Os resultados sugerem igualmente que a percentagem de necessidades jurídicas satisfeitas é mais elevada em Portugal do que noutros países comparáveis. Com 30%, a percentagem de inquiridos que não têm capacidade jurídica ou conhecimento sobre onde obter informações e assistência para resolver o seu problema jurídico é inferior à da maioria dos países da OCDE. É importante notar que um quarto dos inquiridos que enfrentaram um problema jurídico recebeu assistência profissional, o que constitui uma das percentagens mais elevadas entre os países da OCDE. No entanto, o acesso a aconselhamento profissional parece aumentar bastante com o nível de rendimento. Por último, 65% dos problemas jurídicos comunicados no inquérito tinham sido resolvidos, dos quais apenas 5% tinham sido tratados através do sistema judicial formal (OECD, 2020[1]).
Os principais estudos que permitiram uma abordagem da justiça e das necessidades jurídicas em Portugal têm na sua esteira a temática tradicional da sociologia do direito e da sociologia política das perceções públicas sobre o direito e a justiça. Os inquéritos mais abrangentes, representativos da população portuguesa, foram realizados pelo Centro de Estudos Sociais em 1993 (Santos et al., 1996[2]) e mais tarde em 2001 (Santos et al., 2004[3]).
Estes estudos visavam aferir o conhecimento que os cidadãos tinham da lei e dos tribunais, a sua perceção do desempenho e funções dos tribunais, a sua opinião à luz das suas próprias experiências ou das dos seus familiares e, finalmente, se recorriam às instituições de justiça quando necessário (Santos et al., 1996[2]). Estes estudos procuraram identificar os fatores desencadeadores da procura de justiça em Portugal e identificar as experiências dos inquiridos enquanto requerentes, arguidos ou vítimas.
Ambos os inquéritos definiram 10 domínios para identificar padrões de litígio. Estas áreas eram a herança, a violência doméstica, a vizinhança, os seguros, os produtos defeituosos, o arrendamento, o não pagamento de dívidas, o trabalho, a qualidade ambiental e a corrupção. Perguntou-se aos inquiridos se tinham tido litígios em cada área e, em caso afirmativo, quais os diferentes mecanismos de resolução de litígios utilizados e por que ordem. Os resultados revelaram um padrão relativamente baixo de litígios nas dez áreas definidas, embora com variações dentro de cada área. Mais relevantes são as conclusões sobre a forma como as pessoas procuraram resolver estes problemas. No inquérito de 1993, os problemas mais comuns da amostra foram (a) vizinhos - 21,7%, (b) arrendamento - 12,2%, (c) dívidas - 12%, e (d) produto defeituoso - 11,8% (Santos et al., 1996[2]).
Um dos principais objetivos da investigação realizada em 1993 e 2001 era precisamente conhecer os casos que não chegam aos tribunais, mas que são tratados por outros mecanismos de resolução de litígios. Trata-se de casos não oficiais ou informais (por exemplo, intervenção de um amigo ou familiar, acordo com a outra parte), oficiais não judiciais ou administrativos (centros de arbitragem do consumo, município) ou casos deixados sem qualquer ação. Os resultados do inquérito revelam que existe uma opção clara pelos mecanismos não oficiais de resolução de litígios (por exemplo, chegar a um acordo amigável).
Os resultados dos inquéritos revelaram também um peso significativo da inação. Em alguns tipos de conflitos, esta foi considerada a forma prioritária de resolução. Isto pode sugerir que a sociedade portuguesa é marcada por um défice de cidadania ativa, influenciado não tanto pelo desconhecimento dos direitos, mas antes pela falta de motivação para os reivindicar (Santos et al., 1996[2]). Ambos os estudos concluíram que apenas uma pequena fração dos problemas jurídicos chega aos tribunais. Sugeriram também que, nessa altura, a sociedade portuguesa se caracterizava por uma discrepância significativa entre a procura efectiva e a procura potencial dos tribunais. Em 1993, 20,9% dos inquiridos declararam ter pelo menos um processo em tribunal. Dentro deste grupo, a esmagadora maioria (73,6%) tinha apenas um (Santos et al., 1996[2]). Em 2001, 22,9% dos inquiridos tinham pelo menos um processo em tribunal e, destes, a maioria afirmou ter apenas um (Santos et al., 1996[2]).
Ambos os inquéritos procuraram também descobrir as razões para evitar os mecanismos de resolução de litígios judiciais. Os resultados revelaram que uma grande parte dos inquiridos não recorreria aos tribunais se o seu litígio não fosse resolvido. A principal razão comum foi a "inadequação da via judicial", uma vez que a questão não foi considerada "suficientemente grave", ou o facto de os inquiridos não estarem dispostos a "ficar mal com a minha família/vizinhos/cônjuge". As áreas comuns a esta resposta incluem a agressão conjugal e os produtos defeituosos. A inacessibilidade (ou seja, "era muito caro ir a tribunal; demorava muito tempo") foi particularmente relevante para certos tipos de conflitos (por exemplo, qualidade do ambiente, relações laborais, arrendamento ou seguros). Na maioria dos casos, a hostilidade contra os tribunais é baixa (Santos et al., 1996[2]).
Em 2013, foi lançado um terceiro inquérito pelo Observatório Permanente da Justiça do Centro de Estudos Sociais, no âmbito do projeto "Mulheres na Magistratura em Portugal: percursos, experiências e representações" (Gomes et al., 2014[4]). Curiosamente, os resultados seguiram o mesmo padrão dos inquéritos realizados em 1993 e 2001. A maioria dos inquiridos nunca tinha tido qualquer caso em tribunal (15%), e destes, a maioria teve apenas um caso (Gomes et al., 2017[5]).
Em 2002, um inquérito sobre "Impressões da Justiça em Meio Urbano" teve como objetivo avaliar a experiência da população de Lisboa com o sistema de justiça, grau de satisfação e estratégias de recurso a mecanismos de resolução de litígios, conhecimento do direito, opinião sobre justiça e injustiça (Hespanha, 2005[6]). Os resultados indicam que os recursos mais comuns na procura de uma solução para um problema jurídico são a polícia (38,9%), os serviços públicos não especializados (30%) e os advogados (26,2%), enquanto os tribunais são os menos utilizados (20,3%) (Hespanha, 2005[6]).
O inquérito procurou ainda conhecer as vias de resolução de certos tipos de questões, nomeadamente o despejo, o despedimento, os problemas relacionados com dívidas pessoais, os problemas com a divisão de bens, a compra de produtos defeituosos, os problemas decorrentes da guarda dos filhos, as questões decorrentes de furtos ou roubos. Os resultados mostraram que os mecanismos ligados à justiça ou à aplicação da lei aparecem em primeiro lugar nas intenções de resolução de conflitos, apesar das diferenças significativas consoante o tipo de questões (Hespanha, 2005[6]).