A estrutura de Governação corporativa deve incentivar as sociedades e os seus investidores a tomar decisões e a gerir os seus riscos, de forma a contribuir para a sustentabilidade e a resiliência da sociedade.
As sociedades desempenham um papel central nas nossas economias, criando empregos, contribuindo para a inovação, gerando riqueza e fornecendo bens e serviços essenciais. Os países comprometeram-se a fazer a transição para uma economia sustentável, com emissões líquidas nulas/baixas de carbono, em conformidade com o Acordo de Paris e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, o que exigirá que as sociedades respondam a circunstâncias regulamentares e comerciais em rápida mutação, tendo em conta quaisquer políticas aplicáveis e percursos de transição seguidos por diferentes jurisdições. Além disso, muitas sociedadese investidores estão a definir objetivos voluntários ou a tomar medidas para antecipar uma futura transição para o desenvolvimento sustentável. Uma estrutura sólida de Governação corporativa permitirá aos investidores e às sociedades considerar e gerir os potenciais riscos e oportunidades associados a essas vias de transição, o que, por sua vez, poderá contribuir para a sustentabilidade e resiliência da economia.
Além disso, os investidores estão a considerar cada vez mais informação divulgada sobre a forma como as sociedades avaliam, identificam e gerem as alterações climáticas relevantes e outros riscos e oportunidades de sustentabilidade, incluindo a gestão do capital humano. Em resposta, muitas jurisdições exigem ou planeiam exigir a divulgação de informações sobre a exposição das sociedades a questões de sustentabilidade e a respetiva gestão. Uma das principais funções destas divulgações é proporcionar aos investidores uma melhor compreensão das estruturas e processos de Governação e gestão dos riscos climáticos e outros riscos ligados a matérias de sustentabilidade, bem como identificar as oportunidades conexas. A estrutura de Governação corporativa deve apoiar tanto a boa gestão destes riscos como a divulgação coerente, comparável e fiável de informações relevantes, a fim de apoiar as decisões financeiras, de investimento e de voto dos investidores. A combinação de uma Governação sólida e de uma divulgação clara de informações promoverá mercados justos e uma alocação eficiente do capital, apoiando simultaneamente o crescimento e a resiliência das sociedades a longo prazo.
Várias jurisdições orientaram as suas políticas de mercado de capitais para promover um sector societário mais sustentável e resistente. Ao fazê-lo, essas políticas devem ter também como objetivo preservar o acesso aos mercados de capitais, evitando custos proibitivamente elevados para a admissão de uma sociedade no mercado, assegurando simultaneamente que os investidores tenham acesso à informação necessária para alocar eficazmente o capital às sociedades. Os investidores, gestores e os executivos-chave devem também estar disponíveis para um diálogo construtivo sobre a melhor estratégia para apoiar a sustentabilidade e a resiliência da sociedade. Uma sociedade que tenha em conta os interesses das partes interessadas pode ser mais capaz de atrair uma força de trabalho produtiva, o apoio das comunidades em que opera e clientes mais fiéis.
Nas jurisdições que permitem ou exigem a consideração dos interesses das partes interessadas, as sociedades devem continuar a considerar os interesses financeiros dos seus acionistas. Uma sociedade rentável proporciona emprego à sua força de trabalho e cria valor para os investidores, muitos dos quais fazem parte do público em geral e investiram as suas poupanças para a reforma/aposentadoria.
Não se espera que os gestores das sociedades sejam responsáveis pela resolução dos grandes desafios ambientais e sociais decorrentes apenas das suas funções. Para orientar as atividades societáias, os legisladores (Policy Makers) devem considerar políticas sectoriais que levem as sociedades a internalizar as externalidades ambientais e sociais, bem como estruturas de Governação corporativa que estabeleçam limites previsíveis no âmbito dos quais os gestores têm de exercer os seus deveres fiduciários. Estas políticas podem estar relacionadas, por exemplo, com a regulamentação ambiental ou com o investimento direto ou o incentivo à pesquisa e desenvolvimento de tecnologias que possam contribuir para enfrentar os principais desafios ambientais.
VI.A. A divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade deve ser coerente, comparável e fiável, e incluir informações retrospetivas e prospetivas relevantes que um investidor razoável consideraria importantes para tomar uma decisão de investimento ou de voto.
