Este capítulo descreve as principais conclusões da avaliação da OCDE sobre a modernização da justiça em Portugal e resume as principais recomendações para ajudar o país a avançar nas principais áreas abrangidas por este relatório. As recomendações da OCDE foram concebidas para apoiar Portugal na prossecução dos seus objetivos estratégicos de modernização nas áreas da conceção e prestação de serviços de justiça, competências, dados e governação digital para o acesso à justiça.
Modernização da justiça em Portugal
1. Modernização da justiça em Portugal: Balanço e recomendações
Copy link to 1. Modernização da justiça em Portugal: Balanço e recomendaçõesResumo
1.1. Introdução
Copy link to 1.1. IntroduçãoEste relatório descreve os esforços de modernização de Portugal no setor da justiça, avalia as oportunidades e os desafios e apresenta recomendações para uma transformação bem sucedida nas áreas da conceção e prestação de serviços de justiça, competências, dados e governação digital para o acesso à justiça.
O relatório identifica áreas potenciais para estabelecer um objetivo claro centrado nas pessoas a todos os níveis do sistema de justiça, implementar um programa abrangente e contínuo de avaliação das necessidades jurídicas das pessoas e melhorar a conceção e a prestação de serviços de justiça, seguindo um objetivo centrado nas pessoas e melhorando a disponibilidade, a qualidade e a utilização dos dados. Com base na Recomendação da OCDE sobre o acesso à justiça e os sistemas de justiça centrados nas pessoas (OECD, 2023[1]) e na experiência de outros países da OCDE, este capítulo resume as principais recomendações para apoiar os esforços em curso em Portugal para modernizar o seu setor da justiça e ajudar a avançar nas áreas da conceção e prestação de serviços de justiça, competências, dados e governação digital para o acesso à justiça.
1.2. Estabelecer um objetivo claro, centrado nas pessoas, a todos os níveis do sistema de justiça
Copy link to 1.2. Estabelecer um objetivo claro, centrado nas pessoas, a todos os níveis do sistema de justiçaA atual agenda de modernização da justiça em Portugal tem potencial para transformar a experiência das pessoas com os serviços de justiça e contribuir para o aumento da confiança no sistema de justiça. Trata-se de uma oportunidade única para Portugal aproveitar as reformas atuais e orientar os esforços futuros para uma abordagem centrada nas pessoas.
Embora Portugal revele uma forte liderança ao mais alto nível do setor da justiça e um firme compromisso das instituições de justiça no cumprimento das suas missões e em trabalhar no âmbito das suas áreas de responsabilidade e mandatos, há margem para continuar a adotar uma abordagem da justiça mais centrada nas pessoas. Olhando para o futuro, há uma oportunidade de articular um objetivo claro e centrado nas pessoas ao mais alto nível do sistema de justiça. Esta abordagem abrangente poderia ser disseminada por todo o setor da justiça e incorporada em mandatos atualizados centrados nas pessoas em todas as instituições de justiça.
Além disso, Portugal pode considerar a possibilidade de utilizar os resultados do inquérito sobre as necessidades jurídicas (Legal Needs Survey - LNS), juntamente com outros LNS mais abrangentes com realização periódica. Portugal poderia utilizar os resultados de inquéritos e avaliações de satisfação mais abrangentes e alargados a todo o sistema de justiça como ponto de partida para a elaboração de programas e iniciativas estratégicos no domínio da justiça.
Especificamente, recomenda-se a Portugal:
Considerar a possibilidade de rever as políticas e os mandatos das instituições, serviços e organizações de justiça, de modo a garantir uma clara abordagem centrada nas pessoas, com base na compreensão das suas necessidades jurídicas, a fim de definir esta orientação em todo o sistema de justiça em Portugal.
Considerar a possibilidade de adotar uma abordagem centrada nas pessoas para conceber, planear e implementar novas componentes e iniciativas dos atuais programas de reforma, bem como novos serviços jurídicos e de justiça em termos mais gerais.
