Modernização da justiça em Portugal

Anexo C. Metodologia de mapeamento de serviços

Mapeamento dos serviços jurídicos: Adequar os serviços jurídicos às necessidades

Os serviços jurídicos só podem ser eficazes e eficientes se prestarem os serviços mais adequados com base nas necessidades jurídicas específicas dos cidadãos e se forem prestados num momento e num local onde e quando são necessários.

A fim de planear e controlar o alcance e a prestação de serviços jurídicos após a identificação das necessidades jurídicas da comunidade, o importante passo seguinte é fazer corresponder os serviços jurídicos adequados às necessidades jurídicas. O mapeamento da prestação de serviços jurídicos em relação às medidas (indicadores) da necessidade jurídica é um mecanismo de planeamento útil para alcançar este objetivo (embora este passo exija cautela para evitar riscos significativos associados a uma simplificação excessiva das medidas e da "correspondência").

O ciclo de planeamento descreve um processo através do qual as necessidades jurídicas da população da jurisdição são identificadas em relação à experiência das pessoas relativamente a essas necessidades. Um sistema de justiça centrado nas pessoas procura saber que grupos de pessoas são mais vulneráveis a que problemas jurídicos e de justiça, localiza esses problemas geograficamente ou de outras formas relevantes e, em seguida, com base nos melhores conhecimentos disponíveis sobre o que funciona (ou seja, que tipo de serviço específico é mais adequado para resolver um problema jurídico e de justiça específico numa circunstância específica para uma pessoa específica), procura posicionar e prestar esses serviços mais adequados de uma forma acessível e adequada para as pessoas em causa. O levantamento dos serviços jurídicos em função das necessidades é um instrumento fundamental, baseado em dados concretos, neste processo de planeamento.

A profundidade e o valor do serviço jurídico - dependem da natureza e da qualidade dos dados disponíveis (necessidades jurídicas e dados sobre a prestação de serviços, em particular). Os dados geralmente necessários como parte do ecossistema de dados da justiça são discutidos na próxima secção, mas para efeitos do presente relatório consideramos dois níveis de mapeamento: nível micro - que requer conjuntos mais detalhados de dados centrados nas pessoas, bem recolhidos e consistentes - e mapeamento a nível macro - que requer um conjunto de dados muito menos abrangente.

Mapeamento a nível macro

Resumidamente, o mapeamento a nível macro envolve a localização dos serviços do sistema de justiça em relação a grupos populacionais/demográficos relevantes para fornecer uma imagem rápida da distribuição dos serviços em relação à necessidade jurídica provável. Pode ser uma ferramenta acessível para identificar onde existem lacunas na cobertura dos serviços que, por sua vez, podem informar o planeamento governamental e a atribuição de recursos.

Para além de traçar a localização das instalações de serviços e das suas áreas de influência, o mapeamento a nível macro pode também envolver a identificação dos tipos de serviços ou do público-alvo (por exemplo, mulheres, pessoas com deficiência) para esse serviço específico. Quando comparada com o recenseamento/distribuição desse/ desses grupos-alvo, pode permitir saber se os serviços jurídicos apropriados para as comunidades-alvo específicas estão localizados nas áreas de maior necessidade/maior número desses grupos-alvo.

Por exemplo, na Austrália, os dois mapas abaixo fornecem exemplos da utilização de cartografia a nível macro.

Figura A C.1 mapeia as localizações dos gabinetes de serviços de assistência jurídica em relação às áreas de maior necessidade de serviços de assistência jurídica. À primeira vista, isto parece sugerir que os gabinetes dos serviços de assistência jurídica estão geralmente localizados nas zonas de maior necessidade.

Figura A C.1. SA2s da região de Sydney: NLAS (capacidade) e localizações dos serviços

Fonte: Mirrlees-Black, Catriona; Randell, Sarah (2015[1]), Collaborative Planning Resource - Jurisdictional Data: New South Wales Baseado em dados do Australian Bureau of Statistics, https://www.researchgate.net/publication/316257414_Collaborative_Planning_Resource_-_Jurisdictional_Data_New_South_Wales.

A Figura A C.2 traça geograficamente as zonas de captação de assistência jurídica dos centros jurídicos comunitários (CLC) (ou seja, as regiões de funcionamento de cada serviço) no estado de Nova Gales do Sul, na Austrália. As grandes áreas a preto são as áreas não abrangidas por qualquer centro de apoio jurídico comunitário genérico, o que significa que as pessoas nessas regiões não tinham acesso razoável a esse serviço de apoio jurídico. Este mapa foi posteriormente utilizado para guiar as despesas de financiamento adicional para alargar a cobertura dos CLC a estas áreas.

Figura A C.2. Região de Sydney SA2s: NLAS (capacidade) e locais de serviço

Fonte: Randell, Sarah; Geoff , Mulherin; Catriona , Mirrlees-Black (2018[2]), Evidence of legal need in NSW to support Cameron Review implementation, Law and Justice Foundation of New South Wales, http://www.lawfoundation.net.au/ljf/site/templates/powerpoint/$file/Presentation_Randell_CLC_info_session_Oct2018.pdf.

Utilizando um exemplo de Portugal, a Figura A C.3 mostra as áreas de competência dos julgados de paz em Portugal.