Para garantir a eficiência dos mercados de capitais, os investidores devem poder comparar o desempenho passado e as perspetivas futuras de diferentes sociedades e, em seguida, decidir como alocar o seu capital e interagir com as mesmas. Com o aparecimento e a maior sensibilização para os riscos ambientais e sociais, os investidores têm vindo a exigir às sociedades uma melhor divulgação de informações sobre a Governação, estratégia, gestão dos riscos (por exemplo, resultados globais das avaliações de risco para diferentes cenários de alterações climáticas) e os indicadores relacionados com a sustentabilidade (por exemplo, relacionados com as emissões de gases com efeito de estufa e a biodiversidade) que são importantes para os investidores quando avaliam as perspetivas e os riscos comerciais de uma sociedade.
Embora as partes interessadas possam não ser normalmente os principais utilizadores da divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade das sociedades, as divulgações podem beneficiar essas partes interessadas. Por exemplo, a divulgação de informações sobre a cobertura da negociação coletiva e os mecanismos de representação da força de trabalho podem ser importantes para a avaliação do valor de uma sociedade por parte de um investidor e relevantes para a sua força de trabalho e outras partes interessadas.
Ao mesmo tempo, a estrutura regulatória relativa à divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade deve ser proporcional às capacidades atuais das sociedades e das instituições relevantes. Limitar a divulgação obrigatória de informações relacionadas com a sustentabilidade às sociedades listadas em bolsa poderá desincentivar as sociedades a aceder.à bolsa. Tendo em conta estes desafios, os legisladores (Policy Makers) poderão ter de conceber requisitos de divulgação relacionados com a sustentabilidade que sejam flexíveis em relação à dimensão da sociedade e à sua fase de desenvolvimento.
As sociedadese os seus prestadores de serviços, bem como as próprias entidades reguladoras, poderão estar sujeitas a uma curva de aprendizagem no que diz respeito à compreensão das questões de sustentabilidade e precisar de tempo para desenvolver processos e boas práticas adequados. Este facto pode justificar que se dê prioridade aos requisitos de divulgação de algumas das questões mais relevantes em matéria de sustentabilidade, que se introduzam gradualmente outros requisitos, como a garantia externa independente, ou que se estabeleçam algumas recomendações nos códigos de Governação corporativa do tipo "cumprir ou explicar".
VI.A.1. As informações relacionadas com a sustentabilidade podem ser consideradas relevantes se for razoável esperar que influenciem a avaliação do valor de uma sociedade por parte de um investidor e as suas decisões de investimento ou de voto.
Sem prejuízo de iniciativas voluntárias ou de regulamentações ambientais específicas que possam conter requisitos de divulgação adicionais, as estruturas de divulgação de informações das sociedades exigem, no mínimo, informações sobre o que é relevante para a avaliação do valor de uma sociedade pelos investidores, para as suas decisões de investimento ou de voto. Esta avaliação inclui normalmente o valor, o calendário e o grau de certeza dos fluxos de caixa futuros de uma sociedade a curto, médio e longo prazo.
As informações relevantes relacionadas com a sustentabilidade podem incluir questões ambientais e sociais que se pode razoavelmente esperar que afetem o valor dos ativos de uma sociedade e a sua capacidade de gerar receitas e crescimento a longo prazo. No entanto, o impacto da própria sociedade na sociedade e no ambiente também pode ser considerado relevante se for previsível que afete o valor da sociedade, tal como as responsabilidades ambientais ao abrigo da legislação ou regulamentação em vigor numa jurisdição, ou as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) que possam ser limitadas ou tributadas no futuro. Do mesmo modo, as políticas de direitos humanos e de capital humano, como os programas de formação, as políticas de retenção, os planos de participação dos trabalhadores no capital e as estratégias de diversidade, podem transmitir aos participantes no mercado informações importantes sobre as vantagens competitivas das sociedades.
