técnicas podem ser usadas para melhorar a eficiência hídrica na agricultura, como alterar os padrões de cultivo e as datas de plantio e aperfeiçoar os sistemas de irrigação. Nas redes de distribuição, as taxas de vazamento chegam a 50% do volume de entrada (input) do sistema, com potencial de economia significativa. Outro desafio importante está relacionado ao uso da terra e às práticas agrícolas que ameaçam a qualidade e a quantidade da água. Grande parte dos problemas na qualidade da água em toda a Europa resulta de más práticas agrícolas. Em 2012, a Comissão Europeia preparou um projeto (Blueprint) para definir a agenda da política de recursos hídricos. O Blueprint demonstra o potencial de preservação de recursos hídricos e ecossistemas aquáticos, indica como a disponibilidade de água pode evoluir e sugere ferramentas para melhorar a alocação de água de acordo com as necessidades do ecossistema e com as metas de eficiência hídrica, levando em conta as incertezas sobre o desenvolvimento futuro, reduzindo risco e aumentando a resiliência dos ecossistemas. O Blueprint apresenta propostas de políticas e recomendações que definem a agenda da UE para recursos hídricos, em particular no âmbito da Estratégia Comum de Implementação da Diretiva-Quadro da Água (CIS).
A região de Múrcia, no sudoeste da Espanha, é informalmente conhecida como “jardim da Europa”. Um em cada dez produtos agroalimentares exportados pela Espanha provém desta região; 21,4% da riqueza da região e 28,4% do emprego total dependem direta e indiretamente do sector agroalimentar. Essa área é, portanto, muito ativa na produção agrícola, apesar de tradicionalmente sofrer estresse hídrico. A maior parte da água utilizada para irrigação é subterrânea (40,9% do total dos recursos hídricos utilizados pelo setor), e parte significativa da água superficial utilizada tem origem na transposição do Tejo-Segura. O déficit hídrico estimado para irrigar toda a área agrícola da região é de 143 hm3/ano, aumentando para 303 hm3/ano quando contabilizado o limiar de recarga natural do aquífero. Sem a transposição do Tejo-Segura, os dois déficits aumentam para 276 hm3/ano (27,7% da demanda) e para 436 hm3/ano (43,7% da demanda), respectivamente. Autoridades e institutos de pesquisa concordam que a vontade política é essencial para garantir a sustentabilidade dos recursos hídricos de forma economicamente viável, ao mesmo tempo em que se protege o meio ambiente. Na região, a boa cultura da água moldou o estilo de vida e a forma de trabalhar, o que levou a muitos esforços de coleta de informações, com reflexos na gestão sustentável da demanda, na gestão de incentivos aos usuários da água e no aproveitamento da tecnologia para aumentar a eficiência na gestão dos recursos hídricos.
Nos últimos anos, o estado da Califórnia sofreu a seca mais longa de sua história, com duração de 376 semanas, começando em 27 de dezembro de 2011 e terminando em 5 de março de 2019. No entanto, enquanto a área cultivada da Califórnia decresceu durante a seca, a receita agrícola permaneceu alta, devido a uma série de respostas estratégicas. Os produtores, em particular, mudaram de cultivos, melhoraram suas práticas de irrigação, deixaram terras em pousio, envolveram-se em transposições, receberam pagamentos de seguros e bombearam mais água subterrânea. Essas estratégias ajudaram a proteger o setor agrícola de prejuízos durante a seca e contribuíram para que o estado apresentasse menor redução de empregos do que indicavam as projeções.
Com os crescentes desafios relacionados a mudanças climáticas, urbanização e crescimento demográfico, as soluções podem depender da coerência entre as políticas públicas em diferentes setores, como agricultura e alimentação. Por exemplo, a produção local e a proximidade, bem como uma política contra o desperdício de alimentos podem ter tido consequências na quantidade e na qualidade da água. Certamente, os impactos sobre o emprego em relação a uma política alimentar diferente (tanto interna quanto externa/exportação) devem ser levados em consideração e compensados. A questão é como dissociar o crescimento econômico dos danos ambientais quando o objetivo principal é permitir o desenvolvimento econômico do setor agrícola, que é responsável por 70% do consumo global de água, mas pouco contribui financeiramente.