1.3. Implementar um programa abrangente e contínuo de avaliação das necessidades jurídicas
Copy link to 1.3. Implementar um programa abrangente e contínuo de avaliação das necessidades jurídicasUm dos primeiros passos na conceção e implementação de sistemas de justiça centrados nas pessoas é a identificação das necessidades jurídicas e de justiça da comunidade. Embora a obtenção de alguma informação sobre os percursos das pessoas em resposta aos seus problemas legais estivesse entre os principais objetivos de Portugal na fase de diagnóstico deste projeto, a análise das necessidades legais, e especialmente o LNS, pode fornecer informações importantes sobre os percursos das pessoas - tal como pode fornecer outras informações fundamentais, incluindo o impacto dos problemas legais nas pessoas, as barreiras que enfrentam para resolver os seus problemas, e outros. Portugal poderá considerar a possibilidade de os dados de LNS contribuírem para outras informações fundamentais, no âmbito dos esforços em curso para avaliar sistematicamente as necessidades jurídicas numa base regular.
Poderão ser consideradas as seguintes recomendações:
Considerar a possibilidade de aplicar um programa contínuo, abrangente e sustentável para avaliar as necessidades jurídicas da população, realizando inquéritos periódicos sobre as necessidades jurídicas.
Considerar (a fim de apoiar este programa e fornecer dados para o planeamento centrado nas pessoas), o reforço da recolha e da coerência de outras fontes de dados (por exemplo, processos penais, prestação de serviços, dados demográficos oficiais) para fornecer mais informações sobre a natureza e a localização das necessidades jurídicas e as lacunas na prestação de serviços associados (por exemplo, localização dos juízos de proximidade dos tribunais judiciais), bem como dados qualitativos específicos provenientes do envolvimento contínuo com grupos prioritários fundamentais, incluindo comunidades vulneráveis.
1.4. Melhorar o acesso e a sensibilização para os serviços de justiça
Copy link to 1.4. Melhorar o acesso e a sensibilização para os serviços de justiçaO levantamento efectuado no presente relatório permitiu identificar alguns aspetos que poderiam beneficiar de reformas para ajudar Portugal a melhorar o acesso e a sensibilização para os mecanismos de resolução de litígios e para os serviços de justiça em Portugal. Há margem para promover o envolvimento contínuo e aumentar a sensibilização para as várias opções de resolução de litígios, tanto entre os potenciais utilizadores dos serviços como entre as instituições que podem realizar o encaminhamento de pessoas aos serviços relevantes. Estas incluem qualquer um dos vários tribunais (incluindo juízos de proximidade dos tribunais judiciais e tribunais administrativos e fiscais), mecanismos alternativos de resolução de litígios (incluindo serviços de mediação e arbitragem) e outros serviços relacionados com a prestação de serviços de justiça. As estratégias de encaminhamento melhoradas terão provavelmente dimensões tanto a nível local como nacional e poderão incluir serviços de encaminhamento por telefone/online.
O levantamento efetuado para o presente relatório indicou que os mecanismos alternativos de resolução de litígios (RAL) podem ser reforçados. A arbitragem pode ser vista pelos utilizadores como excessivamente complexa e poderia beneficiar de racionalização e simplificação para melhorar o acesso. Isto inclui a avaliação dos centros de arbitragem acreditados, a consideração de uma maior racionalização da divisão de competências e das organizações e a revisão do modelo de financiamento dos RAL em geral, tendo em conta que os RAL devem ser considerados uma componente essencial do conjunto dos serviços de justiça. Do mesmo modo, há margem para desenvolver plenamente o potencial dos julgados de paz, indicando-se a necessidade de expansão da rede nacional de julgados de paz, de revisão do modelo de financiamento e de um maior envolvimento da comunidade e dos profissionais. Por último, a recolha de dados para orientar o planeamento e as atividades dos serviços de justiça, incluindo a dos juízos de proximidade dos tribunais judiciais e dos serviços de mediação, sugere uma área significativa de desenvolvimento para melhor orientar as estratégias e melhorar a prestação de serviços.