A determinação da informação que é relevante pode variar ao longo do tempo e de acordo com o contexto local, as circunstâncias específicas da sociedade e os requisitos jurisdicionais. A avaliação da informação relevante pode também considerar questões de sustentabilidade que são cruciais para a força de trabalho de uma sociedade e para outras partes interessadas importantes. Por exemplo, os riscos de sustentabilidade que podem não parecer financeiramente relevantes a curto prazo, mas que são relevantes para a sociedade, podem tornar-se financeiramente importantes para uma sociedade a longo prazo. Além disso, algumas jurisdições também consideram que o que é relevante para os investidores inclui a influência das sociedades em riscos não-diversificáveis. Por exemplo, um investidor pode considerar que o valor criado por uma sociedade maximizadora de lucros e grande emissora de carbono na sua carteira seria compensado por perdas no valor de outras sociedades investidas afetadas pelas alterações climáticas. Neste contexto, algumas jurisdições podem também exigir ou recomendar a divulgação de questões de sustentabilidade cruciais para as principais partes interessadas de uma sociedade ou a influência de uma sociedade em riscos não diversificáveis.
VI.A.2. A estrutura regulatória relativa à divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade deve ser coerente com normas de elevada qualidade, compreensíveis, aplicáveis e internacionalmente reconhecidas que facilitem a comparabilidade da divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade entre sociedades e mercados.
A eficiência dos mercados de capitais é reforçada se os investidores puderem comparar a divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade por parte das sociedades, incluindo as que estão listadas em bolsa em diferentes jurisdições, ajudando os investidores a decidir a melhor forma de alocar o seu capital e de interagir com as sociedades. A coerência e a interoperabilidade entre as estruturas regionais ou nacionais de divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade e as normas internacionalmente reconhecidas podem ainda permitir a flexibilidade de requisitos locais complementares, nomeadamente em matérias em que as características geográficas específicas ou os requisitos jurisdicionais possam influenciar a relevância.
VI.A.3. A divulgação de questões de sustentabilidade, informação financeira e outras informações societárias devem estar interligadas.
A estrutura regulatória aplicável à divulgação de informação pelas sociedades, incluindo as normas de relato financeiro e de outros requisitos informativos (por exemplo, prospetos de ofertas públicas), devem ter como objetivo fornecer informações que um investidor médio considera importante para tomar uma decisão de investimento e de voto. Por conseguinte, a informação considerada relevante num relatório de sustentabilidade deve também ser considerada e avaliada na preparação e apresentação das demonstrações financeiras. O mesmo nível de rigor aplicado à mensuração e relato da informação financeira deve ser aplicado à mensuração e relato da informação relacionada com a sustentabilidade. Assegurar essa ligação entre as diferentes informações divulgadas implica considerar as questões mais relevantes de sustentabilidade nas estimativas financeiras e nos pressupostos das demonstrações financeiras, bem como na divulgação dos riscos que tiveram ou poderão vir a ter um impacto relevante na atividade de uma sociedade.
VI.A.4. Se uma sociedade estabelecer publicamente um objetivo ou meta relacionado com a sustentabilidade, as normas de divulgação devem prever que sejam divulgados indicadores fiáveis, de forma facilmente acessível, para permitir que os investidores avaliem a credibilidade e os progressos no sentido do cumprimento do objetivo ou meta anunciados.
Os objetivos relacionados com a sustentabilidade, tais como os objetivos de redução das emissões de gases com efeito de estufa ou os objetivos estabelecidos no âmbito dos planos de transição climática, podem afetar a avaliação que um investidor faz do valor, do calendário e da certeza dos fluxos de caixa futuros de uma sociedade. Estes objetivos podem também ajudar uma sociedade a atrair financiamento de investidores para os quais as relevantes questões de sustentabilidade são importantes. Tanto do ponto de vista da eficiência do mercado como da proteção dos investidores, se uma sociedade estabelecer publicamente um objetivo ou meta relacionados com a sustentabilidade, as normas de divulgação de informações devem exigir uma divulgação suficiente de indicadores coerentes, comparáveis e fiáveis. Tal permitiria aos investidores avaliar a credibilidade do objetivo anunciado e os progressos do órgão de administração para o atingir. A divulgação de informações pode incluir, por exemplo, a definição de objetivos intermédios quando é anunciado um objetivo a longo prazo, a divulgação anual coerente de indicadores de sustentabilidade relevantes e eventuais medidas corretivas que a sociedade pretenda adotar para fazer face a um desempenho insuficiente em relação a um objetivo.