Fonte: OECD(2021[26]), Governança da Água no Peru, https://doi.org/10.1787/568847b5-en.
Engajando as partes interessadas
Investir em infraestrutura natural pode contribuir para a gestão dos riscos de poluição, bem como pode dar apoio às baixas vazões. Mostrar os benefícios dos serviços ecossistêmicos, no entanto, é importante para conscientizar as partes interessadas e incentivá-las a participar. O uso de avaliação econômica dos ecossistemas como ferramenta de análise está aumentando, de modo que os tomadores de decisão podem ponderar os custos e os benefícios de alternativas para infraestrutura hídrica. Além disso, se as avaliações de serviços ecossistêmicos encorajarem as partes interessadas relevantes - como provedores de serviços de abastecimento de água, comunidades rurais e usuários agrícolas - a participar, então podem ser tomadas decisões mais bem informadas e baseadas em consenso. O aprimoramento do envolvimento das partes interessadas para a tomada de decisões inclusiva pode ser alcançado por meio de:
Maior participação das partes interessadas nas decisões operacionais e de investimento, o que pode implicar o desenvolvimento da capacidade dos comitês de bacias hidrográficas existentes. Quando há um grande número de interessados em um determinado setor, como os irrigadores, e caso pertençam a uma associação de usuários, provavelmente terão mais influência na tomada de decisão. Em algumas áreas, pode ser possível avançar para grupos de usuários colaborativos ou grupos de usuários cooperativos que são responsáveis pelo financiamento da operação e da manutenção da infraestrutura e pelo monitoramento da conformidade com as regras acordadas. Há o reconhecimento de que, em alguns estados, se os comitês de bacias hidrográficas fossem cumprir esse papel, haveria falta de capacidade (capacity) e qualificação técnica, e que essas precisariam ser desenvolvidas. Para que o diálogo seja eficaz, também seria necessário haver políticas setoriais claras para determinar as prioridades, o nível de financiamento e o padrão de serviço para cada setor.
Consulta e engajamento das partes interessadas na regulação e na gestão de cada sistema, com funções e responsabilidades claramente identificadas. Isso ajudará a garantir que as mudanças na demanda e na disponibilidade hídrica sejam gerenciadas de forma sustentável e transparente. Com o tempo, a experiência na operação de um grande sistema de recursos hídricos identificará maneiras pelas quais a operação e a gestão podem ser aprimoradas e tornadas mais responsivas às mudanças na demanda dos usuários ou às flutuações da disponibilidade hídrica. Além disso, à medida que os consumidores entendam a estrutura regulatória, a conformidade deve melhorar e criar a possibilidade de uma regulação mais “leve”.
References
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[22] OECD (2015), Water and Cities: Ensuring Sustainable Futures, OECD Studies on Water, OECD Publishing, paris, http://dx.doi.org/10.1787/9789264230149-en.
[13] OECD (2015), Water Resources Allocation: Sharing Risks and Opportunities, OECD Studies on Water, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/9789264229631-en.
[15] OECD (2015), Water Resources Governance in Brazil, OECD Studies on Water, OECD Publishing, Paris, https://dx.doi.org/10.1787/9789264238121-en.
[20] OECD (2013), “Barriers to, and Incentives for, the Adoption of Green Water Infrastructure”, OECD, Paris.
[23] OECD/ANA (2019-21), “Water Governance Workshops”.
[5] Siwi/Unicef/World Bank (2020), “The fundamental role of sanitation and hygiene promotion in the response to to Covid-19 in Brazil”, https://documents1.worldbank.org/curated/en/998851596650728051/pdf/O-Papel-Fundamental-do-Saneamento-e-da-Promocao-da-Higiene-na-Resposta-a-Covid-19-no-Brasil.pdf.
[4] Trata Brasil (2020), “Future demand for treated water in Brazilian cities - 2017 to 2040”.