A este respeito, Portugal pode considerar as seguintes recomendações:
Considerar a possibilidade de recolher dados centrados nas pessoas (para além dos dados de desempenho atualmente recolhidos) para orientar o planeamento e o funcionamento dos serviços de justiça (por exemplo, juízos de proximidade dos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, julgados de paz e mediação).
Melhorar as estratégias de encaminhamento entre um vasto leque de organismos do setor da justiça, do governo em geral e da comunidade (na região relevante) para garantir que as pessoas possam ser encaminhadas da forma mais eficaz para os serviços (de justiça e afins) de que necessitam. As estratégias de encaminhamento melhoradas:
Terão provavelmente dimensões locais e nacionais, incorporando tanto o envolvimento da comunidade local por parte de muitos na comunidade, como traduzindo as vantagens económicas que podem ser obtidas através de uma estratégia de encaminhamento online em todo o país;
Podem incluir uma maior utilização das juízos de proximidade dos tribunais judiciais como pontos de referência locais no âmbito da "dimensão" local da estratégia. Considera-se que a incorporação de juízos de proximidade deve ser incentivada, tal como a formação dos funcionários dos juízos de proximidade (e do pessoal do setor da justiça em geral) para encaminhar os utentes para uma maior variedade de serviços mais adequados e acessíveis que melhor respondam às suas necessidades;
Poderá ser considerada a possibilidade de criar uma linha telefónica nacional de encaminhamento/centro de atendimento online, com a responsabilidade de fornecer informações básicas e de encaminhar para os serviços de justiça mais adequados para resolver o problema jurídico específico, no local e da forma mais adequada para a pessoa em causa.
Considerar a possibilidade de avaliar os centros de arbitragem acreditados, racionalizar e simplificar os processos de arbitragem para reduzir a complexidade, evitar competências e mandatos restritivos e melhorar o acesso, através da criação de uma gama mais pequena, mas abrangente, de centros de arbitragem devidamente financiados e autorizados em todo o país; uma jurisdição mais alargada para as questões que podem ser tratadas pelos diferentes prestadores de serviços de arbitragem, sem comprometer a exigência de especialização quando necessário; e a revisão do modelo de financiamento dos RALem geral, para alcançar uma maior coerência, acesso e uma abordagem "no-wrong door".
Promover programas contínuos e empenhados de envolvimento e sensibilização para os serviços de justiça (por exemplo, para a assistência jurídica, a mediação, os juízos de proximidade dos tribunais judiciais, os julgados de paz, os tribunais administrativos e fiscais, os tribunais judiciais e os mecanismos de resolução de litígios em geral), dirigidos tanto a potenciais os potenciais utilizadores dos serviços como a instituições governamentais e não governamentais de referência.
Considerar a possibilidade de rever o sistema de custas processuais para garantir que as pessoas com limitações económicas ou pessoas em situação de vulnerabilidade não sejam efetivamente excluídas do acesso aos tribunais administrativos e fiscais.
Considerar a possibilidade de alargar o potencial dos julgados de paz através da expansão da rede a nível nacional, da revisão do modelo de financiamento, da adoção de uma abordagem omnicanal para o acesso aos julgados de paz, incluindo os canais online (Julgados de Paz Digital), e do reforço do envolvimento da comunidade e dos profissionais.
1.5. Melhorar as competências do setor da justiça em Portugal para um futuro centrado nas pessoas e com capacidade digital
Copy link to 1.5. Melhorar as competências do setor da justiça em Portugal para um futuro centrado nas pessoas e com capacidade digitalA modernização do setor da justiça centrada nas pessoas exige o reforço das competências para melhorar a capacidade de resposta de conceção e de prestação de serviços de justiça. Embora sejam necessários investimentos estruturais, a estratégia de desenvolvimento de competências é também uma mais-valia para o avanço de Portugal no percurso das reformas que foram lançadas.