VI.A.5. Deve ser considerada a possibilidade de introduzir gradualmente os requisitos relativos às certificações anuais de garantia de fiabilidade por um prestador de serviços de certificação independente, competente e qualificado, em conformidade com normas de garantia de elevada qualidade reconhecidas internacionalmente, a fim de fornecer uma avaliação externa e objetiva da divulgação relacionada com a sustentabilidade de uma sociedade.
A análise das informações relacionadas com a sustentabilidade por um prestador de serviços de certificação independente, competente e qualificado pode aumentar a confiança dos investidores nas informações divulgadas e a possibilidade de comparar as informações relacionadas com a sustentabilidade entre sociedades. Sempre que uma garantia de qualidade elevada para todas as informações divulgadas relacionadas com a sustentabilidade não seja possível ou seja demasiado onerosa, pode ser considerada a possibilidade de uma avaliação obrigatória dos indicadores ou divulgações mais relevantes relacionados com a sustentabilidade, como as emissões de GEE. No entanto, o objetivo a longo prazo deverá ser uma maior convergência do nível de garantia entre as demonstrações financeiras e as divulgações relacionadas com a sustentabilidade.
VI.B. As estruturas de Governação corporativa devem permitir o diálogo entre uma sociedade, os seus acionistas e as partes interessadas, a fim de trocar pontos de vista sobre questões de sustentabilidade relevantes para a estratégia comercial da sociedade e avaliação das questões que devem ser consideradas relevantes.
As assembleias gerais de acionistas constituem um fórum importante para um processo estruturado de tomada de decisões. O diálogo entre as sociedades, os acionistas, os trabalhadores e outras partes interessadas pode também desempenhar um papel essencial em informar o processo de tomada de decisões do órgão de administração e na criação de confiança numa estratégia societária a longo prazo. Embora esse diálogo possa ser útil para uma série de questões, é particularmente importante para as decisões destinadas a melhorar a sustentabilidade e a resiliência de uma sociedade, que podem representar saídas de caixa a curto prazo, embora gerem benefícios a longo prazo. Este diálogo pode também ser útil para a sociedade avaliar quais as questões de sustentabilidade que são relevantes e que, por conseguinte, devem ser divulgadas. No diálogo com os acionistas, a sociedade deve respeitar o princípio do tratamento equitativo dos acionistas.
VI.B.1. Quando as estruturas de Governação corporativa permitem que as sociedades existentes adotem formas de sociedade que integrem simultaneamente objetivos lucrativos e de interesse público, esses estruturas devem prever a devida consideração dos direitos divergentes dos acionistas.
Algumas jurisdições dispõem de enquadramentos jurídicos para a criação de sociedades de interesse público ou outras formas societárias específicas que permitem às sociedades incorporar objetivos de interesse público com fins lucrativos, permitindo-lhes prosseguir objetivos explícitos relacionados com questões ambientais e sociais. Nos casos em que uma sociedade com fins lucrativos adota objetivos de interesse público, é importante dispor de mecanismos que prevejam a devida consideração dos direitos dos acionistas que sejam divergentes. As soluções possíveis para proteger os interesses divergentes dos acionistas podem incluir a exigência do consentimento dos acionistas minoritários ou a aprovação por uma maioria absoluta de acionistas para que uma sociedade acrescente objetivos de interesse público nos seus estatutos, ou o direito de os acionistas discordantes venderem as suas ações à sociedade por um preço justo.
VI.C. A estrutura de governação corporativa deve assegurar que o órgãos de administração considerem adequadamente os riscos e oportunidades materiais de sustentabilidade no desempenho das suas funções essenciais de análise, acompanhamento e orientação das práticas de governação, divulgação de informações, estratégia, gestão de riscos e sistemas de controlo interno, nomeadamente no que diz respeito aos riscos físicos e de transição relacionados com o clima.
