Em muitos países da América Latina e do Caribe (ALC), assim como em outras regiões, embora as leis e as regulações referentes à integridade pública sejam geralmente bem elaboradas, ocorre um deficit de implementação. Esse deficit pode ser definido como a diferença entre as exigências da política regulatória de jure e seu cumprimento de facto, ou seja, como as regulações são traduzidas na prática. O que está no papel só tem impacto se provocar uma mudança real nas práticas e comportamentos.
Muitos fatores podem explicar esse deficit de implementação, e é essencial identificar e entendê-los para que os desafios sejam superados. Entre esses fatores, dois são cruciais. Primeiro, a eficácia da implementação pode ser prejudicada pela ausência de uma clara responsabilidade institucional pela integridade pública nas organizações do Estado. Também pode ser difícil provocar efeitos no nível subnacional quando os governos locais não contam com entidades ou unidades dedicadas às políticas de integridade. Segundo, a implementação de políticas de integridade pode ser dificultada pela falta de incentivo à inclusão de objetivos de integridade pública nos planos estratégicos e operacionais das organizações no centro de governo ou nas políticas públicas dos governos subnacionais.
Embora a integridade seja, em última análise, responsabilidade de todos os indivíduos de uma organização, nas entidades públicas “agentes de integridade” especializados podem desempenhar um papel fundamental na superação do deficit de implementação. A experiência internacional revela o valor de se ter um funcionário ou unidade especializada dedicada ao tema e responsável pela implementação, coordenação e promoção interna das regulações e políticas de integridade. No entanto, apesar do potencial para serem impulsionadores da implementação, a mera existência desses agentes dedicados à integridade não garante que o deficit seja resolvido, pois seu impacto depende fundamentalmente de seus mandatos e responsabilidades, bem como dos recursos disponíveis. De acordo com o Questionário da OCDE sobre Integridade Pública na América Latina (2018), 58% dos países da ALC entrevistados já optaram pela utilização de unidades ou funcionários dedicados à integridade no nível ministerial do governo central. Além disso, no momento da coleta de dados, a Argentina e o Chile estavam no processo de estabelecer essa unidade ou cargo.
Embora a integridade seja uma preocupação em todos os níveis do governo, a oportunidade para certos tipos de corrupção pode ser mais pronunciada no nível subnacional. A responsabilidade dos governos subnacionais de prestar grande parte dos serviços públicos, como educação, saúde, segurança/justiça, manejo de resíduos, serviços de utilidade pública, concessão de licenças e autorizações, traduz-se em interações mais frequentes e mais diretas entre as autoridades governamentais e os cidadãos e empresas, o que aumenta o risco de corrupção. Ao mesmo tempo, alcançar efetivamente o nível subnacional e garantir a implementação das políticas nacionais em todos os níveis do governo é um desafio. Atualmente, pouco menos da metade dos países da ALC pesquisados contam com agentes dedicados à integridade que poderiam promover a implementação local das políticas de integridade.
Por fim, passar de uma “cultura de casos”, assistemática e reativa, a uma “cultura de integridade”, mais proativa e voltada para a prevenção sistêmica, requer visão, discernimento e presciência e, dessa forma, tanto planejamento estratégico como operacional. Estratégias que comprometam o governo com resultados concretos e ambiciosos, mas viáveis, podem enviar uma mensagem aos cidadãos e funcionários públicos, ao enfatizarem que a promoção da integridade pública é levada a sério. A existência de planos também é essencial para permitir o monitoramento e a avaliação eficazes da implementação das políticas de integridade. O Questionário da OCDE sobre Integridade Pública na América Latina 2018 revela que oito países da ALC tinham uma estratégia nacional, e a Argentina estava no processo de elaboração de uma estratégia que foi adotada após a coleta de dados. Essas estratégias têm mais chances de serem efetivas quando são operacionalizadas nos âmbitos organizacionais e atingem todos os níveis do governo. Dos oito países com uma estratégia, seis exigem que esta seja incorporada aos processos de planejamento organizacional, embora apenas cinco exijam a aplicação no nível subnacional.