Figura A C.3. Áreas de competência dos julgados de paz em Portugal

Fonte: Governo de Portugal (2024[3]) Mapa dos Julgados de Paz instalados, https://www.conselhodosjulgadosdepaz.com.pt/contactos.asp.

Embora o planeamento a nível macro possa dar uma ideia de que os serviços jurídicos estão localizados na proximidade geral dos locais onde se prevê que haja maior necessidade jurídica, muitas vezes pode não fornecer informações suficientes sobre onde e a quem os serviços jurídicos são efetivamente prestados. Por conseguinte, a mera presença de um serviço numa região específica não garante que este seja efetivamente dirigido ou atinja os utilizadores prioritários pretendidos nessa área.

O mapeamento a nível macro também fornece apenas uma visão limitada sobre quais os cidadãos de uma determinada região que estão a receber serviços de prestadores de serviços jurídicos baseados localmente ou remotamente de serviços jurídicos mais distantes (e por vezes especializados). Por conseguinte, para que os governos, os responsáveis pelo planeamento dos serviços, os prestadores de serviços jurídicos e outros obtenham uma imagem sólida de onde e a quem os serviços jurídicos estão a ser prestados e se estes coincidem adequadamente com as populações com maiores necessidades jurídicas, o planeamento a nível micro pode ser um meio de obter um maior nível de pormenor, desde que os dados relevantes estejam disponíveis.

Mapeamento a nível micro

O mapeamento a nível micro é mais detalhado e abrangente do que o planeamento a nível macro. Embora este nível de planeamento seja frequentemente possível em ambientes comerciais (por exemplo, vendas de supermercado de cada artigo por localização da loja) e noutras áreas de serviços de proteção social, a disponibilidade de dados adequados do sistema de justiça em muitas jurisdições significa que é muito mais raro para os sistemas de justiça. O principal desafio para o mapeamento a nível micro é, portanto, a disponibilidade de um conjunto abrangente de dados consistentes e comparáveis numa série de serviços dentro de uma jurisdição.

O mapeamento a nível micro geralmente envolve a utilização de dados administrativos detalhados, particularmente dados de utilizadores, recolhidos sobre cada indivíduo, para cada serviço que é prestado a essa pessoa. Estes dados podem incluir perfis demográficos e descritores do tipo de matéria jurídica tratada pelo prestador de serviços. A utilização destes dados pode permitir o mapeamento dos tipos e da quantidade de serviços onde estes são efetivamente prestados.

Os dados administrativos podem fornecer informações importantes para o levantamento da prestação de serviços em função das necessidades, especialmente se forem recolhidos de forma sólida e coerente no âmbito dos serviços e da gama de serviços disponíveis numa jurisdição. Estes dados podem ajudar a identificar a localização da prestação de serviços e podem ser mapeados para contrastar com a medida relevante ou parâmetro da necessidade jurídica. Por exemplo, o mapa constante da Figura A C.4 abaixo compara a proporção de pedidos de informação aos serviços jurídicos, por código postal, na área de NSW Northern Rivers, na Austrália, com a proporção da população que necessita de serviços de assistência jurídica (NLAS) (capacidade).

Figura A C.4. População do NLAS (Capability) e serviços prestados por código postal - Proporção de residentes (ABS, 2011) e proporção de serviços prestados (All agency 2012-2013) por código postal

Fonte: ABS 2011; LJF LASDD LawAccess NSW, Legal Aid NSW (Advice) e NSW Community Legal Centres 2015

Embora não represente dados do setor da justiça, o Mapa Figura A C.5 abaixo demonstra o poder potencial de comparar os serviços existentes com as necessidades. O mapa contrasta o número de lugares disponíveis em infantários (ou seja, a oferta) com o número de crianças de pais empregados (ou seja, a procura) na área de Saint-Denis, em França. Embora a necessidade jurídica seja frequentemente uma quantidade menos precisa e os serviços prestados pelos prestadores de serviços legais sejam muito mais diversificados do que o simples indicador da disponibilidade de lugares em infantários, o mapa demonstra a utilidade potencial de um exercício de recolha de dados e mapeamento deste tipo.

Figura A C.5. Comparação entre o número de lugares em infantários e o número de crianças de pais empregados na zona de Saint-Denis, em França

Fonte: CG93-DEF-PMI, CAF, Insee RP (Seine-Saint Denis, 2013[4])

Referências

[3] Government of Portugal (2024), Mapa dos Julgados de Paz instalados, https://www.conselhodosjulgadosdepaz.com.pt/contactos.asp.

[1] Mirrlees-Black, C. and S. Randell (2015), Collaborative Planning Resource - Jurisdictional Data: New South Wales, https://www.researchgate.net/publication/316257414_Collaborative_Planning_Resource_-_Jurisdictional_Data_New_South_Wales.

[2] Randell, S., M. Geoff and M. Catriona (2018), Evidence of legal need in NSW to support Cameron Review implementation, Law and Justice Foundation of New south Wales, http://www.lawfoundation.net.au/ljf/site/templates/powerpoint/$file/Presentation_Randell_CLC_info_session_Oct2018.pdf.

[4] Seine-Saint Denis (2013), Observatoire départemental - PANORAMA CARTOGRAPHIQUE D’INDICATEURS SOCIAUX, https://ressources.seinesaintdenis.fr/IMG/2013-dsoe-sod-panorama_cartographique_indicateurs_sociaux-version_15-10-2013-2.pdf.