No desempenho das suas funções essenciais, o órgão de administração está cada vez mais a garantir que as questões de sustentabilidade relevantes também são consideradas. Nomeadamente, o órgão de administração tem um papel a desempenhar para assegurar a existência de uma governação e de controlos internos eficazes, a fim de melhorar a fiabilidade e a credibilidade da divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade. Por exemplo, o órgão de administração pode avaliar se e como as questões de sustentabilidade afetam os perfis de risco das sociedades. Essas avaliações podem também estar relacionadas com a remuneração e nomeação dos principais quadros (por exemplo, se os objetivos integrados nos planos de remuneração dos administradores executivos são quantificáveis, se estão ligados a riscos financeiramente relevantes e se incentivam uma visão a longo prazo) ou com a forma como a sustentabilidade é abordada pelo órgão de administração e respetivos comités. As normas de diligência devida da OCDE sobre conduta empresarial responsável podem constituir um quadro importante para a integração de fatores de sustentabilidade nos sistemas e processos de gestão do risco.
VI.C.1. Os órgãos de administração devem assegurar que as atividades de lobbying das sociedades são coerentes com os seus objetivos e metas relacionados com a sustentabilidade.
Os órgãos de administração devem supervisionar eficazmente as atividades de lobbying que a administração realiza e financia em nome da sociedade, a fim de garantir que esta tem em devida conta a estratégia de longo prazo para a sustentabilidade adotada pelo órgão de administração. Por exemplo, as atividades de lobbying contra uma política de fixação de preços do carbono podem aumentar os lucros a curto prazo de uma sociedade, mas não estão em conformidade com o objetivo da sociedade de fazer uma transição ordenada para uma economia com baixas emissões de carbono. Em algumas jurisdições, os órgãos de administração também têm um papel na supervisão da divulgação de donativos políticos, incluindo os relacionados com atividades de lobbying.
VI.C.2. Os órgãos de administração devem avaliar se a estrutura de capital da sociedade é compatível com os seus objetivos estratégicos e a sua apetência pelo risco, de modo a garantir a sua resliência a diferentes cenários.
A gestão e os membros do órgão de administração estão em melhor posição para decidir se a estrutura de capital de uma sociedade é compatível com os objetivos estratégicos e o apetite de risco associado, dentro das restrições existentes estabelecidas pelos accionistas. A fim de garantir a solidez financeira da sociedade, o órgão de administração deve monitorizar a estrutura de capital e a suficiência de capital, tendo em consideração diferentes cenários, incluindo aqueles com baixa probabilidade, mas com elevado impacto.
VI.D. A estrutura de governação corporativa deve ter em conta os direitos, papéis e interesses das partes interessadas e incentivar a cooperação ativa entre sociedades, accionistas e partes interessadas na criação de valor, empregos de qualidade e sociedades sustentáveis e resilientes.
A governação corporativa visa incentivar as várias partes interessadas a realizarem níveis economicamente ótimos de investimento em capital humano e físico na sociedade. Para os trabalhadores, a sociedade onde trabalham não é apenas a sua fonte de rendimento, mas também o local onde passam grande parte das suas vidas, pelo que a sustentabilidade da sociedade a longo prazo é importante para eles. A competitividade e o sucesso final de uma sociedade são o resultado de um trabalho de equipa que incorpora as contribuições de uma série de diferentes fornecedores de recursos, incluindo investidores, trabalhadores, credores, clientes, comunidades afetadas, fornecedores e outras partes interessadas. As sociedades devem reconhecer que as contribuições das partes interessadas constituem um recurso valioso para a construção de sociedades competitivas e lucrativas. Por conseguinte, pode ser do interesse das sociedades, a longo prazo, promover a cooperação entre as partes interessadas para a criação de valor.
VI.D.1. Os direitos das partes interessadas, estabelecidos por lei ou por acordos, devem ser respeitados.
Os direitos das partes interessadas são, em grande medida, estabelecidos por lei (por exemplo, leis laborais, societárias, comerciais, ambientais e de insolvência) ou por relações contratuais que as sociedades devem respeitar. Em algumas jurisdições é obrigatório que as sociedades efetuem diligências adequadas em matéria de direitos humanos e de ambiente. No entanto, mesmo em áreas em que os interesses das partes interessadas não estão legislados ou estabelecidos por contrato, muitas sociedades assumem compromissos adicionais para com as partes interessadas, dado que a preocupação com a reputação e o desempenho da sociedade exige frequentemente o reconhecimento de interesses mais vastos. Em algumas jurisdições isto pode ser conseguido através da utilização das Diretrizes da OCDE para as Sociedades Multinacionais e das normas de diligência devida associadas para a diligência devida baseada no risco, a fim de identificar, prevenir e atenuar os impactos adversos reais e potenciais da sua atividade, e prestar contas sobre a forma como esses impactos são tratados.