[19] UNEP (2014), Green Infrastructure Guide for Water Management: Ecosystem-based Management Approaches for Water-related Infrastructure Projects, United Nations Environment Programme.
[6] WHO/UNICEF (2021), Joint Monitoring Programme for Water Supply and Sanitation, https://washdata.org/ (accessed on 17 December 2021).
Anexo 1.A. Plano de ação
As tabelas resumem as principais ações apresentadas no Capítulo 1.
Tabela do anexo 1.A.1. Gerindo a infraestrutura hídrica para maior resiliência
Fortalecer governança e arranjos institucionais |
Reforçar a relação entre todas as instituições relevantes. O Ministério do Desenvolvimento Regional, ao qual pertence a ANA, deve ter papel central em relação à infraestrutura hídrica, com o engajamento de entidades simultaneamente relevantes para a gestão dos recursos hídricos e para o desenvolvimento social e econômico do país, como a CODEVASF (Companhia de Desenvolvimento dos Vales de São Francisco e Parnaíba) e DNOCS (Departamento Nacional de Obras contra as Secas), ambas vinculadas ao Ministério do Desenvolvimento Regional . |
Estabelecer a base jurídica para a infraestrutura verde e para o engajamento estratégico entre setores. A extensão da política pública de infraestrutura verde como medida de adaptação às mudanças climáticas precisa ser acordada entre os Ministérios que lidam com a temática. O planejamento, o financiamento e a entrega de infraestrutura verde devem ser conduzidos de maneira mais formal, com apoio legislativo e orçamentário e com clareza sobre a responsabilização (accountability), a depender da natureza do sistema. Um portfólio otimizado de infraestrutura cinza e verde é essencial para construir e manter a segurança hídrica e a resiliência. |
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Visar a resiliência |
Incluir os piores cenários em relação ao impacto potencial das mudanças climáticas e aos níveis de demanda hídrica futura. A ANA tem avançado no entendimento e na gestão de riscos para o abastecimento de água e agora essa nova abordagem precisa incluir a reflexão sobre a resiliência para que a duração e a magnitude das falhas sejam minimizadas. Essa avaliação deve constar no planejamento do uso dos recursos hídricos, no sentido de “esperar o melhor, mas preparar-se para o pior". Isso ajudará identificar lacunas (gaps) na capacitação e nas capacidades técnicas que precisam ser aprimoradas e em que os gastos devem ser priorizados. |
Avaliar as vulnerabilidades dos sistemas a choques como secas mais extremas que as esperadas, ataques cibernéticos ou falhas de telemetria. Além disso, é fundamental considerar as medidas implementadas para mitigar os impactos. |
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Garantir maior confiabilidade e resiliência dos sistemas de abastecimento existentes, bem como introduzir fontes hídricas alternativas que sejam menos vulneráveis à seca. |
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Desenvolver planos de gestão de seca para instalações novas e existentes. É importante desenvolver planos de gestão de secas que estabeleçam responsabilidades e ações previamente acordadas com as partes interessadas em todos os setores. Os planos ajudariam a controlar a demanda, com gatilhos definidos à medida que a seca se intensificar. Independentemente do local onde os recursos emergenciais sejam utilizados, é preciso que se acordem as condições para seu uso e as medidas de mitigação que compensem os impactos ambientais e sociais. Os planos de gestão de seca contribuem para que se avance na gestão de crise e de risco, uma vez que demandam avaliações de risco, monitoramento e tomada de decisão baseados em uma série de indicadores. |
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Garantir a coerência de políticas |
Iniciar diálogo entre os departamentos dos diversos ministérios, estabelecendo, por exemplo, uma comissão permanente para integração de políticas públicas. Essa cooperação permitirá melhorar a coerência intersetorial e identificar benefícios múltiplos derivados das decisões sobre políticas públicas que possam impactar direta ou indiretamente o setor de recursos hídricos. Uma comissão permanente de planejamento integrado garantiria que o impacto dos planos fosse explicitamente levado em conta e que sinergias, lacunas e consequências adversas fossem identificadas. |
Ampliar o conceito de trabalho integrado para transformá-lo em prática rotineira. Não há, atualmente, nenhum modelo institucional que promova uma visão integrada de planejamento envolvendo diferentes ministérios e diferentes níveis de governo com intuito de superar a atual abordagem fragmentada e a falta de clara responsabilização. Cada nível de governo precisa ter a responsabilidade de comunicar seu papel e de desempenhá-lo. |