Isto implica uma consciência plena das partes interessadas para o seu nível de competências, a necessidade de melhorar as suas qualificações e as lacunas entre o atual status quo e os objetivos ambiciosos de um sistema de justiça centrado nas pessoas. Exige o desenvolvimento de competências e a aprendizagem de todo o ecossistema dos intervenientes na justiça e requer que o pessoal de gestão apoie a transformação intersetorial e transetorial integrada em processos concretos de estruturação organizacional.
Para reforçar as competências de todos os stakeholders em toda a cadeia de justiça, Portugal poderia:
Implementar programas específicos de melhoria de competências:
Continuar a desenvolver e a aplicar programas de desenvolvimento de competências específicas para reforçar a literacia digital e as competências de análise de dados entre os funcionários do setor da justiça, incluindo a compreensão da utilização geral das ferramentas online, dotando-os de conhecimentos essenciais sobre grandes volumes de dados, cibersegurança, proteção de dados e utilização ética da inteligência artificial no sistema de justiça.
Continuar a fornecer, com maior frequência, programas e orientações para apoiar o desenvolvimento de competências para a prestação de serviços jurídicos e de justiça centrados nas pessoas, incluindo a comunicação eficaz com grupos diversos, a compreensão das necessidades das populações vulneráveis e a conceção de serviços acessíveis a todos, incluindo as pessoas com deficiência, LGBTQIA+, crianças e idosos.
Continuar a fornecer, com maior frequência, formação e orientações aos funcionários do sistema de justiça sobre os princípios da conceção centrada nas pessoas, centrando-se na adaptação dos serviços às diversas necessidades da população, incluindo a utilização de dados e tecnologias digitais e a localização de serviços e adaptações.
Continuar a reforçar as capacidades de estabelecer e trabalhar em rede e de liderança, a fim de facilitar a cooperação entre o setor público e as autarquias, bem como entre as instituições de justiça e os diferentes níveis e setores governamentais, tendo igualmente em vista privilegiar a resolução de problemas em colaboração, a participação das partes interessadas (incluindo os utilizadores) e a promoção de uma visão comum para a modernização do setor da justiça.
Incentivar iniciativas que promovam a compreensão da interligação entre o setor da justiça e outros setores, como a saúde e os serviços sociais, nomeadamente através de oportunidades de desenvolvimento conjunto e de equipas de projeto intersetoriais.
Assegurar uma maior capacidade de resposta, acessibilidade e eficácia dos programas de desenvolvimento de competências
Aumentar a disponibilidade de programas de formação para todas as partes interessadas e criar novos programas onde atualmente não existam.
Reforçar as oportunidades de desenvolvimento de competências com maiores lacunas, incluindo as abordagens centradas nas pessoas, a digitalização, o trabalho em rede e a liderança.
Continuar a adaptar os programas de atualização de competências com base nas necessidades dos diferentes profissionais (por exemplo, gestores, profissionais das TIC).
Continuar a capacitar os atores da justiça e os utilizadores dos serviços de justiça através do desenvolvimento de competências e capacidades digitais.
Desenvolver mecanismos sólidos para acompanhar e avaliar o impacto dos programas de desenvolvimento de competências e a modernização global do setor da justiça, incluindo o desenvolvimento de indicadores para avaliar as melhorias na prestação de serviços, a satisfação dos utilizadores e a eficácia dos processos judiciais.
Reforçar as capacidades de liderança dos gestores para orientar a modernização do setor da justiça:
Dotar os gestores das competências e recursos necessários para apoiar eficazmente as suas equipas, incluindo o desenvolvimento de competências em matéria de capacitação do pessoal, liderança na transformação digital e promoção de uma cultura de trabalho inclusiva e inovadora.