VI.D.2. Sempre que os interesses das partes interessadas estejam protegidos por lei, estas devem ter a oportunidade de obter uma reparação efetiva em caso de violação dos seus direitos, a um custo razoável e sem atrasos excessivos.
A estrutura e o processo jurídicos devem ser transparentes e não impedir que as partes interessadas comuniquem e obtenham reparação pela violação dos seus direitos a um custo razoável e sem atrasos excessivos.
VI.D.3. Deverá ser permitido o desenvolvimento de mecanismos de participação dos trabalhadores.
O grau de participação dos trabalhadores na governação corporativa depende da legislação e das práticas nacionais, podendo também variar de sociedade para sociedade. No contexto da governação corporativa, os mecanismos de participação podem beneficiar as sociedades direta ou indiretamente, através da disponibilidade dos trabalhadores para investirem em competências específicas da sociedade. Exemplos de mecanismos de participação dos trabalhadores incluem a representação dos trabalhadores nos órgãos de administração e processos de governação como os comités de sociedade que têm em conta os pontos de vista dos trabalhadores em determinadas decisões fundamentais. As convenções internacionais e as normas nacionais também reconhecem os direitos dos trabalhadores à informação, consulta e negociação. No que diz respeito aos mecanismos de melhoria do desempenho, os planos de participação dos trabalhadores no capital ou outros mecanismos de participação nos lucros podem ser encontrados em muitas jurisdições. Os compromissos em matéria de pensões são também frequentemente um elemento da relação entre a sociedade e os seus trabalhadores passados e atuais. Quando esses compromissos implicam a criação de um fundo independente, os seus administradores devem ser independentes da administração da sociedade e gerir o fundo no interesse de todos os beneficiários.
VI.D.4. Quando as partes interessadas participam no processo de governação corporativa, devem ter acesso a informações pertinentes, suficientes e fiáveis, de forma atempada e regular.
Quando a legislação e a prática das estruturas de governação corporativa preveem a participação das partes interessadas, é importante que estas tenham acesso às informações necessárias para cumprirem as suas responsabilidades.
VI.D.5. As partes interessadas, incluindo os trabalhadores individuais e os seus organismos representativos, devem poder comunicar livremente as suas preocupações sobre práticas ilegais ou não éticas ao órgão de administração e/ou às autoridades públicas competentes, e os seus direitos não devem ser comprometidos por esse facto.
As práticas pouco éticas e ilegais dos dirigentes das sociedades podem não só violar os direitos das partes interessadas, mas também ser prejudiciais para a sociedade em termos de efeitos na sua reputação. Por conseguinte, é importante que as sociedades estabeleçam uma política confidencial de denúncia de irregularidades, com procedimentos e salvaguardas para as queixas apresentadas pelos trabalhadores, pessoalmente ou através dos seus órgãos representativos, e por outras pessoas fora da sociedade, relativamente a comportamentos ilegais e pouco éticos. O órgão de administração deve ser encorajado a proteger estes indivíduos e organismos representativos e a dar-lhes acesso direto e confidencial a alguém independente no órgão de administração, frequentemente um membro de um comité de auditoria ou de ética. Algumas sociedades criaram um Provedor para tratar das queixas. As autoridades competentes criaram também serviços telefónicos e de correio eletrónico confidenciais para receber queixas. Embora em certas jurisdições os órgãos representativos dos trabalhadores assumam a tarefa de transmitir as suas preocupações à sociedade, os trabalhadores individuais não devem ser impedidos de o fazer, nem estar menos protegidos, quando atuam sozinhos. Na ausência de medidas corretivas atempadas ou perante o risco razoável de uma ação negativa relativamente a uma queixa por infração à lei, os trabalhadores são encorajados a apresentar a sua queixa de boa-fé às autoridades competentes. Muitas jurisdições preveem também a possibilidade de apresentar casos de alegadas violações das Diretrizes da OCDE para as Sociedades Multinacionais ao Ponto de Contacto Nacional relevante. A sociedade deve abster-se de ações discriminatórias ou disciplinares contra esses trabalhadores ou organismos.