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Analisar as implicações das decisões de políticas mais amplas no abastecimento de água e no esgotamento sanitário, de modo que medidas proativas sejam adotadas desde o estágio inicial do processo de planejamento e que a água se torne um facilitador, ao invés de um desafio. As políticas públicas e a legislação para empreendimentos municipais precisam levar em consideração os impactos sobre os recursos hídricos, responsabilizando empreendedores e autoridades vinculadas aos empreendimentos pela demanda adicional colocada na infraestrutura hídrica, bem como pela garantia de que as construções atendam aos padrões de eficiência hídrica e escoamento superficial da água. |
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Tomar uma decisão de política pública sobre os níveis de serviço para o abastecimento público de água e outros setores-chave (isto é, uma frequência aceitável de falha, como durante uma seca que ocorra uma vez por século) e confirmar prioridades setoriais durante crises hídricas, além das já definidas pela Lei n.º 9.433/1997, alterada pela Lei nº 14.026. |
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Construir capacidades |
Cuidar da capacidade técnica por meio de programas de treinamento estruturados, em escala apropriada, para garantir a operação e a manutenção de sistemas de abastecimento de água e processos de tratamento. As capacidades técnicas em nível municipal e estadual poderão ser desenvolvidas ou reforçadas para avaliar a eficácia e a eficiência do tratamento de água residual e do abastecimento de água potável de acordo com os padrões internacionais de qualidade de água, limites de poluição e custos de referência de outros países. |
Desenvolver diferentes abordagens referentes ao desenvolvimento de capacitação para garantir padrões profissionais consistentes em todo o país. |
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Cursos de capacitação para membros dos comitês de bacias hidrográficas ajudariam a entender melhor as complexidades da gestão de recursos hídricos e os trade-offs envolvidos nas decisões. Por exemplo, quando há um grande número de partes interessadas em determinado setor, como o de irrigadores, a capacitação poderia ajudar a deixar claro que a associação de usuários seria capaz de representá-los e ter mais influência na tomada de decisão. |
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Estabelecer mecanismos para compartilhar as melhores práticas entre estados, paralelamente a programas estruturados para o desenvolvimento continuado de profissionais e de recursos humanos. Isso pode ser feito por meio de redes virtuais, foros de discussão de especialistas em disciplinas específicas, conferências ou oficinas periódicas para apresentação de estudos de caso e disseminar conhecimento entre pares (peer-to-peer). |
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Analisar como as instituições profissionais podem avaliar e reconhecer a competência e apoiar o desenvolvimento profissional contínuo. |
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Considerar os benefícios da fusão de prestadores de serviços para aumentar a eficiência por meio de maiores economias de escala e adoção de melhores práticas. Os municípios, principalmente os menores, ficam vulneráveis quando competências técnicas são de conhecimento exclusivo de poucos indivíduos, de modo que recursos compartilhados e treinamentos coletivos podem melhorar a resiliência. |
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Melhorar a coleta e a análise de dados |
Produzir e coletar bons dados para gerenciar os recursos hídricos e avaliar o potencial de diferentes opções além da infraestrutura cinza. O planejamento de segurança hídrica requer uma ampla gama de dados de diferentes disciplinas, como hidrologia, ecologia, demografia e ciências sociais. É essencial revisar a necessidade de dados para o planejamento da segurança do abastecimento de água e estabelecer os mecanismos para coletá-los e armazená-los, de modo que sejam facilmente acessíveis para uso dentro de um processo de planejamento hídrico que leve em consideração as mudanças climáticas e adoção de uma abordagem dupla: a implementação de medidas de gestão do abastecimento e o desenvolvimento de alternativas de financiamento. |