Incentivar os gestores a promoverem e apoiarem iniciativas de melhoria de competências, aumentando simultaneamente a sensibilização para a presença e a importância dos programas de melhoria de competências.
Desenvolver oportunidades para o pessoal de gestão trocar mais frequentemente impressões entre si e nos seus departamentos sobre os desafios relacionados com a modernização e as abordagens centradas nas pessoas.
Introduzir um processo de mapeamento regular das incompatibilidades e lacunas entre as exigências funcionais abordadas pelos serviços de justiça digital e as capacidades dos profissionais e utilizadores das TIC.
Melhorar os processos organizacionais para apoiar plenamente e permitir o desenvolvimento das competências das pessoas:
Cultivar uma cultura organizacional que valorize a aprendizagem contínua, a experimentação e o feedback, nomeadamente através do reconhecimento e da recompensa da inovação, do incentivo à aprendizagem cruzada entre equipas e da avaliação regular das necessidades de desenvolvimento de competências.
Rever e racionalizar os processos organizacionais para apoiar a aprendizagem contínua, o desenvolvimento de competências e a gestão eficaz do desempenho, incluindo a criação de estruturas mais flexíveis para aceder à formação, melhorar os mecanismos de feedback, os canais de comunicação (horizontais e verticais) e reforçar o alinhamento das competências individuais com os objetivos estratégicos organizacionais e a visão mais ampla do governo.
Reforçar a conceção participativa e a aplicação de políticas de desenvolvimento de competências desde as fases iniciais.
Considerar a possibilidade de estabelecer um diálogo estruturado com os principais atores do ecossistema de cada organização, a fim de aumentar a sensibilização e a eficiência dos processos organizacionais para o desenvolvimento de competências.
Introduzir uma abordagem sinérgica para os intervenientes organizacionais (através de pontos de contacto) e os prestadores de formação para fazer avançar a transformação da justiça.
Desenvolver uma visão estratégica a longo prazo para melhorar as competências e capacitar o pessoal a nível organizacional.
1.6. Melhorar a conceção e a prestação de serviços de justiça com um objetivo centrado nas pessoas
Copy link to 1.6. Melhorar a conceção e a prestação de serviços de justiça com um objetivo centrado nas pessoasA avaliação realizada no âmbito do presente relatório sugere que há margem para adotar uma abordagem centrada nas pessoas para conceber, planear e prestar serviços de justiça em Portugal. Uma preocupação notável é a identificação e o levantamento dos serviços de justiça, incluindo a assistência judiciária, para responder às necessidades e lacunas do sistema de justiça. Esta questão poderia ser apoiada por inquéritos regulares sobre as necessidades jurídicas. Além disso, a situação atual dos pedidos de apoio judiciário sugere a necessidade de uma revisão global para garantir que a proteção jurídica seja distribuída de forma adequada pelas diferentes regiões e grupos demográficos mais vulneráveis, respondendo assim mais eficazmente às necessidades jurídicas da população.
Além disso, o planeamento e a prestação de serviços de justiça em Portugal enfrentam o desafio de assegurar que esses serviços sejam dirigidos a grupos específicos mais vulneráveis. A ausência de uma estratégia de justiça abrangente e a longo prazo agrava ainda mais estas questões, salientando a necessidade de uma abordagem unificada que englobe diferentes ramos do setor da justiça para estabelecer um conjunto de prioridades exequíveis. O quadro de governação que apoia a estratégia de justiça em Portugal requer um reforço significativo para facilitar o desenvolvimento de um ecossistema de justiça sem descontinuidades e centrado nas pessoas. Tal implica não só a identificação de lacunas de conhecimento e a adoção de boas práticas identificadas em Portugal e em outros países, mas também a aplicação de orientações coerentes e uma melhor coordenação entre as várias pastas governamentais e serviços conexos.