VI.D.6. O exercício dos direitos dos obrigacionistas das sociedades cujos títulos são listados em bolsa deve ser facilitado.
O aumento alargado e substancial do recurso ao financiamento através de obrigações por parte das sociedades admitidas à negociação em bolsa e das suas filiais justifica uma maior atenção ao papel e aos direitos dos obrigacionistas na governação corporativa, bem como à sua importância para a resiliência das sociedades.
Nas emissões de obrigações oferecidas a um grande número de investidores, é normalmente designado um representante fiducirário independente para os representar, analisar os casos de incumprimento dos acordos e proteger os interesses dos obrigacionistas durante a reestruturação da dívida. Embora o âmbito exato das atividades de um fiduciário seja geralmente definido por contrato, os decisores políticos podem adotar regulamentação relativa à elegibilidade do fiduciário e aos seus deveres antes e durante um incumprimento.
O exercício dos direitos dos obrigacionistas pode também ser facilitado através de incentivos aos investidores institucionais para que acompanhem e colaborem com as sociedades. Os investidores institucionais têm diferentes modelos de negócio e estruturas de responsabilidade e, por conseguinte, têm diferentes incentivos para serem mais ou menos activos enquanto obrigacionistas. As estruturas de governação corporativa podem, no entanto, incentivar os investidores a serem mais activos enquanto credores, por exemplo, recomendando num código de stweardship que os signatários possam exercer ativamente os seus direitos no que respeita às obrigações das sociedades. Além disso, as iniciativas do mercado podem ser úteis para estabelecer normas e incentivar a utilização de cláusulas vinculativas e claramente definidas. Poderá ser necessário evitar a utilização de indicadores financeiros ajustáveis que deixem ao critério das sociedades a definição do cumprimento dos acordos.
A reestruturação extrajudicial de dívidas, como a troca de dívida de sociedades em dificuldades, é muitas vezes mais rentável do que os processos formais de insolvência e a sua utilização pode, por conseguinte, ser facilitada. Para além de aderirem a parâmetros de referência internacionalmente reconhecidos em matéria de direitos dos credores e de quadros de insolvência, os países poderiam beneficiar da facilitação da participação dos detentores de obrigações na reestruturação extrajudicial da dívida de sociedades admitidas à negociação em bolsa. Por exemplo, uma orientação clara sobre a forma como as regras em matéria de abuso de informação privilegiada podem ser aplicadas durante uma reestruturação da dívida ou uma negociação de renúncia a um pacto poderia dar mais conforto aos detentores de obrigações para participarem nesses processos. Outra possibilidade seria facilitar a identificação dos detentores de obrigações, para que as sociedades devedoras os possam encontrar rapidamente para iniciar uma negociação de reestruturação da dívida. No entanto, esta possibilidade está sujeita à legislação nacional, como o regime de resolução e reestruturação aplicável aos bancos e instituições de crédito em várias jurisdições.
VI.D.7. A estrutura de governação corporativa deve ser complementada por uma estrutura de insolvência eficaz e eficiente e pela aplicação efetiva dos direitos dos credores.
Os credores são partes interessadas fundamentais e as condições, o volume e o tipo de crédito concedido às sociedades dependerão em grande medida dos seus direitos e da sua aplicabilidade. As sociedades com um bom historial em matéria de governaçõa corporativa podem geralmente contrair empréstimos de montantes mais elevados em condições mais favoráveis do que as sociedades com um historial deficiente ou que operam em mercados menos transparentes. O enquadramento da insolvência das sociedades varia muito de país para país. Em alguns países, quando as sociedades se aproximam da insolvência, a legislação impõe aos administradores o dever de agirem no interesse dos credores, que podem, por conseguinte, desempenhar um papel proeminente na governação corporativa.
Os direitos dos credores também variam, desde os detentores de obrigações com garantia até aos credores sem garantia. Os processos de insolvência exigem normalmente mecanismos eficazes para conciliar os interesses das diferentes categorias de credores. Em muitas jurisdições estão previstos direitos especiais, como o financiamento do "devedor na posse", que proporciona incentivos/proteção para novos fundos disponibilizados à sociedade em caso de insolvência.