Integrar os processos de coleta e planejamento de dados com um objetivo geral claro. O planejamento de longo prazo (a cada 10 anos, com horizonte de 30 anos) já existe no setor de energia e poderia servir de modelo para o setor de água, que também precisaria garantir que está integrado com estratégias de desenvolvimento nacional. Concentrar a supervisão em uma só entidade poderia ser benéfico. |
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Usar cenários pode ajudar a entender o risco e a incerteza e que contingências poderão ser necessárias, caso a realidade se distancie significativamente do plano. O PNSH deve ser avaliado quanto a risco, resiliência e incertezas utilizando cenários com diferentes níveis de demanda, com a disponibilidade hídrica considerando mudanças climáticas e com prazos compatíveis com a vida-útil esperada da infraestrutura hídrica. |
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A análise de custo-benefício do desempenho da infraestrutura deve ser realizada para definir se obras corretivas ou se melhorias de baixo custo são necessárias. Sistemas melhores de controle permitirão melhor desempenho. A avaliação do custo-benefício para um novo sistema deve, portanto, considerar a opção “Não fazer nada”. Assim, seria possível avaliar se os custos de capital e os custos associados a O&M representam solução mais custo-efetiva e sustentável, se forem investidos na melhoria e na manutenção das infraestruturas existentes ou na gestão da demanda, de modo a dispensar a necessidade de infraestrutura adicional. |
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Financiar a operação e a manutenção de infraestrutura hídrica multifuncional |
Esclarecer a responsabilidade pela O&M, transferi-la para os governos estaduais, como não ocorre atualmente, e aumentar o envolvimento das partes interessadas. |
Realizar manutenção preventiva para que as instalações funcionem de forma mais confiável e sejam mais baratas no longo prazo do que as instalações que não forem mantidas adequadamente e falham repetidamente. A implementação de programa de manutenção preventiva rotineira para as instalações de abastecimento e de águas residuais ajudaria a garantir o fornecimento dos serviços aos consumidores, de forma confiável e em nível planejado. |
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Condicionar os repasses federais aos estados e aos municípios à conformidade regulatória e à operação e à manutenção efetivas da infraestrutura hídrica. |
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Explorar o uso de outros mecanismos de financiamento, incluindo o uso de imposto territorial como mecanismo de financiamento de algumas infraestruturas hídricas, como para a gestão de riscos de inundações e o potencial para os empreendedores ajudarem a financiar os consequentes impactos hídricos. Existe o risco de que o financiamento da infraestrutura hídrica seja visto como responsabilidade de um departamento ou ministério do governo. As instalações construídas podem, no entanto, proporcionar um benefício muito mais amplo. Dessa forma, pode-se justificar a criação de abordagem mais estruturada e explícita para o financiamento do desenvolvimento e a manutenção de infraestrutura hídrica por meio de diferentes fluxos orçamentários. |
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Aplicar diferentes estruturas tarifárias com base setorial ou geográfica (escassez). Nesse caso, algumas questões a serem consideradas são: o grau de escassez hídrica; o nível de sensibilidade ambiental e o grau de estresse ao ecossistema; a proporção de água usada que retornou a um local onde poderia ser reutilizada; e a qualidade dos efluentes. Também é fundamental que se identifiquem formas de proteger domicílios de baixa renda e vulneráveis por meio de subsídios cruzados, tarifas sociais, apoio à renda, reduções ou descontos especiais. |
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Acordar regras de restrição e fundo de compensação: há um consenso geral de que o Brasil precisa ter planos prontos antes de uma crise, para que ações, responsabilidades e resultados desejados estejam claros em cada fase de uma seca; medidas de mitigação, estabelecidas; bem como regras de restrição de uso, acordadas. O processo para fazer isso deve ser inclusivo e ter um sistema de governança formalizado. |
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Estabelecer incentivos e penalidades para garantir que a infraestrutura seja mantida e operada adequadamente. Secas e falhas de abastecimento têm um custo econômico e social, tanto para as populações urbanas quanto para as agrícola, mas isso é difícil de quantificar. Há a percepção, por parte de alguns atores, de que as secas anteriores afetaram alguns setores de forma desigual (em particular, a agricultura), mas há pouca cultura de planejamento preventivo. Incentivos e penalidades podem ser necessários. |