Recomenda-se que Portugal possa:
Considerar a adoção de um processo de planeamento centrado nas pessoas que inclua a realização regular de inquéritos sobre as necessidades jurídicas (como parte de um processo mais amplo de avaliação das necessidades jurídicas) e o mapeamento dos serviços prestados (incluindo a assistência jurídica) para identificar necessidades e lacunas e contribuir para a conceção e a prestação de políticas e serviços de justiça.
Desenvolver uma estratégia global a longo prazo em matéria de justiça que integre (na medida do possível) os diferentes ramos do setor da justiça, a fim de estabelecer um conjunto de prioridades exequíveis em todo o setor, melhorando a eficácia dos recursos e promovendo uma abordagem centrada nas pessoas.
Basear a estratégia de justiça numa compreensão clara e fundamentada das necessidades da população em matéria de justiça, concentrando-se na identificação das pessoas que mais necessitam de serviços de justiça, dos seus desafios jurídicos específicos e dos obstáculos que encontram na resolução destes problemas.
Considerar a criação de um quadro de governação sólido para apoiar a estratégia global de justiça, facilitando o reforço da infraestrutura global de justiça no sentido de um ecossistema de justiça sem descontinuidades e centrado nas pessoas, e a identificação de lacunas de conhecimento e boas práticas em Portugal e entre países.
Aplicar orientações coerentes e melhorar a coordenação entre as diferentes pastas governamentais e os serviços conexos, a fim de apoiar a afetação eficaz de recursos e a execução das prioridades acordadas num ambiente governamental moderno e complexo.
Dar prioridade e apoiar as atividades de acompanhamento, avaliação, ensaio e experimentação para colmatar as lacunas na prestação de serviços de justiça.
Assegurar o conhecimento das "estratégias que funcionam" de forma mais eficaz e eficiente, e que quaisquer ensaios/pilotos sejam dotados de recursos adequados para garantir a aplicação das lições aprendidas.
Considerar a possibilidade de rever a legislação e a regulamentação relacionadas com a representação jurídica, a fim de as alinhar com uma abordagem centrada nas pessoas, com o objetivo de garantir o acesso a serviços de justiça adequados e a preços acessíveis que respondam às necessidades específicas das pessoas.
Considerar quaisquer requisitos obrigatórios para a representação jurídica, a fim de garantir que tais disposições obrigatórias não funcionem como um obstáculo à ação das pessoas, especialmente para aquelas que podem ter dificuldade em pagar representação jurídica e que não são elegíveis para proteção jurídica.
Considerar a possibilidade de rever a eficácia e o acesso ao processo de pedido de proteção jurídica (por exemplo, através do levantamento da disponibilidade de aconselhamento e assistência, instituições judiciais e jurídicas, governos locais, juntas de freguesia, profissões jurídicas), identificando as necessidades jurídicas da população e de que grupos e regiões se pode esperar uma proporção adequada de pedidos de proteção jurídica.
Considerar a possibilidade de estabelecer uma parceria estratégica entre a Direção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) e o Instituto de Segurança Social (ISS), especialmente à luz das ligações já estabelecidas através do processo de pedido de proteção jurídica, com vista a desenvolver uma cartografia reforçada e coordenada das necessidades jurídicas, dos serviços jurídicos e de um conjunto de dados sobre serviços de proteção social para melhorar a compreensão das necessidades, capacidades e vulnerabilidades dos diferentes grupos de pessoas.
Continuar a colaborar com os profissionais do direito para garantir que, através da adoção de uma abordagem centrada nas pessoas, da aplicação de incentivos e restrições adequados e de formação e orientações apropriadas, os advogados possam recomendar e utilizar as vias mais eficazes e acessíveis do ponto de vista dos utilizadores e adotar inovações destinadas a melhorar o acesso.
1.7. Melhorar a disponibilidade, a qualidade e a utilização dos dados para uma justiça centrada nas pessoas
Copy link to 1.7. Melhorar a disponibilidade, a qualidade e a utilização dos dados para uma justiça centrada nas pessoasNos últimos anos, Portugal registou progressos significativos na medição do desempenho para avaliar e acompanhar os progressos do seu sistema de justiça (OECD, 2020[2]). Estes passos incluíram um conjunto de objetivos estratégicos de desempenho e indicadores-chave de desempenho destinados a fornecer uma avaliação matizada do sistema de justiça, considerando, entre outros aspectos, a eficiência operacional, a simplificação, a celeridade e a satisfação com os serviços. Estes esforços demonstram o compromisso em aumentar a transparência, a eficiência e a eficácia global do sistema de justiça em Portugal.
No entanto, há ainda margem para melhorar significativamente o quadro de dados da justiça portuguesa. Isto implica a adoção de uma abordagem centrada nas pessoas para a recolha de dados, incluindo a recolha de uma série de variáveis centradas nas pessoas, o reforço da utilização de inquéritos de satisfação e a integração de dados sobre a procura e sobre a intervenção para melhor compreender e responder às necessidades dos utilizadores. O estabelecimento de protocolos estandardizados, juntamente com estratégias de gestão de dados conduzidas pelo governo, é outro aspeto importante para melhorar a qualidade e a coerência dos dados. Além disso, o fomento de parcerias estratégicas e a promoção da integração de dados em vários setores podem enriquecer a política e os serviços de justiça baseados em dados. O investimento contínuo em tecnologias digitais e em recursos humanos para a gestão de dados pode contribuir para desbloquear ainda mais a utilização de dados para uma justiça centrada nas pessoas em Portugal.
A fim de fazer avançar os esforços significativos para o patamar seguinte, Portugal poderá considerar as seguintes recomendações:
Seguir uma abordagem centrada nas pessoas ao identificar indicadores e ao recolher e disponibilizar dados, colocando a tónica nos requisitos de informação para satisfazer as necessidades dos utilizadores, em vez de se concentrar numa perspetiva institucional dos dados da justiça.
Considerar a possibilidade de aumentar a utilização (tanto em termos do leque de instituições/processos abrangidos, como através da melhoria das taxas de resposta dos inquiridos) e alargar o âmbito dos inquéritos de satisfação dos utentes, incluindo indicadores sobre os resultados dos processos, para obter uma compreensão mais abrangente das necessidades dos utentes, dos resultados desejados e das vias preferidas em todo o sistema de justiça em Portugal.
Considerar a possibilidade de desenvolver estratégias de comunicação para apoiar a aprendizagem e a divulgação dos ensinamentos retirados dos inquéritos de resultados e de satisfação.
Considerar a possibilidade de integrar regularmente os dados relativos à procura e à intervenção (por exemplo, através de inquéritos sobre as necessidades jurídicas) no quadro de dados da justiça portuguesa, a fim de monitorizar as necessidades das pessoas e a eficácia das intervenções judiciais, e contribuir para o planeamento estratégico e a conceção e prestação de políticas e serviços de justiça.
Considerar a possibilidade de melhorar a coerência, a exatidão e a qualidade global dos dados, estabelecendo protocolos estandardizados que incluam uma metodologia comum a todos os intervenientes relevantes sobre os tipos de dados e as variáveis específicas a recolher, taxonomias de questões jurídicas, definições de variáveis-chave centradas nas pessoas, a frequência da recolha de dados, o formato de apresentação dos dados, a validação dos dados e os critérios de monitorização da qualidade, bem como a adesão contínua às normas nacionais e internacionais para as estatísticas da justiça.
Considerar a possibilidade de dedicar uma liderança governamental ao desenvolvimento e implementação de estratégias de recolha e comunicação de dados, que incluem o planeamento e o desenvolvimento de sistemas de informação capazes de captar e fornecer os dados necessários para garantir a coerência das práticas de recolha e comunicação de dados em todo o sistema de justiça.