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Revisão de subsídios é importante para entender se os subsídios agrícolas estão levando a má gestão de recursos hídricos ou a práticas agrícolas insustentáveis, que podem ter um impacto adverso sobre os recursos hídricos, como no caso de fertilizantes e biocidas que causam poluição. A extensão da aplicação do Programa Produtor de Água a mais bacias hidrográficas pode ser também considerado. |
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Melhorar a transparência sobre a necessidade dessas decisões nos mais altos níveis de governo. A disponibilidade de financiamento será sempre um limitador para o nível de serviço desejado. Porém, maior transparência sobre o serviço que está sendo prestado torna mais fácil avançar para níveis de cobrança que sejam suficientes e necessários para O&M e novos investimentos de capital. |
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Desenvolver gestão de demanda |
Compreender as ações necessárias para gerir a demanda em diferentes setores, como indústria, agricultura e uso domiciliar. |
Estabelecer mecanismos para compartilhar recursos de forma equitativa e eficiente. Um bom começo seria avaliar os potenciais benefícios de diferentes técnicas de gestão da demanda e desenvolver estratégia de gestão de demanda e programa de comunicação para alcançar todos os setores, com um plano de entrega para implementar, prontamente, as ações com maior potencial. |
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Criar uma cultura de gestão de demanda em que a água seja considerada um recurso escasso e valioso. Técnicas como o uso de tarifas ou a introdução de instalações, equipamentos e aparelhos mais eficientes, assim como educação e conscientização, podem ajudar a criar essa cultura. A aplicação de tarifas pode depender do uso, da escassez hídrica ou do impacto ambiental, e deve haver salvaguardas para aqueles com dificuldades de pagar por um serviço essencial. |
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Definir metas de eficiência hídrica para impulsionar as ações. Para que isso seja eficaz, no entanto, é preciso haver uma gestão coerente da demanda e uma estratégia de comunicação bem como mecanismos acordados para alocação e cobrança equitativas. |
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Avaliar os benefícios potenciais de diferentes técnicas de gestão da demanda e desenvolver estratégia de gestão da demanda e programa de comunicação que alcance todos os setores, com um plano de implementação das ações com maior potencial. Isso deve incluir um programa de redução de perdas com metas de desempenho, baseadas em boas práticas internacionais, juntamente com programas de conscientização para melhorar a eficiência dos processos industriais e agrícolas. A gestão da demanda doméstica poderia também incluir programas educativos e de conscientização, distribuição equipamentos e assessórios eficientes, tais como chuveiros de baixa pressão, dispositivos de deslocamento de cisterna, melhorar as informações contidas nas etiquetas dos eletrodomésticos e envio de mensagens nas contas de água. Penalidades e incentivos regulatórios poderiam ser aplicados nas áreas com maior escassez hídrica. |
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Envolver as partes interessadas |
Estimular maior participação das partes interessadas nas decisões operacionais e de investimento, o que pode implicar o desenvolvimento da capacidade dos comitês de bacias hidrográficas existentes. Quando há grande número de interessados em determinado setor, como os irrigadores, caso eles pertençam a uma associação de usuários, provavelmente terão mais influência na tomada de decisão. Para que o diálogo seja eficaz, também seria necessário haver políticas setoriais claras para determinar as prioridades e definir o nível de financiamento e o padrão de serviço para cada setor. |
Facilitar a consulta e o envolvimento das partes interessadas na regulação e na gestão de cada sistema , com funções e responsabilidades claramente identificadas. Isso ajudará a garantir que as mudanças na demanda e na disponibilidade hídrica sejam gerenciadas de forma sustentável e transparente. |
Observação
← 1. A infraestrutura verde (GI, sigla em inglês) é uma solução baseada na natureza que abrange todas as ações que dependem dos ecossistemas e os serviços que produzem com vistas a responder aos vários desafios da sociedade, tais como as mudanças climáticas, a insegurança alimentar ou o risco de desastre.