Considerar a possibilidade de melhorar os recursos humanos em matéria de gestão e análise de dados, a fim de aproveitar o potencial dos dados, através da formação e da aplicação de mecanismos de extração e análise significativa dos dados.
Promover incentivos à excelência da gestão de dados, tais como programas de reconhecimento, bónus relacionados com o desempenho e oportunidades de desenvolvimento profissional.
Promover parcerias estratégicas para a colaboração entre as partes interessadas (dentro e fora do setor público), com o objetivo a longo prazo de criar conjuntos de dados abrangentes; trocar dados, conhecimentos e boas práticas; e co-desenhar políticas e serviços de justiça.
Considerar a possibilidade de promover a integração de dados entre as partes interessadas a nível nacional, regional e local, incluindo as de outros domínios que não o da justiça (por exemplo, educação, assistência social, proteção social, proteção das crianças, resposta a emergências), respeitando plenamente os direitos fundamentais, a privacidade e a proteção de dados.
Continuar a alargar a utilização das tecnologias digitais para permitir uma recolha e análise eficientes dos dados.
1.8. Tirar partido das tecnologias digitais e dos dados para uma justiça centrada nas pessoas
Copy link to 1.8. Tirar partido das tecnologias digitais e dos dados para uma justiça centrada nas pessoasPortugal tem envidado esforços significativos para acelerar a transformação digital do sistema de justiça e integrar os dados e as tecnologias digitais para conceber e implementar uma justiça centrada nas pessoas. Os documentos estratégicos de Portugal refletem o compromisso do governo em acelerar a inovação e tirar partido dos dados e das tecnologias digitais para melhorar a vida das pessoas, com base nos esforços anteriores de simplificação administrativa.
Apesar destes esforços, ainda há margem para melhorar as estruturas de governação existentes para a transformação digital do sistema de justiça. Isto inclui áreas como a infraestrutura das TIC, a sustentabilidade dos planos estratégicos ao longo do tempo, as capacidades institucionais e individuais e a governação dos dados. A abordagem destas áreas tem potencial para transformar o sistema de justiça e os seus serviços de modo a satisfazer as exigências em evolução contínua das pessoas e das empresas em todo o setor da justiça, com um impacto duradouro.
Recomenda-se que Portugal possa:
Manter os seus esforços para melhorar o acesso à justiça, continuando a investir em infra-estruturas e programas TIC/digitais para aumentar a literacia digital e adotando uma abordagem omnicanal para a prestação de serviços de justiça.
Promover a interoperabilidade entre vários sistemas e consolidar o fornecimento de informações jurídicas e judiciárias sempre que possível.
Reforçar a liderança institucional para sustentar os esforços de transformação digital em curso através da definição de prioridades estratégicas claras em documentos jurídicos ou regulamentos, da identificação de uma organização líder para conduzir uma abordagem baseada em dados para a modernização da justiça e da continuação da promoção de um entendimento comum sobre a governação dos dados no setor da justiça.
Institucionalizar a GovTech Justiça para assegurar a sua relevância e sustentabilidade contínuas ao longo do tempo, juntamente com um mecanismo de monitorização e avaliação.
Desenvolver uma visão estratégica para garantir uma utilização responsável e fiável da IA no setor da justiça.
Adotar uma abordagem iterativa para envolver as partes interessadas ao longo de todo o ciclo do serviço.
Desenvolver o Justice Hub como um ponto central para a criação de parcerias estratégicas em todo o setor da justiça.
Referências
[1] OECD (2023), Recommendation on Access to Justice an People-Centred Justice Systems, https://legalinstruments.oecd.org/en/instruments/OECD-LEGAL-0498.
[2] OECD (2020), Justice Transformation in Portugal: Building on Successes and Challenges, OECD Publishing, Paris, https://doi.org/10.1787/184acf59-en.